E fez-se a luz nas ruas do Rio

A antiga estação do bonde em Copacabana é uma das preciosas imagens do livro. Foto Divulgação

Livro mostra como a eletricidade transformou a cidade e a vida dos moradores

Por Andre Luis Mansur | ODS 7 • Publicada em 21 de março de 2017 - 09:10 • Atualizada em 21 de março de 2017 - 21:36

A antiga estação do bonde em Copacabana é uma das preciosas imagens do livro. Foto Divulgação
A antiga estação do bonde em Copacabana é uma das preciosas imagens do livro. Foto Divulgação
A antiga estação do bonde em Copacabana é uma das preciosas imagens do livro. Foto Divulgação

Enquanto a busca pela energia limpa é hoje uma das principais preocupações da sociedade, em 1918, ou seja, há quase cem anos, era inaugurado, na cidade do Rio de Janeiro, pela Light, o serviço de ônibus elétrico, ligando a Praça Mauá e o antigo Palácio Monroe, na Cinelândia. Naquela época, muitas linhas de bondes já estavam eletrificadas e os trens também seriam movidos a energia elétrica a partir de 1937, uma opção energética que, infelizmente, não se manteve até os dias de hoje: os bondes acabaram, só sobrando a linha de Santa Teresa, os trens tiveram uma drástica redução da malha ferroviária e a opção pelo combustível fóssil congestionou as ruas com carros e ônibus poluentes. Esta é umas reflexões provocadas pela leitura de “Energia elétrica e urbanização na cidade do Rio de Janeiro”, livro produzido pelo Centro da Memória da Eletricidade do Brasil e que será lançado hoje (21 de março), às 17h horas, apenas para convidados e jornalistas, no Museu de Arte do Rio (MAR).

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Ao organizar a cidade a partir da área central no sentido da Zona Sul, a reforma inaugurou uma prática que viria a ser seguida até o final da Primeira República, em 1930, e de certo modo até os dias de hoje: o privilégio explícito dado a essa região no que tange à oferta de equipamentos coletivos em detrimento de outras áreas, sobretudo nos subúrbios

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Ricamente ilustrado, com dezenas de imagens, algumas raras, entre fotos, gravuras, plantas e charges, o livro é resultado de um longo trabalho de pesquisa e mostra desde as primeiras experiências com a eletricidade na cidade, então capital do Brasil, em 1852, até o seu desenvolvimento, não só nos transportes, mas na iluminação pública, substituindo o gás, e na indústria do entretenimento, com os cinemas, rádios, televisores etc. “A pesquisa enfrentou problemas operacionais, como o fato de que a digitalização de documentos era muito rara quando o trabalho começou, há cerca de 30 anos”, explica a chefe da Coordenadoria de Pesquisa da Memória da Eletricidade, Lígia Cabral, ressaltando que a equipe precisou também fazer muita pesquisa presencial para levantar e armazenar a enorme quantidade de informações da obra.

Anúncio do ferro elétrico Erico: “evita as cinzas de carvão”. Foto Divulgação

É interessante perceber que a aura de “coisa mágica” que a eletricidade carregava no início de sua aplicação vai se perdendo aos poucos, à medida que ela passa a fazer parte do cotidiano das pessoas, iluminando casas e ruas, principalmente a partir da reforma instituída pelo prefeito Pereira Passos, no início do século XX, embora o livro critique de forma enfática a negligência deste prefeito em relação aos subúrbios e aos pobres que foram expulsos do centro do Rio. “Ao organizar a cidade a partir da área central no sentido da Zona Sul, a reforma inaugurou uma prática que viria a ser seguida até o final da Primeira República, em 1930, e de certo modo até os dias de hoje: o privilégio explícito dado a essa região no que tange à oferta de equipamentos coletivos em detrimento de outras áreas, sobretudo nos subúrbios”.

Assim o livro mostra que enquanto a iluminação elétrica no centro, zona sul e parte da zona norte era intensificada, com apoio do poder público e disputas entre empresas privadas, como a que ocorreu entre a Light e o grupo Guinle, nos subúrbios e na área rural da cidade os bondes ainda eram puxados a burro e a população só tinha acesso à luz elétrica quando fornecida pelo gerador de alguma empresa instalada no local, como nos casos do Matadouro de Santa Cruz e da Fábrica Bangu. Um detalhe interessante é notar como a eletrificação dos bondes, ao aumentar a sua velocidade, teve como consequência também um tipo de notícia ao qual os cariocas não estavam acostumados na pacata cidade de então: o acidente de trânsito. “Os acidentes eram os mais diversos, provocados por causas igualmente distintas: atropelamentos por imprudência dos pedestres, saltos dos passageiros dos estribos, rompimento das traves dos bondes resultando em descidas desenfreadas pelas ladeiras, queda dos fios de telefonia, telegrafia e tração elétrica devido a ventos ou a chuvas fortes, provocando curtos-circuitos e paralisando os carros”.

A avenida Vieira Souto eletrificada. Foto de Divulgação

Outra curiosidade é a forma como os trilhos dos bondes também eram utilizados pelos chamados “burros sem rabo”, que até hoje transitam pela cidade, e na época ajustavam as rodas de suas carroças nos trilhos, quando eram possível, e assim facilitavam o transporte da sua carga, bem menos difícil de transportar por ali do que pelas ruas esburacadas da cidade, mas que, obviamente, “eram alvo das reclamações das companhias de bondes, pois, além de danificar os trilhos, provocavam acidentes e retardavam o trânsito”.

Entre informações importantes sobre a evolução urbana da cidade desde o império até hoje, o livro também fala da primeira lâmpada produzida no Brasil, o “cinema em casa”, muitas décadas antes do videocassete e do DVD, os anúncios publicitários dos novos objetos movidos a eletricidade, como o ferro elétrico de passar, “porque evita as cinzas de carvão e as fagulhas que queimam as roupas”, além de um estudo sobre as radicais mudanças urbanísticas no centro da cidade após a demolição do morro do Castelo, na década de 1920, e os arranha-céus que surgiram em ruas mais largas e aterros que mudaram totalmente a configuração da região. “O livro oferece um painel amplo do significado e do impacto da eletricidade na vida da população carioca”, afirma Mario Santos, presidente do Centro de Memória da Eletricidade no Brasil. Este impacto permitiu, por exemplo, a vida social e cultural durante a noite na cidade, já não mais o breu de outros tempos, mas um festival de luzes, como o que ocorreu durante a monumental exposição de 1922, comemorando os cem anos da independência do Brasil. Um marco na história da cidade.

Andre Luis Mansur

Jornalista e escritor, tendo passado por veículos como Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e O Globo, onde publicou mais de cem críticas literárias. Tem nove livros publicados, a maioria sobre a história da cidade do Rio de Janeiro, como “O Velho Oeste Carioca”, “Fragmentos do Rio Antigo” e “Marechal Hermes – a história de um bairro”. Vive na zona oeste do Rio de Janeiro, no bairro de Campo Grande.

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