Na mesa, toalhas e guardanapos verdes e amarelos. Os brigadeiros, dispostos estrategicamente formando o número 17. Sobre o bolo, também decorado com confeitos nas cores do Brasil, fotos do candidato Jair Bolsonaro (PSL). Até os refrigerantes tiveram os rótulos substituídos por faixas da campanha do presidenciável. Tudo para comemorar o mesversário da pequena Julia, de 8 meses. Nas redes sociais, assim como a comemoração da pequena brasileira, outras festas têm chamado a atenção pela escolha de um tema até então incomum para os aniversários: a política.
“Eu tinha certeza que ia ser questionada, mas fiz sem medo. Como minha mãe vota em outro candidato, resolvi quebrar o gelo, com um tema diferente. Nós temos que ser mais patriotas. Não é só brigar pela internet, é saber descontrair, como os americanos. Eles também brincam com a política, fazem cartazes engraçados. Não levam pro lado da briga. Eu me inspirei nisso”, conta a mãe da Julia, a biomédica Julianna Castro, de 28 anos, que diz que começou a se interessar mais por política após postar uma foto no Facebook: “Gerou muita polêmica. Meus amigos ficaram contra mim. Foi a partir daí que comecei a pesquisar, porque, após ser questionada, tinha que responder para eles o que eu achava”.
Já a fisioterapeuta Ana Cristina Sguizzard, de 49 anos, resolveu organizar a festa de 80 anos de sua mãe com o tema PT. A comemoração, que aconteceu no dia 29 de setembro, mesma data da manifestação “Mulheres Contra o Bolsonaro”, foi decorada com palavras de ordem como “Ele não”, “Fora Temer” e “Lula livre”:
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Veja o que já enviamos“A minha família é muito politizada. Minha mãe e meu pai, mesmo não sendo obrigados, fazem questão de sair para votar. Desde criança, eles nos levavam nos comícios. Meus irmãos ajudaram a fundar o PT, inclusive. Aí eu sugeri para a minha irmã fazer um bolo com #elenao, #foigolpe e coisas do tipo”.
A escolha da política como tema para festas reflete os novos hábitos da sociedade brasileira, que tem buscado marcar e divulgar suas preferências políticas, principalmente após as manifestações de junho de 2013. Para o professor de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, Márcio José Melo, desde então, pessoas que poderiam ser tranquilamente chamadas de alienadas, passaram a ter a política como elemento de debate.
“A princípio, isso seria um elemento positivo, mas o que nós estamos observando é que a política que tem permeado as vidas e entrado no cotidiano é a que podemos chamar de pequena política. É superficial, colocada de uma maneira mais rápida, açodada, sem aprofundar em temas mais complexos”, defende ele, que completa: “Essas festas temáticas, por exemplo, evidenciam um lado passional, a política como paixão”.
É assim, segundo o pesquisador, que os políticos ganharam espaço até em festas infantis:
“Isso evidencia um culto a grandes líderes, a respostas rápidas sem muita reflexão, transformando-os, na verdade, em mitos, em heróis”.
Doutor em história política e bens culturais e professor da Universidade Federal Fluminense, Viktor Cabral lembra que as mídias sociais têm fomentado um ambiente de conversação que facilita o acesso de parcelas da população ao debate político e a uma informação veloz e de rápida disseminação. Mas ressalta que muitas pessoas não se dão conta que boa parte da informação que consomem é mediada por esses canais:
“São links indicados por amigos, grupos de discussão com parentes, vídeos ou memes que se ocupam desse papel de difundir de modo ágil pílulas de informação, mas também de opinião, evidentemente”.
E as tais bolhas sociais que acabaram se tornando os perfis do Facebook e do Instagram e os grupos de WhatsApps, com a exclusão de amigos e membros da família que discordam de determinado posicionamento político, parecem agora já tomar conta do mundo real. Julianna e Ana Cristina contam, por exemplo, que tiveram receio da reação dos convidados.
“Eu fiquei com medo de convidar alguns amigos, por isso, resolvi fazer só com o povo aqui de casa e com umas amigas mais próximas que eu sei que votam no Bolsonaro (risos)”, conta Julianna.
“Minha cunhada que já morou nos Estados Unidos e adora o Trump ficou receosa dos convidados que não votam no PT não gostarem do tema da festa. Aí a minha irmã respondeu: ‘simples, quem não gostar do PT, quem não gostar do #elenao, não vai no almoço ou se for, fica calado’. É bem democrática essa minha família (risos)”, diz Ana Cristina.
Para o professor e doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Antônio Celso Pereira, as festas com temas políticos evidenciam que “as redes sociais transformaram as formas tradicionais de fazer campanha”, colocando em xeque até mesmo a importância do horário eleitoral televisivo:
“A popularização da discussão política pela internet ocasionou nas pessoas uma vontade manifesta de convencimento do outro, mesmo usando do condenável instrumento das fake news. Novos tempos, novos desafios, que refletem as decepções populares com as formas tradicionais de fazer política no Brasil, principalmente em relação aos partidos políticos e, também, em relação a certas lideranças tradicionais”.
Forma de lucrar
Para além dos marketeiros de campanha, os comerciantes, claro, já percebem a oportunidade de negócio. Empresas de artigos de decoração para festas, por exemplo, já oferecem produtos para quem quer aderir à nova moda. Dona da Xinica Bacana, uma empresa que organiza festas, Jane Lara, de 39 anos, organizou uma comemoração com o tema PT para um de seus clientes, com fotos do ex-presidente Lula e o logotipo do partido nos doces e nas paredes.
“Foi uma festa surpresa da esposa para o marido, que idolatra o PT. Uma outra cliente recentemente cogitou fazer o tema do Bolsonaro. Mas acabou mudando, temendo desagradar algum convidado”, conta Jane, que é funcionária pública e prefere não se posicionar politicamente.
Já Fernanda Barrach, de 26 anos, dona da Mimos da Fê, criou alguns elementos decorativos do candidato Jair Bolsonaro para serem usados no topo de um bolo de aniversário. Apesar de surpresa com o pedido, ela acredita que as pessoas escolhem esse tema pois querem “expressar a alegria, a importância da candidatura dele”:
“Acho que muita gente pensa nele como alguém da família, com mesmos valores…”
Para Viktor Cabral, fica evidente nesta eleição o tratamento celebritizado que algumas lideranças políticas têm recebido:
“Eu não diria que isso é uma novidade em absoluto. Mas, sem dúvida, integra o cenário de recrudescimento do populismo, especialmente de um populismo radical-conservador que tem emergido com muita força e em diferentes países”.
Interessante! Artigo mto bem escrito
A que ponto chegamos… Bem provável que tenha saído uma briga na hora de cantar parabéns! Legal o texto!