Numa época em que a palavra ocupação caiu na boca do povo, uma turma de artistas da Zona Norte do Rio atravessou o túnel e chegou à Zona Sul buscando a leitura mais política e artística deste termo tão em voga. Desde o início de maio, o Espaço Cultural Sergio Porto – sinônimo de experimentações artísticas no Humaitá – é palco da “Ocupação Cidade Correria”, projeto de múltiplas facetas do Coletivo Bonobando. Nascido em 2014 na Arena Carioca Dicró, na Penha Circular, com as bênçãos da turma engajada do Teatro da Laje e com o apoio da Observatório de Favelas, este grupo de jovens artistas de diferentes partes da cidade já chegou chegando.
[g1_quote author_name=”Adriana Schneider” author_description=”Antropóloga e diretora” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Todo o trabalho do Bonobando está ligado à ideia de circulação dentro da cidade, da nossa relação com os territórios em que vivemos, daí a importância de ocuparmos o centro nevrálgico do teatro mais radical do Rio, levantando questões ainda pouco debatidas, como a rara presença de negros na cena teatral.
[/g1_quote]A ocupação teatral e metafórica do Sergio Porto é a face mais recente de um ativismo artístico que tem rodado o Rio desde a estreia do espetáculo “Cidade Correria”, o primeiro do coletivo, em outubro do ano passado. De lá para cá, estiveram em arenas na Penha, Pavuna, Madureira e Guaratiba, com o trabalho que trata das contradições do dia a dia na cidade, suas alegrias, feridas e potências, através do olhar de quem vive nas periferias. Não por acaso, o Bonobando participou das ocupações das escolas estaduais (André Maurois, no Leblon, e Faetec de Marechal Hermes). O material artístico surgido nesses encontros está em exposição na “Ocupação Cidade Correria”, que inclui ainda sessões do “Cidade Correria” dias 28, 29 e 30 de maio e uma roda de discussão sobre comicidade no dia 27.
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Veja o que já enviamos“Todo o trabalho do Bonobando está ligado à ideia de circulação dentro da cidade, da nossa relação com os territórios em que vivemos, daí a importância de ocuparmos o centro nevrálgico do teatro mais radical do Rio, levantando questões ainda pouco debatidas, como a rara presença de negros na cena teatral”, diz a antropóloga e diretora Adriana Schneider, professora da UFRJ e responsável pela direção de “Cidade Correria” com Lucas Oradovschi.
De fato, o espetáculo é de uma potência desconcertante. Construído a partir de uma extensa pesquisa com textos de autores diversos e uma série de oficinas, incluindo máscaras balinesas, “Cidade Correria” toca, com humor, em muitas feridas de uma cidade tão complexa como o Rio de Janeiro. Numa cena que tem origem distante no conto “O bebê de Tartatana Rosa”, de João do Rio, a atriz Daniela Joyce representa a cidade que passa por uma cirurgia chamada de processo de higienização, na qual são lembradas em tom crítico obras recentes realizadas no Rio, como o Porto Maravilha e os teleféricos do Alemão e da Providência.
Numa outra cena – um game chamado de ruas e vielas, com participação da plateia – são evocados, sempre de forma jocosa, personagens que costumam circular pela favela nos nossos dias, como uma antropóloga, uma apresentadora de programa de TV sobre periferia, uma pedagoga e um policial, todos num embate direto com um morador, que, no confronto final com o policial, diz que é ator e está em cartaz no Sergio Porto. A resposta do policial ecoa pelo teatro: “Caralho, então preto agora faz teatro no Sergio Porto!?”, num misto de ironia e surpresa.
E pela agenda do Bonobando, todas essas questões vão ecoar muito mais pela cidade nos próximos meses. Em junho, o coletivo participa de um evento do movimento “Jovem Negro Vivo”, da Anistia Internacional, no Parque de Madureira. Em seguida, faz apresentações em quatro escolas municipais do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, participa de outro projeto em lajes da Vila Cruzeiro, faz sessões no Galpão Gamboa em agosto e cria um novo espetáculo, agora em parceria com a Casa do Jongo da Serrinha, no segundo semestre, para ser realizado na rua.
O Bonobando é formado por dez atores donos de múltiplas experiências artísticas em outros coletivos ou grupos nascidos em zonas periféricas da cidade, o que dá a dimensão de como Rio é rico em projetos ligados à arte mesmo fora das áreas mais centrais. Marcelo Magano e Patrick Sonata formam uma dupla de palhaços da Cidade de Deus; Livia Laso e Thiago Rosa fazem parte do Escrito Nu, nascido na Escola de Teatro Martins Pena; Karla Suarez e Vanessa Rocha fizeram parte do grupo de teatro da ONG Ecoa; Hugo Bernardo, Igor da Silva, Járdila Baptista, Daniela Joyce e Vanessa Rocha são do Teatro da Laje; enquanto a diretora Adriana Schneider é do Grupo Pedras.