Trans e feministas em ritmo de Carnaval

O bloco Mulheres Rodadas abre ala para as minorias e adere à luta contra a invisibilidade transexual

Por Celina Cortes | ODS 5ODS 9 • Publicada em 29 de janeiro de 2017 - 08:00 • Atualizada em 5 de setembro de 2017 - 20:49

Trans no Mulheres Rodadas. Foto de Divulgacao
Trans no Mulheres Rodadas. Foto de Divulgacao
Componentes da ala Trans do bloco carnavalesco Mulheres Rodadas. Foto de Divulgação

Vida de transexual não é fácil no Brasil, país que lidera os índices de homicídios entre pessoas que se identificam com uma orientação sexual oposta à que nasceram. De 2008 a 2012, segundo a Transcender Europe’s Trans Murder Monitoring (TMM), foram 698 assassinatos por aqui, três vezes mais que no México, que ocupa o segundo lugar, com 194 mortes. A transexual fluminense Dandara Vital é uma exceção à regra, ainda que não tenha boas lembranças dos traumas de infância – motivo pelo qual prefere não revelar seu nome de batismo. Chega aos 36 anos sem medo de ser feliz.

Este mês, quando se comemora a Visibilidade Transexual, no domingo, dia 29, Dandara coleciona motivos para festejar: “Estou numa fase muito boa”, diz com delicadeza e voz grave, sorriso nos lábios, contando os dias para sair no Mulheres de Tebas, a ala trans do Mulheres Rodadas – bloco que despontou no Carnaval de 2015 e, aos poucos, foi ganhando contornos feministas.

Dandara e Renata Rodrigues, idealizadora do Mulheres Rodadas, se conheceram no ano passado, durante um seminário sobre feminismo. A empatia entre as duas foi imediata. No começo, as Mulheres Rodadas saíram em defesa dos direitos das mulheres; na versão 2017, vão prestar solidariedade às minorias.

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Trans no Mulheres Rodadas. Foto de Divulgacao
Trans batizam a ala de Mulheres de Tebas. Foto de Divulgação

A ala trans do Mulheres Rodadas escolheu a história de Édipo como enredo. Na lenda grega, o rei de Tebas, Laio, havia sido alertado pelo Oráculo de Delfos que uma maldição iria se concretizar: seu próprio filho o mataria e, depois, se casaria com a própria mãe. É Dandara quem explica o porquê da escolha: “Começamos a fazer leituras das tragédias gregas, chegamos a ler Medeia, mas decidimos por Édipo por conta de sua busca pela identidade. Ele quer descobrir a verdade sobre si mesmo e assumir quem ele é. E assume ainda as consequências dessa escolha.  Édipo inclui outras questões, essa, porém, é a que mais se aproxima do universo trans.”

A ala tem ao todo 13 componentes, entre mulheres e homens trans, travestis, além dos gêneros convencionais, digamos assim. “Depois do carnaval vamos participar de oficinas de percussão. Queremos formar nosso próprio bloco de Carnaval”, planeja Dandara, animadíssima.

 

 

Biiiiiiiiiiiiiiba!

Trans no Mulheres Rodadas. Foto de Divulgacao
Dandara com o cartaz “Você contrataria uma pessoa trans?” e suas colegas de bloco. Foto de Divulgação

Se na vida adulta, Dandara se transformou numa trans resolvida; na infância, as lembranças são dolorosas. O maior trauma ocorreu na escola, durante os jogos olímpicos, dos quais ela participou no revezamento de natação. “Fui a última a pular na água e começaram a fazer coro para mim: Biiiiba! Fiquei tão nervosa, nadei tão rápido que pulamos para a primeira colocação”, recorda, lembrando que, à época, tinha 11 anos. O ambiente hostil fez o então menino desejar mudar de escola, mesmo estando apaixonado por um colega da turma. “No início, achava que eu era gay. Não entendia o que acontecia comigo”. Aos 14 anos, seus pais decidiram levá-lo a um psicanalista. Aos trancos e barrancos, completou o Segundo Grau.

Aos 18 anos, começou a trabalhar como balconista nas Lojas Americanas. O início da vida adulta e a sensação de independência financeira provocada com o trabalho corresponderam a uma espécie de libertação. Dandara tomou coragem e saiu em busca de respostas para perguntas que ela hesitava em se fazer. Por coincidências da vida, um trans mudou-se para a vizinhança, onde Dandara morava. A proximidade com a vizinha trans a ajudou a clarear suas dúvidas. Ambas eram fãs das transexual Roberta Close e Cláudia Chocolate.

