Olhar para o futuro no cuidado ao tratar da saúde infantil é a bússola que guia a XVI edição do Congresso de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Consoperj) que será realizado entre esta quinta-feira (31/07) e o sábado, 02/08, no Expomag, no centro da capital fluminense. Entre os temas em discussão no evento organizado pela Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj), está o impacto do meio ambiente na saúde infantil, uma preocupação cada vez maior dos pediatras, principalmente, devido ao crescente número de atendimentos de crianças com problemas respiratórias registrados nas maiores cidades do Brasil.
Crianças são especialmente vulneráveis aos efeitos da poluição do ar. Mesmo exposições a doses extremamente baixas em períodos críticos — como gestação e primeiros meses de vida — podem resultar em doenças, deficiências e até mortes precoces. Essas exposições impactam não só a infância, mas a saúde ao longo da vida
O #Colabora encaminhou perguntas sobre esse impacto da crise climática e ambiental à pediatra Isabella Ballalai, presidente do Departamento de Imunizações da Soperj e integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunizações, que estará presente ao Consoperj 2025 – o evento tem como tema central “Criança e o futuro: novos horizontes do cuidado”. Com mais de 30 anos de atuação nas áreas de imunização e saúde escolar, Isabella Ballalai destaca os desafios enfrentados para cuidar da saúde das crianças com o avanço dos problemas ambientais.
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#Colabora – Grandes cidades brasileiras, principalmente, registram um crescente número de atendimento de crianças com doenças respiratórias. A poluição do ar é uma causa central de doenças respiratórias em crianças?
Isabella Ballalai – A poluição do ar é hoje a maior causa ambiental de doenças e mortes prematuras no mundo. Segundo a Lancet Commission on Pollution and Health, ela foi responsável por aproximadamente 9 milhões de óbitos em 2015 — o equivalente a 16% de todas as mortes globais, superando em três vezes os números combinados de AIDS, tuberculose e malária. A principal fonte dessa poluição atmosférica é a queima de combustíveis fósseis em países de média e alta renda e a queima de biomassa em países de baixa renda. Estima-se que 85% da poluição por partículas finas no ar e quase toda a poluição por óxidos de enxofre e nitrogênio provenham dessas atividades. Em cidades em rápida industrialização, onde se concentram pessoas, veículos, indústrias e grandes obras, a situação é ainda mais crítica. As crianças são especialmente vulneráveis aos efeitos da poluição do ar. Mesmo exposições a doses extremamente baixas durante períodos críticos — como a gestação e os primeiros meses de vida — podem resultar em doenças, deficiências e até mortes precoces. Essas exposições iniciais impactam não só a infância, mas também a saúde ao longo de toda a vida.
#Colabora – Há outros problemas ambientais que impactam diretamente a saúde respiratória das crianças?
As crianças, especialmente em países de baixa e média renda, são desproporcionalmente afetadas. Populações marginalizadas e de países de baixa e média renda sofrem de forma desproporcional: cerca de 92% das mortes por poluição acontecem nessas regiões, revelando um padrão de injustiça ambiental global.
Isabella Ballalai – Além da poluição do ar, diversos outros problemas ambientais impactam diretamente a saúde respiratória das crianças. As mudanças climáticas aumentam a incidência de doenças respiratórias como bronquiolite, asma e infecções virais. O excesso de chuvas também favorece a proliferação de mofo, ácaros e outros poluentes biológicos em ambientes internos, o que agrava quadros alérgicos e respiratórios. Ambientes mal ventilados ou com acúmulo de umidade, especialmente em moradias precárias, representam riscos adicionais para crianças pequenas. Outro fator importante é a má qualidade do ar em ambientes internos, sobretudo em residências que utilizam lenha ou carvão para cozinhar, gerando fumaça altamente nociva. A presença de mofo, poeira, ácaros e o tabagismo passivo são agentes que contribuem significativamente para o agravamento de quadros de asma e outras doenças respiratórias. A urbanização acelerada e desordenada, com tráfego intenso, baixa arborização e pouca ventilação, intensifica a exposição infantil à poluição atmosférica. Crianças que vivem próximas a avenidas movimentadas, fábricas ou aterros sanitários estão ainda mais expostas a poluentes nocivos. O desmatamento e as queimadas em regiões como a Amazônia e o Cerrado também liberam grande quantidade de material particulado e gases tóxicos, que podem afetar a saúde respiratória infantil mesmo em regiões distantes.
#Colabora – Essas doenças respiratórias podem ser consideradas, ambientalmente falando, as mais ‘democráticas’ por atingirem igualmente crianças de todas as classes?
Isabella Ballalai – As crianças, especialmente em países de baixa e média renda, são desproporcionalmente afetadas. Populações marginalizadas e de países de baixa e média renda sofrem de forma desproporcional: cerca de 92% das mortes por poluição acontecem nessas regiões, revelando um padrão de injustiça ambiental global.
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Veja o que já enviamos#Colabora – A crise climática vem provocando eventos extremos cada vez mais frequentes. De um lado, ondas de calor mais intensas e prolongadas, com secas mais intensas e prolongadas: Qual o impacto específico nas crianças? Como protegê-las? Do outro, temos ondas de frio também mais intensas e, particularmente, temporadas de chuvas mais intensas e prolongadas: Qual o impacto específico nas crianças? Como protegê-las?
