(Texto: Mariana Assis / Edição: Giulia Afiune / Ilustração: Camila Araujo*) – Estudar e conhecer a audiência do veículo é a base para construir estratégias de distribuição de conteúdo. Mas não basta conhecer os dados demográficos sobre aquele público. Na avaliação de Ronaldo Matos, co-fundador e editor do portal Desenrola e Não Me Enrola, as características do território daquela audiência também devem ser levadas em conta. “É muito louco a gente, às vezes, adaptar a nossa narrativa a uma demanda, à hashtag nas redes sociais, mas não reproduzir as hashtags da quebrada, da favela, do morro, do território indígena, do território quilombola”, considera Matos. “Qual é o assunto mais comentado nesses territórios que têm relevância estadual e nacional?”
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O jornalista participou da mesa “Se ninguém lê/vê/ouve, não existe: o foco na distribuição”, que abriu a programação da tarde deste sábado (19) do Festival 3i, com uma discussão sobre a distribuição de conteúdos jornalísticos. A tarefa vem se tornando mais complexa com o rápido surgimento de novas linguagens, o advento de novas redes sociais, e as mudanças constantes nos algoritmos dessas plataformas, que fazem com que as estratégias de distribuição fiquem frequentemente desatualizadas.
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Além de Matos, participaram da mesa Lorena Morgana, community manager do Canal Reload, e Ale Higareda, fundadora e diretora do portal mexicano Malvestida.com, com a mediação de Filipe Speck, diretor executivo do Matinal Jornalismo. Os jornalistas também explicaram as estratégias que seus veículos utilizam para fortalecer a relação com a audiência, travar contato cada vez mais próximo com o leitor e promover a sustentabilidade financeira do negócio.
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Veja o que já enviamos“O jornalismo digital no Brasil precisa trabalhar muito para conseguir desenvolver produtos e serviços para superar esse contexto das desigualdades digitais”, defende Matos. O jornalista refere-se a redes precárias de internet que, consequentemente, limitam o acesso de navegação para pessoas que moram em periferias.
Uma das propostas para solucionar este entrave foi o desenvolvimento do Território da Notícia, que distribui conteúdos jornalísticos em 25 telas de sinalização digital instaladas em supermercados e estabelecimentos comerciais nas periferias e favelas de São Paulo. A iniciativa foi criada em 2019 por cinco coletivos de comunicação que atuam nestes territórios: Alma Preta, Desenrola e Não me Enrola, Embarque no direito, Periferia em Movimento e Preto Império.
Outro desafio na distribuição é adaptar a linguagem a cada rede social, de modo que o conteúdo seja interessante e alinhado às expectativas do público. Na prática, significa estar constantemente realizando estudos de tendências e entendendo onde está sua audiência e como ela está consumindo o conteúdo do veículo.
O Canal Reload foi criado em 2020 com o objetivo de “descomplicar a notícia”. Nele, as reportagens de 10 veículos jornalísticos são adaptadas para linguagens e formatos mais alinhadas às redes sociais e aderentes ao público jovem. Segundo Lorena Morgana, o site do Reload cumpre o papel de “cartão de visitas”, cabendo às redes sociais a função de disseminar os conteúdos.
“A grande sacada é testar”, aconselha Morgana. Ela explicou que, à época do lançamento do Reload, embora a curva de crescimento do Facebook estivesse caindo vertiginosamente, havia a expectativa de criar uma comunidade nos grupos naquela plataforma e assim estreitar o relacionamento com o público. No entanto, isso fracassou.
Após sucessivas frustrações, veio a virada de chave. “Por que estamos gastando energia no Facebook e por que não estamos gastando energia no Tik Tok, cuja curva de crescimento estava subindo e cuja linguagem tinha 100% a ver com o Reload?”, se perguntaram. Enquanto o público do Facebook era mais velho e pouco engajado, o do Tik Tok era jovem. “Com o passar do tempo, entendemos que como o nosso público já não estava mais naquela rede, não fazia mais sentido continuar ali.”
O Reload então substituiu o Facebook pelo TikTok. “Arriscamos”, admite Morgana, ao mesmo tempo em que comemora o sucesso do veículo no TikTok, onde o perfil do Reload tem atualmente mais de 25 mil seguidores. A interatividade que não aconteceu no Facebook encontra espaço em redes como Instagram e Telegram, onde o público do Reload envia mensagens constantemente.
Foi justamente por meio dessa interação com o público que o portal Malvestida.com, veículo baseado no México e dirigido por Ale Higareda, descobriu uma nova forma de servir sua audiência, composta majoritariamente por mulheres. Após notarem que estavam recebendo muitas mensagens similares e frequentes de leitoras sobre situações de violência sexual e questões de saúde mental, o veículo decidiu criar guias sistematizando os serviços de apoio disponíveis e orientando o público para as principais dúvidas que chegavam.
“Recebíamos mensagens de pessoas relatando que, se não fossem vocês [o veículo], não teríamos ninguém a quem recorrer. Elas sentiam que não podiam contar nem com amigas, nem com as famílias. Entendemos que nosso meio é muito mais que comunicação, porque a comunidade de Malvestida a percebe como um meio seguro para falar”, contou Higareda.
Ronaldo Matos ressaltou que a informação precisa chegar especialmente para quem precisa dela. O jornalista encerrou sua fala com uma provocação: “Nós estávamos informando os mais de 110 milhões de brasileiros que estavam passando fome e continuam passando fome durante a pandemia de Covid-19? Essas pessoas estão sendo informadas por nós, com os nossos objetivos, com as nossas linhas editoriais? Se a gente não tiver informando essas pessoas, a gente precisa profundamente repensar qual é o nosso propósito histórico.”
*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i