(Fotos: Mirian Fichtner) – A agrônoma Eveline Previtali virou alvo de uma ação criminal. Em janeiro último, ela foi informada que o vizinho de porta, ou melhor de porteira, havia instaurado um boletim de ocorrência contra ela, acusando-a de invasão de privacidade. Era um dia de vento forte quando ela chegou na sua fazenda, na divisa dos municípios de Dom Pedrito e Bagé, na região da Campanha Gaúcha, no final de uma manhã ensolarada. Estacionou o carro e, não havia ainda fechado a porta da Caminhonete Ford Ranger branca, quando um dos seus funcionários veio correndo avisá-la que o vizinho estava aplicando o herbicida 2,4-D na lavoura de soja. O sangue subiu à cabeça da fazendeira.
Ela e o marido André Luiz, cirurgião plástico, já haviam perdido praticamente metade do vinhedo. O parreiral de Pinot Noir, recém plantado, não resistiu. Morreu todo. As uvas Chardonnay também foram gravemente afetadas. Sem falar nas oliveiras, que, depois de quatro anos, a família iria colher a primeira safra. Eveline vinha acompanhando a guerra contra o 2,4-D e já era se considerava, praticamente, “PhD no assunto”. Depois de ter pedido, por duas vezes, para o vizinho parar de usar o produto, foi lá, pessoalmente, desta vez na companhia de uma das filhas, que estava com ela no carro, e mais dois funcionários. Abriu a porteira da fazenda e foi entrando. Como seus empregados portavam facas na cintura, consta no B.O. que “a vítima se sentiu ameaçada em sua integridade física”.
A fazenda dos Prevateli é separada apenas por uma cerca baixa da propriedade dos Heinrich. Os sintomas da contaminação começaram em 2016, se repetiram em 2017 e, no passado, foi registrado um prejuízo que pode colocar em xeque a continuidade do negócio da família. “O que está acontecendo aqui no Rio Grande do Sul é um abuso do uso do produto em relação ao seu vizinho”, comenta Eveline, considerando isso sim “um dolo”.
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O negócio da família é apenas parte das suas preocupações. O mau uso destes hormonais, diz ela, está afetando as uvas, as oliveiras, as hortas familiares e os pomares: “A pitanga sumiu, a bergamota, a laranja…” O impacto da contaminação pelo herbicida vai além dos prejuízos financeiros dos fruticultores. “O 2,4-D está destruindo a tradição do gaúcho, que costuma sair por aí a cavalo, pegar uma pitanga no mato, tomar um chimarrão sob a sombra de um cinamomo”.
[g1_quote author_name=”Eveline Previtali” author_description=”agrônoma” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Nunca vi ninguém pegar um carro, dirigir 500 quilômetros, para fazer turismo numa plantação de soja
[/g1_quote]Os vinhedos e as vinícolas nacionais fazem parte de um negócio que não para de crescer: o enoturismo. Os principais roteiros são justamente no Rio Grande do Sul. Degustar um vinho, harmonizá-lo com uma comida típica da gastronomia da região produtora é um tipo de programa que cresce no país, à medida que a vitivinicultura brasileira evolui em qualidade.
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“Nunca vi ninguém pegar um carro, dirigir 500 quilômetros, para fazer turismo numa plantação de soja”, ironiza Eveline, fazendo referência a uma indústria que leva milhões de turistas às tradicionais regiões vinícolas da Europa e para as regiões denominadas de o “o novo mundo” da vitivinicultura: Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, África do Sul e América Latina. A Serra Gaúcha e a região da Campanha Gaúcha, onde estão justamente os vinhedos afetados pelo 2,4-D, estão entre os roteiros mais procurados do segmento de enoturismo no Brasil.