Os jogos da desigualdade

Países mais ricos do mundo levam 51% das medalhas olímpicas

Por Agostinho Vieira | ODS 1Rio 2016 • Publicada em 23 de agosto de 2016 - 08:00 • Atualizada em 6 de agosto de 2021 - 17:56

Nathan Adrian, Michael Phelps, Ryan Murphy e Cody Miller, recebem as medalhas de ouro do 4 x 100. O hino americano foi tocado 46 vezes na Rio 2016. Foto de Alexander Vilf/Sputnik

Alguns vão achar que isso é injusto, talvez até deselegante, principalmente depois de uma festa tão bonita e animada, mas o fato é que boa parte dos atletas que sambavam domingo no Maracanã vieram ao Rio a passeio. Atuaram como figurantes de luxo no show de artistas famosos como Michael Phelps, Usain Bolt, Simone Biles, Katie Ledecky e Andy Murray. Das 207 delegações que participaram da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, nada menos do que 120 deixaram a cidade com as mãos abanando. Não levaram nem uma medalha de bronze, feito alcançado por dez países. Entre eles, Portugal, com a brava judoca Telma Monteiro.

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Nesta edição dos Jogos, das 974 medalhas de ouro, prata e bronze distribuídas, nada menos do que 496 (51%) ficaram com as 12 nações mais ricas do mundo, segundo o PIB. Só os sete primeiros colocados (EUA, Grã-Bretanha, China, Rússia, Alemanha, Japão e França) levaram 439 (45%).

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Até aí tudo bem. O importante é competir, já dizia, ou sonhava, o Barão de Coubertin. O problema é que o quadro final de medalhas da Rio 2016 confirma uma tendência registrada há algum tempo em várias pesquisas acadêmicas: a enorme influência do poder econômico no resultado das competições olímpicas. Nesta edição dos Jogos, das 974 medalhas de ouro, prata e bronze distribuídas, nada menos do que 496 (51%) ficaram com as 12 nações mais ricas do mundo, segundo o PIB. Só os sete primeiros colocados (EUA, Grã-Bretanha, China, Rússia, Alemanha, Japão e França) levaram 439 (45%).

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No artigo “Globalization, Inequality and Olympic Sports Successes”, apresentado no Congresso Pré-Olímpico Thessaloniki, na Grécia, Maarten van Bottenburg e Nico Wilterdink, da Universidade de Amsterdã, concluem que o processo de globalização contribuiu para reforçar a desigualdade na distribuição de medalhas, com uma clara supremacia dos mais ricos.  Os autores, que analisaram o período de 1952 a 2000, atestam que 10% dos países participantes ficam sempre com mais de 50% das medalhas. Quando o índice analisado chega a 20%, o volume de medalhas ultrapassa os 80%. A tese de Bottenburg e Wilterdink se confirmou em 2016: 21 países (10%) ficaram com 685 medalhas (70%) e 42 países (20%) receberam 866 premiações (89%) de um total de 974.

Medalhas (4)/ Fernando Alvarus

As delegações sem medalha também vêm crescendo – numericamente e percentualmente – ao longo do tempo: 22 (37%), em 1948, 26 (38%), em 1952, 118 (60%), em 1996, e 113 (59%), em 2000. Este ano, os 120 zero medalha representaram 58% do total de participantes. Um percentual superior aos 50% vem se mantendo desde 1964.

Também no artigo “Olympic Participation and Performance since 1896”, Gerard Kuper e Elmer Sterken, da Universidade de Gronigen, na Holanda, chegaram à conclusão que o PIB absoluto e o PIB per capita de um país são os maiores fatores de sucesso nas Olimpíadas. Em segundo lugar, estaria o tamanho da população, partindo da premissa que os talentos estão distribuídos igualmente pelo mundo. Os britânicos Mick Green e Bem Oakley, no texto “Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches”, publicado na revista Leisure Studies” citam que, além da economia e do tamanho da população, também é importante um plano estratégico de investimento em esportes de alta performance como fator de sucesso.

Delegação de Camarões na cerimônia de abertura dos Jogos. O país está entre os 120 que não levaram nenhuma medalha. Foto de Olivier Morin/AFP
Delegação de Camarões na cerimônia de abertura dos Jogos. O país está entre os 120 que não levaram nenhuma medalha. Foto de Olivier Morin/AFP

Se a comparação entre o quadro de medalhas e o ranking mundial do PIB é mais ou menos óbvia, o mesmo não acontece quando se busca uma relação entre os vencedores olímpicos e os países com os melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) ou com o Índice de Progresso Social (veja o gráfico). Nações que tradicionalmente aparecem bem colocadas nestes rankings, como os países escandinavos, não são exatamente um destaque no pódio. Dinamarca e Suécia ficaram, respectivamente, em 28º e 29º lugares. Enquanto a Noruega, campeã mundial do IDH, não passou da 74ª posição, com quatro bronzes.

No lado oposto, vencedores olímpicos como a China e a Rússia, que ficaram com o 3° e o 4° lugares, têm um desempenho medíocre no desenvolvimento humano e no progresso social. O mesmo vale para o Quênia, que teve seu hino tocado seis vezes nos últimos 15 dias. A última delas na emocionante festa de encerramento. No entanto, o seu IDH patina num lamentável 145º lugar.

E essa talvez seja a escolha que o Brasil precise fazer. Apesar dos pesares, somos a sétima maior economia do mundo. Batemos o recorde doméstico de medalhas, com sete de ouro, seis de prata e seis de bronze. Mas o nosso Progresso Social é inferior ao da Argentina, menor que o da Grécia. No ranking do IDH, estamos abaixo de países como Cuba, Uruguai e Irã. Nos últimos oito anos, investimos R$ 40 bilhões para sediar as Olimpíadas e cerca de R$ 5 bilhões para formar atletas melhores. Será esse o melhor caminho? Nosso sonho de consumo envolve mais medalhas ou mais saneamento? Que tal as duas coisas?

Os irmãos britânicos Alistair Brownlee e Jonathan Brownlee ficaram com o ouro e a prata no triatlo. Foto de Leon NEAL/ AFP
Os irmãos britânicos Alistair Brownlee e Jonathan Brownlee ficaram com o ouro e a prata no triatlo. Foto de Leon NEAL/ AFP

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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