ODS 1
‘Ficamos sem controle algum’, diz juíza que suspendeu WhatsApp em 2016

Daniela Barbosa afirma que empresa deve ser obrigada a colaborar com a Justiça: “O pedido de informações não é censura”


Em 2015 e 2016, juízes de estados como São Paulo, Sergipe, Piauí e Rio de Janeiro determinaram o bloqueio do WhatsApp em todo o país, após os responsáveis pelo aplicativo de mensagens se recusarem a fornecer informações para diferentes investigações criminais. Uma das medidas partiu da juíza Daniela Barbosa – na ocasião, à frente da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio -, que conseguiu deixar o serviço fora do ar por algumas horas. Sua ordem acabou suspensa antes pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para alívio dos usuários que, de tão inconformados com a perda da conexão com seus contatos, não tentaram entender o que havia levado Daniela e seus colegas a tomarem uma decisão tão radical.
[g1_quote author_name=”Daniela Barbosa” author_description=”Juíza” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A gente perdeu muito, em todos os sentidos. Ficamos sem controle algum. O pedido de informações ao WhatsApp não é censura. Censurar é proibir previamente. A lógica é a mesma da interceptação telefônica
[/g1_quote]Nesta campanha eleitoral, o aplicativo de troca de mensagens instantâneas mais popular do país – com 120 milhões de usuários – ganhou protagonismo inédito. Como aponta reportagem da “Folha de S. Paulo”, foi usado de forma organizada para a divulgação de fake news em massa, com empresas gastando até R$ 12 milhões pelo disparo de milhares de mensagens com conteúdo contra o PT, em favorecimento da campanha do candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela atual legislação eleitoral, e não declarada.
Para Daniela Barbosa, a falta de um debate mais crítico sobre o uso de aplicativos, iniciado naquela época e que não teve continuidade, foi prejudicial ao país. “A gente perdeu muito, em todos os sentidos. Ficamos sem controle algum. O pedido de informações ao WhatsApp não é censura. Censurar é proibir previamente. A lógica é a mesma da interceptação telefônica”, ela enfatiza.
[g1_quote author_name=”Daniela Barbosa” author_description=”Juíza” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Na Alemanha já existe um acordo com as autoridades e é possível desviar mensagens para a Justiça antes de serem criptografadas. Na Alemanha a lei é cumprida
[/g1_quote]A juíza enfatiza que o Facebook (dono do WhatsApp) poderia sim fornecer informações que auxiliassem investigações de crimes.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos“O Facebook alega que não pode interceptar as mensagens por causa da criptografia, mas na Alemanha já existe um acordo com as autoridades e é possível desviar mensagens para a Justiça antes de serem criptografadas. Na Alemanha a lei é cumprida”, compara a juíza, que atualmente está na 1ª Vara Criminal de Niterói, em conversa por telefone com o Projeto Colabora.
Por razões profissionais, Daniela, que foi juíza auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio e coordenadora da propaganda eleitoral no estado, em 2014, prefere não comentar as decisões da Justiça que afetam o momento político atual. No entanto, ela se mostra firme sobre a responsabilidade dos donos do aplicativo nas consequências de seu uso.
“Não queremos bloquear o WhatsApp. Mas essa é a última instância, é a forma de punirmos a empresa que não cumpre a medida. É como mandar prender um cidadão. Hoje em dia, a empresa até fornece a agenda do usuário, dados qualitativos, mas as mensagens, ainda não. Alegam a criptografia. Então, se não tem tecnologia para atender a um pedido da Justiça, essa empresa não pode vender o serviço. Se não consegue atender, isso caracteriza obstrução de Justiça”, opina.
Ainda de acordo com Daniela, quando ocorre um bloqueio, a população só pensa que está sem o WhatsApp porque o “juiz mandou”. Não entende que isso foi determinado para identificar pessoas que estão “matando e roubando impunemente”:
“Antes havia muito mais apreensão de armas e drogas. Os criminosos se comunicavam por telefone. Agora, as informações importantes eles trocam pelo aplicativo”, diz a juiza, que intimou a empresa três vezes e obteve uma resposta em inglês. Ela acrescenta que muitos colegas deixaram de pedir o bloqueio do serviço porque as supremas cortes têm derrubado as determinações, liberando o uso do aplicativo antes do prazo determinado.
[g1_quote author_name=”Daniela Barbosa” author_description=”juíza” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Está sendo a eleição da internet. A população está empenhada como nunca vi.
[/g1_quote]A respeito do uso do WhatsApp para a disseminação de fake news, a juíza acrescenta que, como toda prática ilícita, ela pode levar a escolhas erradas. “Essa está sendo a eleição da internet. A população está empenhada como nunca vi. Qualquer notícia publicada por um lado é rebatida pelo outro. Os dois lados estão se defendendo”.
Sobre o legado que todo esse debate atual pode deixar, Daniela é taxativa. “Cobram tanto uma ação da Justiça contra o crime, mas a Justiça fica impedida de agir (quando o WhatsApp não fornece informações). Aí, se manda cortar o aplicativo por dois dias, a população reclama. A gente tem que escolher em que mundo quer viver”.
A posição sempre firme de Daniela não chega a ser novidade. Conhecida por ser linha dura, ela foi responsável, por exemplo, pela cassação do ex-prefeito de Teresópolis, Mário Tricano, que tinha anotações criminais. E, em 2015, à frente da fiscalização da Vara de Execuções Penais (VEP), fez uma operação no Batalhão Especial Prisional, em Benfica, no Rio, para enquadrar policiais presos que faziam churrascos e recebiam visitas íntimas sem autorização. Daniela chegou a ser agredida por agentes durante uma visita de inspeção.
A respeito das empresas que compraram pacotes de divulgação nas eleições deste ano, o WhatsApp informou nesta sexta-feira, dia 19, que enviou notificação extrajudicial para as agências Quickmobile, Yacows, Croc services e SMS Market determinando que parem de fazer envio de mensagens em massa e de utilizar números de celulares obtidos pela internet, usados para aumentar o alcance de grupos na rede social. A empresa também baniu as contas do WhatsApp associadas a essas agências, segundo a “Folha de S. Paulo”.
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Ediane Merola
Jornalista desde 1995, formada pela Estácio, foi repórter do jornal O Globo por 20 anos. Escreveu sobre vestibular, educação e comportamento, mas já se aventurou em muitas pautas sobre o cotidiano da cidade, algumas para contar histórias de violência. Fala alto, gesticula à beça, mas é tímida. Fez sua primeira tatuagem depois dos 40, adora gatos, rock nacional e descobriu recentemente que doar sangue, uma ação que salva vidas, faz bem pro coração e pra alma.