ODS 1
Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail
Veja o que já enviamosSabores do Pará no Rio de Janeiro às vésperas da COP30
Tambaqui, filhote, caranguejo, jambu, tucupi: Pescados na Brasa e Tacacá do Norte consolam quem não vai a Belém
A primeira vez que este #RioéRua esteve no Riachuelo, em 2018, foi um passeio pelo passado, à rua onde meus pais se conheceram e onde eu não ia há mais de 30 anos. A Rua Vitor Meirelles e o Riachuelo, bairro da Zona Norte do Rio, às margens da linha férrea da Central do Brasil, havia passado por uma transformação quando voltei lá, no fim de 2021, quando a vacinação começou a mandar a pandemia embora, atraído pelo Pescados na Brasa, restaurante com comidas típicas do Pará, que estava movimentando a vizinhança.
Leu essa? COP30 enfrentará o imbróglio do financiamento climático: quem vai pagar a conta?
Retomo essa trilha pelos sabores paraenses neste momento quando muita gente está querendo falar de Belém, do Pará, da Amazônia – estamos a um mês da COP30, a Conferência do Clima da ONU, realizada pela primeira vez no Brasil, exatamente na capital paraense. A crise climática é o maior desafio da humanidade, ameaça a nossa espécie e milhares de outras, quase todas já afetadas pelo aquecimento do planeta.


Devia ter até mais gente falando da COP30 pela importância do que será (ou deveria ser) discutido nesses 10 dias de novembro em Belém, por todas razões abordadas em reportagens aqui no #Colabora: os eventos extremos do clima – das trágicas enchentes no Sul em 2024 às secas na floresta amazônica, a maior floresta úmida do mundo -, o aumento do nível dos oceanos, a perda da biodiversidade na terra e no mar…
Mas não vou falar das ameaças planetárias neste canto de olhar carioca – mesmo sabendo que, com o agravamento da crise climática, o oceano vai engolir boa parte dessa cidade de São Sebastião. Vou retomar o caminho que leva ao Riachuelo e ao Pescados na Brasa, inaugurado ali pelo casal Adriana Veloso e José Maria, conhecido como Júnior, em 2019, naquela Vítor Meirelles que descrevi, no ano anterior, com muitas casas e sobrados, pelo menos duas vilas – residências com imagens de Jesus ou santos na fachada.
Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail
Veja o que já enviamosAdriana nasceu no Maranhão, mas mudou-se para Belém ainda na infância, onde aprendeu a cozinhar e conheceu Júnior. O casal veio para o Rio há quase 15 anos e trabalharam no comércio antes de começar um “empreendimento gastronômico” para reforçar a renda: começaram a servir basicamente pescados na brasa em uma pequena barraca num estacionamento ali na Zona Norte. A comida fez sucesso e eles juntaram as economias para abrir o restaurante no Riachuelo, com sabores do Pará: dos pescados (tambaqui, pintado, filhote, pirarucu, caranguejo) aos temperos como jambu e tucupi.


Se, da primeira vez, peguei o trem, saltei na estação Riachuelo e caminhei duas ou três quadras para chegar a Vítor Meirelles dos meus pais e do Pescados na Brasa, minhas outras visitas ao restaurante foram facilitadas porque Adriana e Júnior abriram uma filial no Leblon, a duas ou três quadra de onde moro há mais de 20 anos. Recomendo muito a costela de tambaqui, os outros pescados, os pastéis com jambu e até o pato ao tucupi. A culinária da maranhense Adriana, pelo jeito, foi aprovada não apenas pelos cariocas mas pelos filhos da terra: na minha última visita, havia uma mesa comandada pela atriz Dira Paes e a cantora Dona Onete, duas ilustres paraenses.
O Pescados na Brasa é um sucesso recente, mas veio fazer companhia ao Tacacá do Norte, restaurante que funciona desde 1973 no Flamengo, servindo culinária paraense. O Tacacá, por muitos anos, era pouco mais que uma lanchonete, servindo comida no balcão e em duas ou três mesas altas na calçada. A unha de caranguejo já era uma delícia e cheguei a comer um vatapá paraense (parecido mas nem tão bom como o da Bahia) no balcão mesmo; a maniçoba, uma espécie de feijoada com folha de mandioca, era o prato mais popular.


Mas sucesso mesmo era o açaí: foi um dos primeiros lugares a vender receitas da fruta que foi virando moda no Rio de Janeiro. E o Tacacá servia – e ainda serve – pratos com açaí salgados como é tradição no Pará e em outros lugares da Amazônia: com camarão, com carne de charque ou com filhote, peixe de água doce dos rios da Amazônia. Com clientela fiel, o Tacacá não apenas sobreviveu à pandemia, que vitimou tantos estabelecimentos, como ampliou seu espaço, abrindo um vizinho Tacacá do Norte & Gourmet, com pose de restaurante mesmo.
Quem for a Belém para a COP30 não deve perder a oportunidade de experimentar o tacacá, o caldo especial feito com tucupi (líquido da mandioca), e outros sabores do Pará. Vai ter muita gente por lá – já são 55 mil inscritos para credenciamento, uma multidão acima da média da maioria das COPs recentes (mas, na COP28, em Dubai, foram mais de 100 mil). Há uma crise de hospedagem em Belém que, espero, ajudará a repensar esse formato de megaevento que vem se transformando as Conferências do Clima da ONU. É gente demais se deslocando e queimando combustível fóssil para pouco resultado.
É gente demais querendo aproveitar a visibilidade para fazer seu comercial, enquanto uma pequena parte – pouco mais de 10% talvez – participa das negociações para conter a crise climática. Tem lobista de todos os tipos de empresa – inclusive de petroleiras, mineradoras e outros vilões do clima. Mas também tem lobista do bem – ONGs mostrando projetos, acadêmicos mostrando pesquisas, governos destacando iniciativas, quase todos em busca de novos financiamentos. Por mais que os sabores do Pará sejam atraentes, era totalmente desnecessário ter tanta gente ao mesmo tempo, no mesmo lugar.
Apoie o #Colabora
Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.