Teresa Corção os chama de seus bebês. Roberta Ciasca diz que eles viraram as vedetes do seu restaurante. A definição pode até variar, mas o fato é que os tomates produzidos em três sítios da região rural de Seropédica ganharam espaço nobre na cozinha de estrelados restaurantes cariocas. Não que eles sejam o superalimento da vez, ou o ingrediente da modinha. Mas porque as duas não só acompanharam o processo – do plantio à colheita – como bancaram a produção junto com outros chefs, como Rafa Costa e Silva, Thomas Troisgros, Ciça Roxo, Claudia Vasconcellos, Romano Fontanive e Francine Xavier.
Eles financiaram o projeto A.Ch.A, que transfere o risco da produção dos agricultores para os chefs. Assim, os agricultores plantam com a garantia de que a produção será toda vendida e paga antecipadamente. Por outro lado, eventuais excedentes de produção passam a ser dos chefs sem custo adicional. Sócia da Cambucá Consultoria, Flavia Brito, uma das idealizadoras do projeto, explica que a proposta é também diminuir o número de intermediários no processo:
“Estudos estimam que há, em média, sete atravessadores entre o produtor e o consumidor final. É muito. Por isso, o preço fica tão alto na ponta e o agricultor continua ganhando tão pouco. Se fala muito em comércio justo, mas o que é o justo? Como a gente chega em um equilíbrio na balança? Chegamos a um valor justo quando sentamos todos à mesa e ali decidimos juntos, um valor de remuneração que fosse possível viabilizar o projeto. Tudo com planilha aberta e todos sabendo os custos do projeto”, explica ela, que partiu de uma metodologia CSA (Comunidade que sustenta Agricultura) para chegar no preço dos tomates.
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Veja o que já enviamosSe pensarmos no quilo, não é um investimento barato. Após o primeiro ciclo do projeto, saiu a R$ 21,50, abaixo do valor do tomate cereja orgânico no supermercado, mas ainda alto se compararmos os com tomates cerejas orgânicos encontrados nas feiras do circuito carioca. Mas nesse caso há uma relação que vai além da simples compra e venda e se justifica pelos formatos, sabores e cores exclusivos e pelo apoio à agricultura familiar, que inclui não só financiamento antecipado sem risco para os agricultores, mas também investimentos em irrigação, encontros nas propriedades agrícolas, assistência técnica orgânica de excelência, gestão de projeto e logística.
“Não somos um projeto social, somos um modelo de negócio. Por isso, precisamos fazer ajustes e aumentar o projeto piloto para chegar a números ainda melhores em termos financeiros, remunerando melhor a todos sem aumentar muito os valores das cotas pagas pelos chefs. Tivemos uma produção muito boa. Foram 281 quilos a mais que o esperado. Todos os produtores conseguiram colher duas semanas a mais do que o previsto”.
Para além do formato inovador de negócio sustentável, os tomates têm um gosto especial porque são de variedades praticamente inéditas no mercado. Pense nas que você conhece: provavelmente Carmen, italiano e cereja lhe soe familiar. Os tipos Rosa Branco, Blue Berry, Amaro, Canadense Marrom, Jambo, Amarelo gema, Indigo Rose, Polonês Amarelo e Garrafinha Amarelo foram obtidos a partir da coleção de sementes do professor Antônio Abboud, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“As grandes empresas só colocam no mercado as variedades que interessam a elas. Já vejo aqui uns três ou quatro tipos que são viáveis de serem produzidos em escala comercial”, explica o produtor Flávio Lourenção, que recebeu o #Colabora e parte dos chefs para mostrar orgulhoso a plantação dos tomates.
Com o apoio de agrônomos da UFRRJ e da Emater-Rio, Flávio foi desenvolvendo técnicas inovadoras para a adaptação desses tomates ao solo e ao clima do Sítio Pica Pau Magrelo, que pertence ao assentamento Sol da Manhã:
“Tem muito mato em volta da plantação. Não é falta de capricho não. Vimos que ele ajuda a proteger a parte mais baixa dos pés de tomate, garantindo assim, mais um pouco de colheita”, explica ele, que, além dos tomates para os chefs, produz culturas como batata-doce, cebola, alho, mandioca, brotos e hortaliças em geral, vendidas na feira da Agricultura Familiar da UFRRJ e para a Rede Ecológica.
Formado em Engenharia Agronômica e mestre em agricultura Orgânica, Felipe Latini foi outro produtor que apostou no projeto A.Ch.A. Há oito anos, ele trabalha como agricultor orgânico, vendendo para atravessadores que revendem os produtos no circuito carioca de feiras orgânicas e em restaurantes e hotéis. Sempre assumindo o risco da produção:
“É o que o produtor faz o tempo todo: acreditar e se arriscar. A produção dos tomates deu certo, mas poderia não ter dado. É uma cultura difícil, que a gente não conhecia, especialmente as variedades. Muitas vezes, a gente investe, pega empréstimo e fica com o prejuízo”, diz Felipe, que conta com a ajuda da mulher, Priscilla, na lavoura e para complementar de renda da família. Para isso, ela trabalha também em uma agroindústria da região.
“Hoje há um oba-oba em cima do orgânico, do comer sustentável, mas pouco ainda se olha para quem produz. Precisamos corrigir isso e criar elos na cadeia do alimento”, finaliza Teresa Corção.