ODS 1
Vinte anos de dor e frustração
Odyr Silveira passou por todas as fases do tratamento da Hepatite C, até encontrar a cura
(Fotos de Valda Nogueira) – Foram 12 anos sem diagnóstico e mais vinte anos de tratamentos dolorosos e frustrados para que o aposentado Odyr Silveira, de 79 anos, conseguisse, enfim, se curar de uma infecção pelo vírus da Hepatite C.
Silveira ainda trabalhava como funcionário administrativo da Rede Ferroviária Federal, em 1984, quando teve que se submeter a uma cirurgia devido a um crescimento precoce da próstata. A cirurgia foi bem-sucedida, mas ele perdeu muito sangue, além do que seria considerado normal numa intervenção desse tipo. E acabou tendo que fazer uma transfusão; recebeu duas bolsas de sangue. “Me recuperei da cirurgia e segui minha vida normalmente”, recorda ele.
[g1_quote author_name=”Odyr Silveira” author_description=”Aposentado” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Era muito efeito colateral, muita dor de cabeça, um mal-estar constante, era como se eu estivesse gripado o tempo todo. Vivia mal-humorado, irritado e com aquele mal-estar…
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Veja o que já enviamosSomente em 1996 o diagnóstico de Hepatite C foi feito. Num exame de rotina, ao saber que seu paciente havia recebido uma transfusão de sangue no passado, um médico atento pediu a Silveira que fizesse testes para HIV, Hepatite C e Hepatite B. “Na época já se falava muito em Aids e acho que essa era a maior preocupação dele”, conta o aposentado.
Com o diagnóstico em mãos, Silveira foi encaminhado a uma gastroenterologista. “Naquela época havia muito poucos hepatologistas”, explica. “Eu não sabia nada sobre essa doença”. Pouca gente sabia, na verdade. A Hepatite C só começou a ser diagnosticada no Brasil em 1993. A própria existência da Hepatite C tinha sido confirmada poucos anos antes, em 1989. Até então ela era chamada de não-A e não-B.
“A médica me explicou a doença, disse que ela poderia me trazer problemas graves e me encaminhou para um serviço no Fundão para fazer um tratamento”, lembra ele. “Acabei não sendo selecionado e dei uma desanimada”. Cerca de um ano depois, Silveira ficou sabendo que a Santa Casa da Misericórdia também oferecia tratamento para a Hepatite C. Lá, ele conseguiu ser selecionado e começou a receber a combinação-padrão usada na época de interferon com ribavirina. Eram três injeções na barriga por semana, durante um ano.
“Era muito efeito colateral, muita dor de cabeça, um mal-estar constante, era como se eu estivesse gripado o tempo todo, mas fui até o fim”, lembra ele. Em vão. O vírus resistiu ao tratamento. Somente em 2005, com o surgimento de uma nova geração do interferon, Silveira voltou a tentar o tratamento. “Foi aquele sofrimento todo de novo, mais um ano tomando aquilo, vivia mal-humorado, irritado e com aquele mal-estar todo. Infelizmente também não conseguia êxito, não consegui zerar o vírus em hipótese alguma. Segui com acompanhamento médico, mas sem muita esperança”.
Silveira continuou trabalhando normalmente e só se aposentou por tempo de serviço. “Tirando as épocas do tratamento, em que ficava muito mal, levei uma vida normal. Nunca fui afastado do serviço por isso”. Casado, com uma filha e uma neta já com 22 anos, ele conta que sempre contou com o apoio da família. “Elas me aturaram nas fases do tratamento, quando vivia mal-humorado, mas essas fases acabaram passando”.
Ele acabou desenvolvendo uma cirrose hepática. “Desde o dia em que eu soube da doença nunca mais botei uma gota de álcool na boca (o álcool potencializa a chance de desenvolvimento da cirrose), bebida nunca mais”, contou. “Não seguia uma dieta rígida, mas evitava sempre comidas pesadas”. Mesmo assim, a doença avançou.
Quando soube da chegada do novo tratamento, a médica que o atendia logo o avisou e o inscreveu. Silveira foi um dos primeiros a receber os promissores remédios. “Eles não me afetaram em nada, não tive nenhum mal-estar, dor de cabeça, nada, nada. É uma tranquilidade; quem passou pelo interferon tira isso de letra”.
Desde que concluiu o novo tratamento – que dura 12 semanas contra 48 da terapia anterior -, Silveira já se submeteu a dois exames que mostraram que o vírus não é mais detectável em seu organismo. Mais um exame como esses e ele será considerado curado da doença.
A cirrose, no entanto, continua. Alguns estudos dizem que, uma vez o vírus zerado, o problema começa a regredir lentamente. Mas isso ainda não é uma certeza absoluta.
“Para uns, como eu, foi mais sofrido; para outros, não. É a vida, né?”
Trabalhou como repórter especializada em ciência, saúde e meio ambiente nos jornais Estado de S. Paulo e O Globo. No último ano integrou a coordenação de internacional da GloboNews. É feminista desde os 11 anos de idade