Do trabalho infantil para a sala de aula

Projeto Casulo

Por Lauro Neto | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 17 de abril de 2017 - 10:58 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:18

Projeto Casulo. Foto de Divulgacao
Projeto Caculo. Foto de Divulgacao
Borboleta grafitada na sede do Projeto Casulo: metáfora da metamorfose. Foto de Divulgação

Ao subir as escadas e se deparar com uma borboleta grafitada na parede já se pode ter uma ideia da analogia que dá nome ao Projeto Casulo, em São Paulo. A correria das crianças pelos corredores e a compenetração dos jovens no laboratório de informática dão outras dicas. Mas a metáfora da metamorfose é a que melhor explica o processo de amadurecimento por que passam dentro deste espaço.

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As famílias são de baixa renda, e há casos em que os pais estão presos ou os filhos são vítimas de violência doméstica.

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Diariamente, 120 crianças e adolescentes das comunidades Real Parque e Jardim Panorama, na Zona Sul da capital paulista, frequentam programas educativos diversos, como oficinas de teatro, dança, artes visuais, música e literatura. Eles têm de 6 a 14 anos, e muitos são retirados do trabalho infantil ou de outra situação de vulnerabilidade social.

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– As famílias são de baixa renda, e há casos em que os pais estão presos ou os filhos são vítimas de violência doméstica. Como o Casulo fica aberto até as 22h, até tarde aparecem crianças de 10 anos, que tomam conta de outros irmãos. É o quintal da casa delas. Temos uma assistente social que faz um acompanhamento familiar. Quando fico sabendo que uma família deixou de bater na criança, para mim, tem o mesmo valor dos jovens que saem daqui após conseguir um emprego – diz Célia Schlithler,  diretora executiva da ONG.

As atividades acontecem em dois turnos, complementares ao horário escolar: das 8h às 12h ou das 13h às 17h.  Café da manhã, almoço e lanche também são por conta da casa.  O Casulo é um espaço em transformação constante. Se até o ano passado havia aulas de boxe e caratê, agora um voluntário ensina muay thai na mesma sala multiuso de onde se ouvem sons de pandeiros e atabaques.

Projeto Casulo. Foto de Divulgacao
As atividades educativas acontecem em dois turnos. A instituição fica aberta até as 22h. Foto de Divulgação

Outros 95 jovens, de 14 a 21 anos, fazem parte do programa de educação para o trabalho “Olhando além”.  Os  65 alunos iniciantes constroem planos de desenvolvimento pessoal e  profissional. Na fase seguinte, denominada “Olhares conectados”,  outros 30 são orientados por 30 mentores voluntários do Instituto InterCement, com ensino de animação digital, preparação de arquivos e webdesign.

– Num primeiro momento, há o trabalho de competências socioemocionais. É uma fase de autoconhecimento. Integrado a isso, explicamos como é uma entrevista de emprego e simulamos processos seletivos: 70% deles passam pelo processo de Jovem Aprendiz, em parceria com CIEE  (Centro de Integração Empresa-Escola) – explica Célia.

Moradora  do Parque Real, Adriana Santos, de 18 anos, já fez estágio como recepcionista e agora está à procura de emprego. Há 1 ano no Casulo, ela conta que hoje se sente mais bem preparada para enfrentar o mercado de trabalho:

– Já havia feito entrevista de emprego antes de ter esse acompanhamento, mas ficava muito nervosa e não ia bem.  Como não tenho computador em casa, não tinha oportunidade de fazer cursos a distância, que são de graça e bons para colocar no currículo. Aqui, também tenho aulas de teatro e hip-hop, que ajudam a perder a timidez.

Projeto Casulo. Foto de Divulgacao
A entidade atende 120 crianças e adolescentes das comunidades Real Parque e Jardim Panorama, na Zona Sul da capital paulista. Foto de Divulgação

Jhones Simões que o diga. Nascido e criado no Real Parque, ele viu o Casulo nascer numa casa no alto da comunidade em 2002, como projeto do Instituto de Cidadania Empresarial. No ano seguinte, com a inauguração do prédio atual, o então adolescente de 13 anos fez parte do elenco de uma peça que estreou o auditório. Na plateia, ninguém menos que Gilberto Gil.

– Ele era ministro da Cultura e doou um violão autografado para o Casulo. Foi muito emocionante. Estreei no palco sem nunca ter ido ao teatro assistir a uma peça. Pela primeira vez, a comunidade teve acesso a essa opção cultural. Virou uma referência para nós. Não tínhamos quase espaços de lazer – recorda Jhones, que hoje tem 27 anos e é assistente de relações institucionais da ONG.

