ODS 1
Vanguarda e tradição musical em Cuba
Evento de produção coletiva reúne astros internacionais e locais em sua primeira edição
Menos de dois meses após a celebrada passagem dos Rolling Stones por Havana – que mostrou ao público cubano o gigantismo do showbizz através dos seus mais legítimos rockstars – as pedras vão rolar de forma mais construtiva no festival Manana. Com produção da ONG homônima, a edição inaugural do evento acontece entre os dias 4 e 6 de maio em Santiago de Cuba, unindo tradição e modernidade de forma inédita no país.
[g1_quote author_name=”Harry Follett” author_description=”Um dos criadores do Manana” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Sem a imensa vontade de tocar em Cuba que todos demonstraram, tal escalação não seria viável em termos financeiros.
[/g1_quote]Cenário da primeira (e frustrada) ação de Fidel Castro e seus aliados na tentativa de derrubar o ditador Fulgêncio Batista, a segunda maior cidade do país vai receber artistas progressistas de diversos estilos musicais contemporâneos – hip-hop, ragga, dub, techno, cumbia eletrônica etc – que vão tocar e interagir com músicos da ilha numa espécie de versão ampliada e digital dos históricos encontros promovidos por Ry Cooder com os integrantes do Buena Vista Social Club, no final dos anos 90.
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Veja o que já enviamosA lista internacional do Manana inclui nomes de ponta como o produtor inglês Adrian Sherwood (ao lado do guitarrista americano Skip McDonald, pioneiro do rap), a dupla peruana Dengue Dengue Dengue, o compositor americano (de ascendência chilena) Nicolas Jaar , o projeto Quantic (do britânico radicado no Equador Will Holland), o festeiro coletivo Calentura, de Los Angeles, o veterano das pistas A Guy Called Gerald (persona artística do DJ e produtor britânico Gerald Simpson), o cantor jamaicano Jesse Royal e o grupo de VJs mexicanos Medusa Lab.
– Conseguimos atrair artistas de mente aberta, que praticamente se escalaram para o festival assim que ele foi anunciado, há menos de um ano – conta, por email, o inglês Harry Follett, um dos criadores do Manana, ao lado do conterrâneo Jenner del Vecchio e do cubano Alain Garcia, este último integrante do coletivo de hip-hop TNT Rezistencia. – Sem a imensa vontade de tocar em Cuba que todos demonstraram, tal escalação não seria viável em termos financeiros.
Follett e Garcia se conheceram quando o primeiro foi estudar percussão em Santiago de Cuba, há cerca de três anos (“Tinha um professor brasileiro em Londres que sugeriu o nome de Garcia”, conta Follett). Durante seis meses, os dois conviveram em Cuba, inicialmente em Havana e depois em Santiago, onde montaram um provisório estúdio de gravação, no qual fizeram experimentos com alguns artistas folclóricos da cidade. Após esse “estágio”, Follet voltou à Inglaterra, mas não conseguiu tirar mais Cuba da cabeça. Foi quando nasceu o projeto Manana – expressão local que significa “prazer pela música” – e o desejo de criar um evento colaborativo na ilha caribenha, unindo artistas estrangeiros e locais de forma criativa (“Nunca passou pela nossa cabeça apenas colocar um percussionista cubano tocando acompanhado pelas batidas de um DJ estrangeiro”, ressalta Follet)
A primeira ação do trio foi levar, em setembro do ano passado, o grupo de rumba Obba Tukke para gravar um EP na Escócia, ao lado do produtor Guy Morley (que já trabalhou com Grace Jones). A boa recepção de “Obba Tukke in Edinburgh”, lançado em vinil e em formato digital, levou a outra ação, um evento dentro da renomada série Boiler Room, realizado em Londres, em novembro, com DJs e músicos cubanos radicados na capital inglesa. Entusiasmados com a empreitada e com a aproximação entre Estados Unidos e Cuba, Follett, del Vecchio e Garcia criaram, no mesmo mês, uma campanha de financiamento coletivo em torno do festival.
Em cinco semanas, a iniciativa teve sua meta atingida – através de 390 pessoas, ela arrecadou U$ 68.000 – e gerou um boca-a-boca virtual que atraiu diversos apoios e patrocínios para o festival. Estão com o Manana a produtora de shows britânica No Nation, o lendário selo de sons latinos Fania Records, a empresa alemã de equipamentos eletrônicos Ableton, a incubadora americana The NYU Music and Social Lab (ligada à Universidade de Nova York) e o companhia inglesa de viagens “éticas” Caledonia. Quinhentos ingressos foram colocados à venda no exterior, por US129 (400 já foram vendidos).
– Foi impressionante como diversas companhias fizeram questão de se unir ao projeto, sinalizando uma espécie de demanda reprimida em trabalhar com a cultura cubana – diz Jenner del Vecchio. – O público estrangeiro também tem se mostrado interessado em conhecer Cuba além de Havana. E Santiago é uma região riquíssima, com forte influência da cultura jamaicana e haitiana.
A participação local se deu através de iniciativas como Havana Cultura (do rum Havana Club) e do apoio do próprio governo cubano, que cedeu o complexo Heredia para a realização dos shows, o Museu de La Musica, para debates e workshops, e o estúdio Egrem, para as gravações dos encontros. Os ingressos para a comunidade local estão sendo distribuídos ou vendidos a preços populares.
– Tivemos sorte em conseguir acesso a jovens trabalhando em órgãos governamentais, que entenderam e abraçaram a proposta do festival – conta Follett. – Assim, conseguimos, com muito esforço, criar um equilíbrio entre iniciativa independente e apoio oficial.
Boa parte dos artistas estrangeiros já está em Santiago, fazendo o que del Vecchio chama de “imersão” na cultura cubana.
– Eles estão sendo levados a shows, festas e cerimônias, para que tenham experiências que possam enriquecer as apresentações e as colaborações – explica o produtor.
Fazendo as honras da casa, estão artistas locais como o grupo de dança Ballet Folklorico de Oriente, o grupo de percussão Galis, o produtor Kumar Sublevao-Beat, o DJ Jigüe e o citado Obba Tukke.
– Mais do que assistir, passivamente, a grandes shows internacionais, é importante que os artistas cubanos aumentem o intercâmbio artístico com o exterior, divulgando seus trabalhos e evoluindo em suas produções – resume Follett. – O festival é um primeiro passo nesse sentido. Não está sendo fácil realizá-lo, com estruturas ainda tão precárias, mas se o apoio internacional continuar, podemos voltar em 2017.
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Carlos Albuquerque (ou Calbuque) é jornalista de cultura, biólogo, DJ (daqueles que ainda usam vinil) e ocasional surfista de ondas ridiculamente pequenas. Escreve com a mão esquerda e Darwin é seu pastor.