ODS 1
As diferentes línguas da corrupção
Assim como no Brasil, Justiças de África do Sul e Argentina obtêm vitórias em processos contra empresários e governantes
O que têm em comum Curitiba, Joanesburgo e Buenos Aires? São as sedes das principais investigações judiciais contra a corrupção em andamento hoje no mundo. Como se sabe, Curitiba é onde fica a força-tarefa da Lava-Jato, a maior operação do gênero no Brasil, à frente o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal, e um time de procuradores do Ministério Público Federal. A operação, como uma espada, atravessa de tal forma uma gigantesca teia de corrupção que levou o ex-presidente Lula, um dos investigados, a chamá-la, com ironia, de “República de Curitiba”.
Joanesburgo é onde fica a Corte Constitucional da África do Sul, instalada em 1995 pelo então presidente Nelson Mandela. Numa decisão histórica, o tribunal, pela unanimidade de seus 11 juízes, confirmou o parecer da Defensora do Povo, Thuli Madonsela, e exigiu do presidente Jacob Zuma a devolução de uma parte ainda a ser determinada dos US$ 24 milhões em dinheiro público gastos na reforma de sua propriedade em Nkandla, no que ficou conhecido como “Nkandlagate”. Além de uma vitória da justiça sul-africana, foi um triunfo também da imprensa independente do país, pois veio à tona em 2011 por denúncia do jornal “Mail&Guardian”.
Os tribunais federais argentinos ficam na Avenida Comodoro Py, em Buenos Aires. É de lá que partem as ações judiciais que mergulham no mar de corrupção instalado no país nos três mandatos dos Kirchner, um de Néstor e dois de sua mulher, Cristina. O primeiro depoimento da ex-presidente está marcado para esta quarta-feira, 13/04. À espera de data está o julgamento por corrupção do ex-vice-presidente Amado Boudou, uma das mais notórias figuras do kirchnerismo.
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Veja o que já enviamosJá há um ex-ministro atrás das grades: o dos Transportes, Ricardo Jaime, acusado na compra de trens inservíveis de Espanha e Portugal e de recebimento de propina na tenebrosa transação. Jaime, além de ser o primeiro kirchnerista preso por suspeita de corrupção, também funciona como elo com a Lava Jato do Brasil, acusado de ter recebido dinheiro ilícito da empreiteira Odebrecht.
Foi preso também um primeiro empresário ligado ao esquema kirchnerista: Lázaro Báez, sócio dos Kirchner na empresa Hotesur, que administra os luxuosos hotéis da família na Patagônia. Báez prestará depoimento ao juiz federal Sebastián Casanello, responsável pelas investigações sobre supostas manobras de lavagem de dinheiro em licitações milionárias vencidas por sua empresa, a Austral Construções, em obras públicas durantes os governos Kirchner.
Os três procedimentos têm pontos em comum. Primeiro, miram na corrupção. Segundo, mostram as instituições dos três países em pleno funcionamento. Há alguma coincidência também da duração dos mandatos. Desde 2002 o Partido dos Trabalhadores está no poder no Brasil (o que não quer dizer que governos anteriores estejam isentos de culpa na Lava-Jato). Os Kirchner governaram a Argentina de 2003 a 2015. O caso sul-africano é diferente: Jacob Zuma foi eleito em 2009, mas o CNA dá as cartas desde o fim do “apartheid”, em 1994.
Há diferenças também de timing e de andamento das investigações. Na África do Sul, elas chegaram ao fim de forma exemplar e representaram também uma grande vitória para a Defensora do Povo, Thuli Madonsela, que trabalhava no caso desde 2012, recebendo seguidas negativas de Zuma e sendo hostilizada pelo CNA. Outros escândalos pesam contra Zuma e a oposição fala em pedir seu impeachment, mas a opinião geral é que a medida não prosperará, principalmente num ano eleitoral (pleitos provinciais).
No Brasil, a Lava-jato já mandou para a cadeia alguns dos maiores empresários do país, envolvidos no esquema que irrigava campanhas eleitorais, contas no país e no exterior, ensejava enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e toda sorte de falcatruas por empreiteiras, estatais ou funcionários delas, com destaque para a Petrobras, e um amplo espectro de políticos. A meio caminho, a operação levou às cordas, e à corda bamba, o governo de Dilma Rousseff e seu padrinho, Lula. Dilma poderá sofrer impeachment.
As investigações na Argentina estão no começo e são impulsionadas pela eleição de um novo governo, de oposição aos Kirchner, comandado por Mauricio Macri, empresário, ex-prefeito de Buenos Aires e ex-presidente do popular clube de futebol Boca Juniors. Mas a vida de Macri não deverá ser fácil: seu nome foi citado nos “Panama Papers”, vazamento de milhões de documentos da firma de advocacia panamenha Mossack Fonseca, focalizando em pessoas de destaque internacional com empresas em paraísos fiscais. Macri foi diretor de uma dessas empresas, nas Bahamas, de 1998 a 2008. Os Kirchner e o craque Messi também foram citados.
Os “Panama Papers” mostram 107 empresas offshore vinculadas a pessoas ou empresas envolvidas na operação Lava Jato, do Brasil. Segundo o portal UOL, um dos que fez a investigação dos documentos brasileiros, estão listados membros ou familiares dos partidos PSDB, PMDB, PDT, PP, PSB, PSD e PTB. O PT não aparece.
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Jornalista com longas passagens por Jornal do Brasil, na década de 1970, e O Globo (1987 a 2014), sempre tratando de temas de Política Internacional e/ou Economia. Estava posto em sossego quando foi irresistivelmente atraído pelos encantos do #Colabora. E resolveu sair da toca.