Mas o roteiro da sua vida lhe pregou uma peça logo em seguida. Enfrentando problemas com a mãe, ele saiu de casa aos 14 e foi morar sozinho em São Mateus, na Zona Leste paulistana. Apesar da mudança para tão longe, Jhones continuou a estudar na mesma escola. Saía de casa às 4h, pegava dois ônibus e demorava três horas para cruzar a cidade.

Como o dinheiro que recebia como menor aprendiz no Banco do Brasil mal dava para pagar o aluguel, o garoto vendia parte do seu vale-transporte. Quando a aula terminava, às 12h20m, almoçava e levava uma hora a pé até o banco. Após quatro horas de trabalho, ele ainda tinha fôlego para caminhar mais uma hora até o Casulo, onde frequentava o curso de informática, das 19h às 20h30.

– Comia algo por aqui mesmo e demorava mais duas horas e meia até chegar em casa. Era tomar banho e dormir. Fiquei 9 meses lá só com um colchão e um fogão. Depois, uma tia  me abrigou num cômodo vazio que tinha na sua casa no Real Parque. Com o dinheiro que deixei de gastar com aluguel, comecei a construir uma casinha  num terreno em frente ao Casulo.  Meus amigos me ajudavam com as pedras e o cimento.

A construção demorou 1 ano e meio. Àquela altura, Jhones estava se formando no ensino médio e já fazia bicos como garçom, copeiro e até fotógrafo na noitada. Em 2010, foi aprovado num processo seletivo para trabalhar como recepcionista no Casulo, que se transformara em Organização da Sociedade Civil (OSC) no ano anterior.

Dois meses após ser contratado, ele viu um incêndio devastar a comunidade e deixar cerca de 300 famílias desabrigadas. No período, o Casulo funcionou como ponto de coleta e distribuição de donativos.

Durante o processo de construção de dois prédios com 1600 moradias sociais nas quais residem 6400 pessoas, Jhones teve sua casinha demolida. Enquanto esperava sua vez de ser contemplado com o novo apartamento, alugou outro num prédio mais antigo para morar com a mulher, Manoela.  Fez faculdade de administração e foi promovido a assistente administrativo antes de chegar ao cargo que ocupa.

– O Casulo me proporcionou possibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional – ele resume.

Projeto Casulo. Foto de Divulgacao
Encontros socioeducativos ajudam a engajar crianças e adolescentes no projeto, que conta com 14 times de futsal. Foto de Divulgação

Quando Célia assumiu a diretoria executiva em 2014, percebeu que a comunidade estava afastada do Casulo. Com sua experiência como consultora em desenvolvimento comunitário, fez um planejamento estratégico para que os moradores voltassem a se sentir protagonistas.

No eixo de Juventude e Cultura, um grupo de Curadoria Coletiva formado por sete jovens organiza eventos como o CineCasulo e o Sarau Indígena, promovido em abril por integrantes da tribo Pankararu, que tem 900 moradores no Real Parque. Já na área de Esportes e Lazer, 14 times de futsal disputam campeonatos na quadra da ONG.

Mas foi nos campos de Cidadania Ativa e Trabalho e Renda que o Casulo conseguiu atrair os mais velhos em encontros socioeducativos com as famílias dos alunos abordando temas como violência doméstica e direitos humanos, além de palestras com assuntos como mercado varejista e educação financeira.

– A identidade comunitária se esgarçou com o processo de urbanização e havia uma cobrança para que os moradores assumissem o espaço. Com um diálogo permanente, conseguimos aumentar a presença das famílias de 30% para 80% – comemora Célia. – Queremos fomentar uma economia mais colaborativa. Já há um grupo ligado ao meio-ambiente que quer criar uma cooperativa para compostagem e reciclagem de lixo.

Além de convênio com a secretaria municipal de Assistência e Desenvolvimento Social e parceria com o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, a ONG conta com patrocínios e doações para manter o seu trabalho.

Lauro Neto

Carioca, mas cidadão do mundo. De carona na boleia de um caminhão ou na classe executiva de um voo rumo ao Qatar, sempre de malas prontas. Na cobertura de um tiroteio na cracolândia do Jacarezinho ou entrevistando Scarlett Johansson num hotel 5 estrelas em Los Angeles, a mesma dedicação. Curioso por natureza, sempre atrás de uma boa história para contar. Jornalista formado na UFRJ e no Colégio Santo Inácio. Em 11 anos de jornal O Globo, colaborou com quase todas as editorias. Destaque para a área de educação, em que ganhou o Prêmio Estácio em 2013 e 2015. Foi colunista do Panorama Esportivo e cobriu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

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Um comentário em “Do trabalho infantil para a sala de aula

  1. Gabriela Borges disse:

    Estou fazendo uma pesquisa e gostaria de fazer entrevista com vocês, será um prazer poder conversar … E se vocês autorizar, fazer um vídeo.
    Meu grupo de escola terá o prazer se você autorizar
    -Gabriela Borges

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