A câmera, sutil, faz o espectador embarcar junto na viagem. O olhar navega solitário enquanto avança pelas águas turvas do rio, a grandeza da floresta envolvendo tudo, ouvindo-se ao fundo apenas o som dos pássaros. Aos poucos, pessoas são avistadas. Elas seguem em canoas pelos igarapés, tendo à frente uma, maior, onde está a imagem de uma santa, cercada de flores e crianças vestidas de branco. O canto passa a ser humano, religioso, espiritual. A câmera, então, avança e ultrapassa a romaria. As vozes vão ficando para trás e para baixo, enquanto o olhar, impulsionado por um drone, se ergue para cima das árvores, subindo até revelar a vastidão da mata na visão de um pássaro. Uma voz, em off, descreve aquele como o Rio Amazonas e pergunta: “Quanta fé e ancestralidade transporta esse rio? Quantas músicas cabem nesse rio”?
[g1_quote author_name=”Marco André” author_description=”Diretor Musical e Produtor” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Não queríamos colocar na tela uma Amazônia estereotipada, nem com viés panfletário. Mas como fugir de problemas que, na maioria das vezes, são causados por quem não nasceu na região e foi para lá se aventurar na agropecuária, na extração de minérios etc.?
[/g1_quote]Muitas, responde a seguir “Amazônia groove”, filme de Bruno Murtinho, aberto por esse belíssimo plano-sequência, inspirado pelo Círio de Caraparú, um dos mais tradicionais da região amazônica, realizado em Santa Isabel, cidade próxima a Belém. Um dos destaques da recente edição do Festival do Rio, o filme é uma poética declaração de amor à música local – lambada, carimbo, guitarrada, tecnobrega etc –, sem jamais dissociá-la do majestoso ambiente que a cerca.
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Veja o que já enviamosPrevisto para entrar em cartaz em maio de 2019 – com o país já sob um governo que despreza justamente a cultura e a floresta – “Amazônia groove” tem seu pulso mantido por uma série de entrevistas e apresentações especiais – gravadas na capital paraense e arredores – de artistas como Dona Onete, Sebastião Tapajós, Manoel Cordeiro, MG Calibre, Gina Lolobrigida, Mestre Damasceno e Waldo Squash.
https://www.youtube.com/watch?v=NMrBNdd4lVI
“Não queríamos colocar na tela uma Amazônia estereotipada, nem com viés panfletário. Mas como fugir de problemas que, na maioria das vezes, são causados por quem não nasceu na região e foi para lá se aventurar na agropecuária, na extração de minérios etc.?”, questiona Marco André, diretor musical e um dos produtores do filme. “Por isso, não poderíamos deixar de incluir alertas sobre o meio ambiente, como o que surge na voz de MG Calibre, na música “Diga não à violência”, cuja letra diz: “ Vamos pra Amazônia/Vamos nos dar bem/ Muito jungle, muito money/O estrangeiro é rei”.
Os sinais de “Amazônia groove”, porém, não são apenas de alerta. Ao longo de quase uma hora e meia de duração, o filme pinta o colorido desenho de uma cena musical endêmica, independente e ricamente diversificada. Há espaço para emocionantes depoimentos de instrumentistas como Tapajós e Cordeiro – o primeiro, com seu violão clássico; o segundo, com sua guitarra apimentada. E há momentos também para alegres aparições de cantoras como a veterana Dona Onete e a novata Gina Lobrista – a primeira, graciosamente, classificando seu som de “carimbo chamegado”, a segunda, decidida, vendendo seus CDs no mercado popular do Ver-O-Peso.
“Sebastião Tapajós é um dos maiores violonistas brasileiros de todos os tempos. Manoel Cordeiro é um ícone da guitarrada. Dona Onete é uma força da natureza. E a Gina Lobrista foi um achado. Esses artistas representam a miscelânea paraense que queríamos mostrar”, conta Marco André. “Amazônia groove” é um filme em que caboclos e caboclas cibernéticos surgem inseridos no contexto universal da música.