Só duas mulheres têm chances de serem governadoras

Ao mesmo tempo em que ocupa as ruas com o #EleNão, poder feminino não tem representatividade nas eleições majoritárias nos estados

Por Adriana Barsotti | ODS 8 • Publicada em 5 de outubro de 2018 - 08:00 • Atualizada em 6 de outubro de 2018 - 16:42

A senadora Fátima Bezerra é uma das duas únicas mulheres com chances de se eleger ao cargo de governadora. Foto Mateus Bonomi/AGIF
A senadora Fátima Bezerra é uma das duas únicas mulheres com chances de se eleger ao cargo de governadora. Foto Mateus Bonomi/AGIF
A senadora Fátima Bezerra é uma das duas únicas mulheres com chances de se eleger ao cargo de governadora. Foto Mateus Bonomi/AGIF

Enquanto o Brasil acompanha polarizado – e ativamente – os movimentos dos dois candidatos à presidência mais cotados na disputa, o silenciamento ronda a eleição para governadores. Só há duas mulheres com chances de chegar ao segundo turno no próximo domingo, de acordo com as mais recentes pesquisas do Ibope em 26 estados e o Distrito Federal: Fátima Bezerra, do PT, no Rio Grande do Norte, e Eliana Pedrosa, do (Pros), no Distrito Federal. A falta de representatividade feminina nas eleições majoritárias para os estados contrasta com o movimento #EleNão, que levou às ruas milhares de mulheres em 40 cidades e 26 estados do país contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) no sábado (29/9).

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Hierarquicamente falando, deputadas estaduais e federais legislam (põem a mão na massa) ao passo que presidentes, prefeitos e governadores legitimam (executam). Assim, existe uma ideia de que execução é assunto de homem

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Nos demais estados, à exceção do Maranhão, não há mulheres sequer em segundo lugar na disputa. Lá, Roseana Sarney (MDB) é a segunda colocada, com 32%, atrás de Flávio Dino (PCdoB), que tem chances de vencer ainda no primeiro turno: sua candidatura está em curva ascendente, foi de 43% para 49%.  Independentemente do viés à esquerda, ao centro ou à direita das candidaturas, a questão que se coloca é: as mulheres continuam marginalizadas do protagonismo político, tendência que distoa da pauta do empoderamento feminino que vem ganhando destaque na sociedade nos últimos três anos.

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Hashtags como #ChegaDeFiuFiu, #MeuPrimeiroAssédio, #MeToo e #MeuAmigoSecreto , entre outras, dominaram as redes sociais, arrastaram milhares de mulheres às ruas e ocuparam a pauta da mídia, dando o recado de que os machistas não passarão. Portanto, não seria fustrante assistir à marginalização das mulheres na política? Especialistas em estudos de gênero apontam a estrutura patriarcal da sociedade como um dos motivos para a ausência de mulheres com chances de vencer as eleições para os governos. Mas estão otimistas quanto ao cenário futuro.

Manuela D´Ávila, candidata à vice na chapa de Fernando Haddad, com a filha Laura, em um dos muitos atos de campanha. Foto reprodução do Facebook

“Hierarquicamente falando, deputadas estaduais e federais legislam (põem a mão na massa) ao passo que presidentes, prefeitos e governadores legitimam (executam). Assim, existe uma ideia de que execução é assunto de homem”, aponta Giovana Xavier, professora do Instituto de Educação da UFRJ, coordenadora do Grupo Intelectuais Negras e colunista do Nexo Jornal. “Você pode comparar isso com a distribuição de cargos nas universidades, por exemplo. Você tem muitas chefes de departamentos mulheres. Entretanto, pouquíssimas pró-reitoras, coordenadoras de pós e reitoras mulheres”, compara Giovana. “Ou seja, por mais que a sociedade esteja se transformando e as mulheres avançando no domínio do mundo público, esse domínio segue se dando dentro da estrutura patriarcal”, sustenta.

Doutora em Comunicação pela PUC-Rio e professora da Universidade Estadual do Piauí, Clarissa Carvalho concorda. “Existe uma cortina de fumaça em relação à lei que determina a cota de 30% de candidatas mulheres”, sustenta a professora, dedicada aos estudos de gênero nos últimos oito anos. O número de mulheres concorrendo aumentou, aponta, mas sem chances reais. Isso sem falar das laranjas, lembra ela. “Em que momento as mulheres tiveram chances de construir uma carreira política a partir dos movimentos sociais e de suas práticas profissionais?”, questiona. “Enquanto os homens estão construindo suas carreiras políticas, as mulheres estão cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos deles”.

