Crise climática: MapBiomas passa a monitorar gelo e vegetação da Antártica

Continente tem 1% de áreas livres de gelo em seu território, aponta levantamento inédito; mudanças do clima no polo afeta todo o Hemisfério Sul

Por Oscar Valporto | ODS 13
Publicada em 1 de dezembro de 2025 - 11:10  -  Atualizada em 1 de dezembro de 2025 - 11:18
Tempo de leitura: 7 min

Antártica coberta de gelo: Mapbiomas passa a monitorar continente de olho nas mudanças climáticas (Foto: Eliana Lima da Fonseca / MapBiomas)

Dados sobre as áreas livres de gelo e as cobertas por vegetação durante os meses do verão da Antártica estão disponíveis gratuitamente no site do MapBiomas, a partir desta segunda-feira, 1º de dezembro, o Dia da Antártica, quando se comemora a assinatura do tratado, firmado em 1959 estabelecendo o continente como área internacional e de pesquisas científicas, com participação de 58 países. A Antártica, o único continente originalmente desabitado do planeta, tem 1% de áreas livres de gelo em seu território e apenas cerca de 107 mil hectares de vegetação, de acordo com o mapeamento inédito.

Mapear áreas livres de gelo e cobertas por vegetação é crucial para o monitoramento dos impactos das mudanças do clima no ambiente antártico

Eliana Lima da Fonseca
Professora da UFRGS e pesquisadora do MapBiomas

O MapBiomas – rede multi-institucional, com a participação de universidades, ONGs e empresas de tecnologia e foco no monitoramento do uso do solo no Brasil – passa a mapear também a Antártica por conta do impacto do continente nas mudanças climáticas. “Acompanhar a dinâmica natural do continente antártico se justifica por sua influência direta sobre o clima do Hemisfério Sul, atuando como um regulador térmico global e sendo o local de nascimento das frentes frias, que também influenciam a precipitação pluvial no sul do planeta Terra”, explica a pesquisadora Eliana Lima da Fonseca, professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que coordenou o mapeamento.

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O levantamento mostra que as áreas livres de gelo ocupam 2,4 milhões de hectares, ou menos de 1% da área total da Antártica, que é de 1,366 bilhão de hectares. Destas áreas livres de gelo, aproximadamente 5% estão cobertas por vegetação, totalizando pouco mais de 107 mil hectares. A vegetação na Antártica se desenvolve nas áreas livres de gelo que ocorrem principalmente nas ilhas, na região costeira e na Península Antártica, mas também são identificadas no topo das cadeias de montanhas do interior do continente. “Mapear áreas livres de gelo e cobertas por vegetação é crucial para o monitoramento dos impactos das mudanças do clima no ambiente antártico”, acrescenta a professora Eliana Fonseca, que tem mestrado em Agrometeorologia pela UFRGS e doutorado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A acelerada perda de gelo no continente, provocada pelo aquecimento global, tem impactos em todo o clima mas também particularmente no ecossistema local. “O mapa de áreas livres de gelo é essencial para o monitoramento da fauna do continente, pois os ninhos e o nascimento dos filhotes das espécies animais ocorrem nessas áreas durante o verão. O mapa de vegetação, por sua vez, fornece informações essenciais para avaliar a produtividade dos ecossistemas, permitindo monitorar as mudanças ambientais e regiões sensíveis”, acrescenta a cientista.

Em 2022, o degelo mais rápido provocado pelo aquecimento global provocou a morte de 10 mil filhotes de pinguins no Mar de Bellingshausen, na Antártica, de acordo com levantamento de pesquisadores em apenas quatro colônias das aves. No verão antártico antecipado, o gelo marinho sob os filhotes derreteu e se partiu antes que eles pudessem desenvolver as penas impermeáveis necessárias para nadar no oceano.

A Antártica não tem incidência de radiação solar nos meses de inverno, o que significa que as áreas livres de gelo só podem ser identificadas no verão, após o derretimento da neve e gelo acumulados, permitindo a exposição de solos e rochas. A vegetação, portanto, surge apenas nesse período, nas áreas onde há maior incidência de radiação solar e em terrenos planos onde há acúmulo de água líquida.

Vegetação no verão da Antártica: mapear áreas livres de gelo e cobertas por vegetação para monitorar impactos das mudanças do clima (Foto: Eliana Lima da Fonseca / MapBiomas)
Vegetação no verão da Antártica: mapear áreas livres de gelo e cobertas por vegetação para monitorar impactos das mudanças do clima (Foto: Eliana Lima da Fonseca / MapBiomas)

Com o retorno do inverno, toda essa vegetação morre, ficando apenas os esporos, sementes e estruturas vegetativas que irão brotar novamente no verão seguinte nas mesmas áreas. “A questão da incidência solar foi um dos desafios deste mapeamento”, frisa a pesquisadora do MapBiomas. “Além de só podermos identificar áreas livres de gelo no verão, nessa época ocorre também o fenômeno conhecido como “sol da meia-noite”, que é quando o sol circunda o continente, causando a projeção de uma grande quantidade de sombras feitas pelas cadeias de montanhas existentes no interior. Por isso não foi possível mostrar a dinâmica ao longo dos anos, como em outros mapeamentos do MapBiomas, mas sim compor um mosaico de imagens livres de nuvens e com pouca influência de sombras com base no que o satélite capturou nos meses de verão ao longo de vários anos”, detalha.

As temperaturas na Antártica variam ao longo do ano e conforme a região. Enquanto nas ilhas antárticas a temperatura máxima mensal média entre 1958 e 2024 é positiva (entre 1 e 3 °C) nos meses de verão, no interior do continente (ex. Ellsworth Mountains, a cadeia de montanhas mais alta da Antártica) as temperaturas máximas variam entre -15 e -30 °C e as mínimas entre -20 e -35 °C, com valores negativos durante todos os meses do ano.

Os polos (Ártico e Antártica) são as regiões do planeta mais afeta pelo aquecimento provocada pela emissão de gases de efeito estufa, com impactos também na redução do gelo marinho. De acordo com o Copernicus, serviço europeu de mudanças climáticas, em fevereiro de 2025, no verão da Antártica, a cobertura congelada estava 26% abaixo da média para o mês.

O mapeamento da Antártica em escala continental só se tornou viável recentemente, pois os satélites ambientais foram historicamente planejados para cobrir regiões tropicais e temperadas. O mapeamento do MapBiomas utilizou as imagens dos satélites Sentinel-2, com resolução de 10 metros, adquiridas entre 2017 e 2025. “Esta é a primeira versão (beta) do mapeamento e esperamos que as próximas coleções envolvam mais cientistas e grupos de pesquisa da Antártica trazendo não só melhorias no mapeamento das áreas sem gelo e cobertas por vegetação, mas também agregando outras variáveis e contribuindo para o monitoramento e a compreensão das mudanças climáticas e ambientais no continente”, acrescenta Júlia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas.

O mapeamento das áreas livres de gelo em todo o continente utilizou algoritmos de machine learning e processamento em nuvem, devido ao grande volume de dados. O mapeamento da vegetação foi feito por meio da detecção da atividade fotossintética pelo Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), calculado a partir das imagens de satélite sobre as áreas livres de gelo previamente mapeadas.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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