Isabella Ballalai – A crise climática tem causado ondas de calor cada vez mais intensas e prolongadas, com secas severas em diversas regiões. Nas crianças, esses eventos impactam diretamente a saúde e o bem-estar. O calor extremo aumenta o risco de desidratação, exaustão térmica e insolação, especialmente em bebês e crianças pequenas, que têm maior dificuldade para regular a temperatura corporal. Além disso, a escassez de água durante as secas compromete a higiene, favorece infecções gastrointestinais e doenças de pele, e dificulta o controle de vetores como o Aedes aegypti, elevando o risco de dengue, zika e chikungunya. Para protegê-las, é essencial garantir hidratação adequada, ambientes frescos e sombreados, uso de roupas leves e, sempre que possível, evitar a exposição direta ao sol nos horários mais quentes do dia. Políticas públicas que assegurem acesso à água potável, campanhas de conscientização e ações de vigilância em saúde também são fundamentais.
Isso exige novos cuidados com a saúde infantil, como atenção redobrada à hidratação e proteção térmica em dias muito quentes, prevenção de doenças respiratórias associadas à poluição, reforço da vacinação contra doenças agravadas por mudanças climáticas, além de práticas sustentáveis no ambiente doméstico
Por outro lado, ondas de frio mais intensas e chuvas prolongadas elevam os casos de doenças respiratórias em crianças, como gripe, bronquiolite e pneumonia. A umidade excessiva favorece o crescimento de mofo e ácaros em ambientes fechados, agravando alergias e asma. Além disso, chuvas intensas podem causar enchentes, desabrigar famílias e dificultar o acesso a serviços de saúde e vacinação. Para protegê-las, é necessário manter as crianças aquecidas, evitar aglomerações em ambientes fechados, garantir ventilação adequada nas residências e manter o calendário vacinal em dia. Investimentos em infraestrutura urbana, saneamento básico e campanhas de vacinação são medidas estratégicas para mitigar esses impactos.
#Colabora – Um casal brasileiro, hoje com 35 anos e filhos pequenos, teve sua infância no fim do século passado: do ponto de vista das mudanças ambientais e climáticas, quais as diferenças dos cuidados que os pais do casal tiveram com seu filhos pequenos há 30 anos e que os pais de 2025 devem ter com suas crianças?
Isabella Ballalai – As mudanças ambientais e climáticas nas últimas três décadas transformaram significativamente o contexto em que as crianças crescem. Na infância do casal de hoje com 35 anos, entre o fim dos anos 1980 e os anos 1990, os cuidados parentais voltavam-se principalmente para doenças infecciosas clássicas da infância, acidentes domésticos, e alimentação. A preocupação com a poluição do ar, as ondas de calor extremas, a escassez hídrica, a qualidade do solo e a frequência de desastres climáticos ainda não era central no cotidiano das famílias.
Em 2025, os pais enfrentam um cenário muito mais desafiador: eventos climáticos extremos são mais frequentes, a qualidade do ar nas grandes cidades é pior, as temperaturas estão mais elevadas por mais tempo, vetores de doenças tropicais se expandiram geograficamente, e há maior exposição a substâncias químicas ambientais. Isso exige novos cuidados com a saúde infantil, como atenção redobrada à hidratação e proteção térmica em dias muito quentes, prevenção de doenças respiratórias associadas à poluição, reforço da vacinação contra doenças agravadas por mudanças climáticas, além de práticas sustentáveis no ambiente doméstico. O cuidado com a saúde das crianças, portanto, hoje vai além do que os pais daquela geração conheciam — envolve também uma vigilância ambiental cotidiana.
#Colabora – Certamente, uma das diferenças entre este casal atual e seus pais era que, 30 anos atrás, o Brasil alcançava mais de 90% de cobertura vacinal para a grande maioria das doenças – principalmente na vacinação de crianças pequenas – e hoje essa cobertura caiu muito. De que forma, essa queda na cobertura vacinal tem influenciado na prevenção de doenças infantis, particularmente nas causas por questões ambientais que se agravaram nestes 30 anos??
A retomada dos altos níveis de cobertura vacinal exige atuação ativa do pediatra: acolher dúvidas com empatia, atualizar-se continuamente, recomendar vacinas com firmeza e base científica, combater a desinformação e se engajar em campanhas públicas.
Isabella Ballalai – A queda da cobertura vacinal no Brasil tem comprometido significativamente a prevenção de doenças infantis (antigas maiores preocupações dos pais nos anos 80/90), especialmente em um contexto ambiental cada vez mais adverso. Há 30 anos, o país alcançava taxas superiores a 95% na maioria das vacinas do calendário infantil, o que assegurava a chamada imunidade coletiva — fundamental para conter surtos e proteger os mais vulneráveis. Hoje, com a combinação de coberturas vacinais mais baixas e agravamento de fatores ambientais, como a expansão de vetores de doenças, aumento da poluição do ar e eventos climáticos extremos, crianças estão mais expostas a doenças infecciosas que antes estavam controladas ou eliminadas, como sarampo, coqueluche e até poliomielite.
#Colabora – Qual a responsabilidade da classe médica nessa queda de cobertura vacinal? Qual o papel da classe médica, particularmente dos pediatras, na retomada daquele patamar de cobertura que o Brasil já exibiu?
Isabella Ballalai – A classe médica, especialmente os pediatras, tem papel essencial tanto na explicação dessa queda quanto na recuperação da confiança da população. A retomada dos altos níveis de cobertura exige atuação ativa do pediatra: acolher dúvidas com empatia, atualizar-se continuamente, recomendar vacinas com firmeza e base científica, combater a desinformação e se engajar em campanhas públicas. O pediatra, por ser figura de referência para famílias, é peça-chave nesse esforço nacional para proteger a saúde das crianças e reconstruir a confiança nas vacinas.