Clarissa também lamenta que existam muitas candidaturas de mulheres que herdaram o capital político de pais e maridos sem terem construído uma agenda própria. “O que observo aqui no Nordeste e, principalmente no Piauí, onde eu moro, é que a maioria das candidatas não construíram capital político para estarem  ali”. Giovana também vê problemas no ensino de história: “Eu acho que isso se relaciona ao fato de a política institucional ser tratada como um assunto para homens. Por exemplo, no ensino de história tradicional, conteúdos como o coronelismo são trabalhados apenas enfatizando a participação de homens na história política. Isso acaba sendo naturalizado”, enfatiza. Mas tanto Giovana quanto Clarissa veem sinais de mudança no horizonte. Apesar de a hashtag #EleNão sugerir uma posição reativa – contra uma candidatura – elas enxergam potência na mobilização.

Eliana Pedrosa, do Pros, é forte candidata na disputa ao governo do Distrito Federal. Foto reprodução do Facebook

“O movimento foi às ruas com uma agenda aberta de defesa e fortalecimento de direitos humanos ligados ao gênero, à sexualidade, ao trabalho e, especialmente, à vida e à integridade da população brasileira, especialmente a pobre”, ressalta Giovana. “Nomear o movimento como ‘contra’ não é a mesma coisa que dizer que seu propósito é apenas reativo”, prossegue. “Ser contra é se manifestar mostrando que temos voz e não somos passivas”, reafirma a professora Clarissa. “Esses movimentos reativos ajudam a fomentar uma cultura política entre as mulheres. A partir disso, algumas pautas positivas surgem”, sublinha. “Quero acreditar que, nos próximos pleitos, teremos mais mulheres participando efetivamente”, acrescenta.

Um dos sintomas de mudança, para Clarissa, estaria na postura da candidata a vice de Fernando Haddad, Manuela D’Ávila, do PCdoB, que leva a filha Laura, de dois anos, para vários atos de campanha. Em sua conta no Facebook, a candidata, antes de tornar-se candidata a vice pelo PT, quando ainda era candidata à presidência pelo PC doB, desabafou sobre as críticas que vinha recebendo: “Não me perguntem por que levo Laura. Perguntem quem cria os filhos dos candidatos de vocês, beleza?”. Ela escreveu o post depois de explicar que divide com o marido, o músico Duca Leindecker, as tarefas e os cuidados com a filha, e que leva a criança quando sabe que vai ficar muito tempo longe de casa

“A Manuela participou e participa de diversos atos de campanha com a filha. É impressionante como isso chamou a atenção porque a gente não está acostumado a crianças participarem das atividades políticas desta forma. As pessoas geralmente estranham as crianças na política”, pontua Clarissa, enfatizando que tal atitude pode vir a incentivar a participação de mulheres futuramente na política.

Sobre o capital político herdado, esta reportagem seria omissa ao não relativizar inclusive a participação de caciques políticos em campanhas de mulheres com chances na eleição. A candidata no DF com fôlego para chegar ao segundo turno, por exemplo, tem o apoio da família do ex-governador Joaquim Roriz, que morreu recentemente. Roriz, que governou o DF por quatro vezes, protagonizou uma sucessão de escândalos na política. De acordo com as investigações da Polícia Civil na operação Aquarela, Roriz foi gravado ao telefone, com o ex-diretor do Banco de Brasília (BRB) Tarcísio Franklin de Moura, negociando a partilha de R$ 2,2 milhões sacados em uma agência da instituição. Em  2010, Joaquim Roriz chegou a lançar candidatura ao governo do Distrito Federal, buscando um quinto mandato no cargo. A tentativa foi vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base na lei da Ficha Limpa.

Já Fátima Bezerra, com chances de se eleger no Rio Grande do Norte, é senadora. No estado já existe o termo “surra de saias”, nascido das repetidas vitórias de mulheres na esfera estadual.  Entretanto, a novidade da chegada ao poder  estaria em uma candidatura de esquerda, diferentemente da eleição de Rosalba Ciarilini (DEM), em 2010, e dos triunfos da governadora Wilma de Farias, considerada uma política de centro, em 2002 e 2006. A conferir nas urnas.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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