ODS 1
Vinhos sustentáveis
Produtores investem em energia solar e reaproveitamento de água da chuva
Como no passado, a energia para a produção dos vinhos pode vir dos pés. Só que agora, não para pisotear as uvas, e sim para dar um importante passo à frente no que diz respeito à tecnologia para desenvolver fontes energéticas tão limpas e sustentáveis quanto as de antigamente. É uma caminhada lenta, mas contínua e sem volta a que leva a uma bebida mais orgânica, biodinâmica, ecologicamente correta ou, seja lá que nome se queira dar a ela. Neste sentido, em Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul, fronteira com o Uruguai, a Guatambu Estância do Vinho saiu na frente das vinícolas brasileiras: desde o dia 16 de maio, começou a funcionar por lá um parque solar com 600 painéis fotovoltaicos que suprem 100% da demanda energética do empreendimento, o primeiro do gênero na América Latina a ser movido a energia solar.
[g1_quote author_name=”Valter José Pötter. ” author_description=”Sócio-proprietário da Guatambu” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Temos em média 3.200 horas de sol durante o ano, uma energia que chega de forma gratuita, limpa, silenciosa e inesgotável. Para se ter uma noção, uma hora de sol na superfície da Terra contém mais energia do que o planeta utiliza em um ano.
[/g1_quote]Com isso, a segunda edição do vinho Épico já teve seu envase iniciado com energia totalmente limpa. O investimento, de R$ 1,3 milhão, tem previsão de retorno em oito anos. Além da economia de energia elétrica, o sistema também economiza na emissão de gás carbônico (CO2) e devolverá à rede de energia a produção sobressalente que não for utilizada. As placas também servirão como cobertura do estacionamento, na entrada da propriedade.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA radiação solar na Campanha Gaúcha é 40% maior do que, por exemplo, na região mais ensolarada da Alemanha, país que é um dos líderes no uso da energia fotovoltaica. Apesar das condições favoráveis, o uso do sol para geração elétrica ainda é pouco considerado como uma opção para alimentar indústrias e residências na região da Campanha. “Temos em média 3.200 horas de sol durante o ano, uma energia que chega de forma gratuita, limpa, silenciosa e inesgotável. Para se ter uma noção, uma hora de sol na superfície da Terra contém mais energia do que o planeta utiliza em um ano”, conta o sócio-proprietário da Guatambu, Valter José Pötter.
Ele acrescenta que a ideia de investir no parque solar surgiu para aproveitar a nova resolução normativa da Aneel que estabelece o sistema de compensação de energia elétrica no Brasil, possibilitando que os consumidores possam reduzir custos de eletricidade construindo seus próprios geradores com até 1MW de potência instalada. Além de poder compensar o que foi produzido e trocado com a rede de distribuição, abatendo mensalmente os valores na fatura de energia. “Nosso consumo no pico é de 20 mil quilowatts por mês. Com a instalação do sistema fotovoltaico, vamos garantir uma economia financeira e de energia”, diz ele.
A Guatambu é uma vinícola boutique que trabalha com administração familiar, em pequena escala, somente com uvas próprias, lotes limitados e garrafas numeradas. Desde 2013, a empresa começou a fazer testes com os primeiros 18 painéis instalados por lá, fornecendo parte da energia para as instalações. Mas, segundo Pötter, a preocupação de produzir vinho de forma mais sustentável surgiu em 2010. “Já tínhamos ideia de trabalhar da forma mais sustentável possível, tanto nas questões de manejo das videiras como nas práticas industriais. Na sequência de execução do projeto, estamos concluindo etapas nesse sentido”, explica.
Reservatórios foram construídos para captar água da chuva, que em parte é utilizada diretamente no Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) e na irrigação dos jardins; o restante segue para estação de tratamento, construída dentro dos padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS), produzindo 500 litros de água potável por hora, utilizados no complexo industrial. Nos vinhedos, a também sócia e enóloga da Guatambu, Gabriela Hermann Pötter, implementou um projeto-piloto utilizando uma técnica sustentável e ecológica no controle de doenças fúngicas, com base em micro-organismos que combatem naturalmente os fungos sem o uso de produtos químicos.
Ainda segundo Pötter, todas essas são etapas do caminho para tornar a Guatambu uma vinícola sustentável: “Quanto ao bem-estar social e econômico dos funcionários, que também faz parte da trajetória, de longa data adotamos várias ações, como programas de prevenção de riscos ambientais, de controle médico de saúde ocupacional, de alimentação mais saudável e de alojamentos adequados, assim como treinamentos de boas práticas industriais e plano de saúde empresarial”. O próximo passo é tornar o negócio vitivinícola pioneiro na utilização do Selo Solar. “É muito importante destacar nossa preocupação com o meio ambiente para nossos clientes. Com o selo, eles terão a informação de que estão consumindo um produto fabricado a partir da utilização de energia limpa”, diz ele, certo de que o impacto será muito positivo para as vendas. “O consumidor está a cada dia mais preocupado com a postura do produtor agrícola, de todas as áreas, em relação aos cuidados com o meio ambiente, o que nos impulsiona a investir mais para adquirir produtos que estejam fazendo algo em relação à sustentabilidade”.
Todo processo envolve dificuldades quanto a informações técnicas, estruturais, de eficiência, de fornecedores, de construção e de fontes de financiamento. “Para avançarmos, fomos fazendo parcerias com universidades e consultando especialistas no assunto. Todo esse processo leva mais tempo do que apenas a execução do parque solar. Estamos há seis anos pesquisando, estudando e testando as melhores soluções”, conta o proprietário da vinícola, lembrando que na América Latina existem alguns projetos similares na Argentina e Chile, mas que não fornecem energia suficiente para todo o consumo. Nos EUA, a prática já é mais frequente, assim como na Austrália, África e Europa. Todos os equipamentos do parque solar da Guatambu foram importados de empresas italianas e alemãs.
Para a sommelière Deise Novakoski, sustentabilidade não é mais preocupação, mas uma ocupação no mundo das bebidas em geral e, em particular, do vinho. “E a sustentabilidade do vinho passa por muitos outros quesitos, como a utilização de garrafas de vidro mais fino, mais leves (o que reduz a energia necessária para transportar o produto, reduzindo também a emissão de carbono do produtor), e o uso de rolhas alternativas, como as sintéticas, em vinhos mais populares – deixando as de cortiça para os produtos de mais longa guarda, já que a extração dela dos sobreiros é limitada (as safras são de dez em dez anos). Esse tipo de preocupação começou há muito tempo. Haja vista o fim das cápsulas de chumbo, usadas no passado, que eram tóxicas e foram substituídas por outras, de materiais inofensivos”.
Sem dúvida, um tema que ainda rende muito e merece ser debatido com uma boa garrafa aberta.
Relacionadas
Paula Autran e Reneé Rocha se completam. No trabalho e na vida. Juntos, têm umas quatro décadas de jornalismo. Ela, no texto, trabalhou no Globo por 17 anos, depois de passar por Jornal do Brasil, O Dia e Revista Veja, sempre cobrindo a cidade do Rio. Ele, nas imagens (paradas ou em movimento), há 20 anos bate ponto no Globo. O melhor desta parceria nasceu no mesmo dia que o #Colabora: 3 de novembro de 2015. Chama-se Pedro, e veio fazer par com a irmã, Maria.