Trans no Mulheres Rodadas. Foto de Divulgacao
De dedo em riste, Dandara, ao lado de uma amiga trans, diz que “aprendeu a ser forte na base da porrada”. Foto de Divulgação

Foi então que a vida de Dandara começou a mudar. Passou a sair com meninos afeminados, foi assediada por um travesti amigo do vizinho, até que se permitiu ultrapassar o mundinho onde se escondia e foi à luta. Os pais não gostaram da transformação e expulsaram o filho de casa. “Nunca deixamos de nos falar, só parei de frequentar a casa deles. Minha mãe sempre me visitava e ajudava, na medida do possível”, conta.

Com ajuda do vizinho, implantou silicone e fez tratamento hormonal por conta própria – teve a sorte de não sofrer os efeitos colaterais do uso contínuo de hormônios ou da aplicação caseira de silicone. Na medida em que sua imagem se aproximava à de uma mulher, caiu sua ficha para o que chama de “transicionar”, o que, de fato, veio a ocorrer em 2005, quando tinha 24 anos. “Percebi que não era amor o que sentia por Cláudia Chocolate. Descobri que eu queria ser ela”.

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Percebi que não era amor o que sentia por Cláudia Chocolate. Descobri que eu queria ser ela

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A descoberta foi transformadora. Dandara fez as malas e mudou-se para uma comunidade de Jacarepaguá. Foi morar sozinha. As lembranças da infância e adolescência em Niterói ficavam cada vez mais distantes. Até que se apaixonou por uma rapaz, “muito ciumento”, com quem conviveu por sete anos. À medida que assumia a nova identidade, era cada vez mais alvo de preconceito. Trocou o emprego nas Lojas Americanas por um na Líder Magazine, onde ganharia mais. Não durou muito tempo. Foi demitida. A alegação era que a “clientela de senhoras que não aceitaria conviver com essas modernidades”.

Ao perceber que o mercado formal de trabalho teria dificuldades de aceitá-la, foi à luta mais uma vez. Pediu socorro, e emprego, em uma ONG. Em 2008, passou a fazer parte do projeto Damas, um programa de prefeitura do Rio de Janeiro pela inclusão de travestis e transexuais no mercado trabalho. No mesmo ano, passou a participar do Instituto do Ator, onde criou o projeto “Damas em Cena“. Descobriu a paixão pelo teatro.

O mergulho no teatro, fez Dandara se aceitar completamente. A vontade de ser submeter à cirurgia de mudança de sexo, passou. “Aprendi a lidar com meu corpo e o teatro tem grande influência nessa decisão”.

Celina Cortes

Celina Côrtes trabalhou 12 anos no Jornal do Brasil. Transitou entre as editorias de ecologia e cultura, onde foi repórter do Caderno B. Teve uma breve passagem pelo O Globo, como chefe de reportagem dos jornais de bairro, pela TV Bandeirantes e pelo Dia. Trabalhou por 11 anos na revista IstoÉ. É autora dos livros "Ilha da Trindade - veo de mysterio à flor dagua", "Procura-se um milagre, três mulheres no Caminho de Santiago" e "Útil ao agradável, histórias de amor, humor e boa forma".

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Um comentário em “Trans e feministas em ritmo de Carnaval

  1. Johi Farias disse:

    Essa matéria está toda errada . Começando pelo tratamento no masculina à pessoas que são do gênero feminino. Orientação sexual não tem ligação alguma com identidade de gênero .
    Não sei em que lugar você foi buscar essas informações, mas com certeza não foi na vida dessas pessoas . Talvez na sua cabecinha transfobica.
    Que desserviço! Me sinto agredido ao ler cada palavra. Qual a dificuldade de tratar uma situação com verdades ? Com respeito?
    Tá aí mais um Ser que faz um trabalho “meia boca” , da forma que lhe cai bem,sem se preocupar se vai ofender essas pessoas que já lutam todos os dias das suas vidas para ter um tratamento respeitoso.
    O dia da Visibilidade Trans sendo tratado com muita ignorância e preconceito.
    Perdeu a oportunidade de ter uma matéria com conteúdo.
    Espero mesmo que você evolua.

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