Entre condomínios e mansões das mais caras na Zona Sul carioca, resiste a bicentenária comunidade do Horto, que vive entre as árvores da Mata Atlântica e um rio, cenários de lições cotidianas da mais renitente cidadania ecológica. Moradores nos fundos do Jardim Botânico, que frequentemente são ameaçados de despejo, cuidam voluntariamente da preservação ambiental do território e da limpeza do Rio dos Macacos, que atravessa o lugar até desaguar na Lagoa Rodrigo de Freitas.
A partir da sua relação com a natureza e a vontade de contribuir com a comunidade onde cresceu, Roberto Fonseca fundou, em 2020, o projeto Horto Natureza. Desde criança, ele tem proximidade intensa com o meio ambiente. Seu tio-avô, o Folha Seca, trabalhava na limpeza do Jardim Botânico e também monitorava a limpeza das águas do Rio dos Macacos. “Ele sempre vinha aqui atrás na casa do meu avô e comecei a observar o cuidado dele com o rio”, narra ele Fonseca que, em 2001, se tornou Guardião do Rio – iniciativa da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Em 2005, a iniciativa na comunidade parou, mas o ambientalista resolveu continuar na manutenção e revitalização do curso d’água. “Com o incentivo da família e o trabalho de guardião, continuei essa limpeza porque gosto de tomar banho de rio. Essa harmonia com a natureza cresceu em mim quando percebi que a gente merece morar aqui e ter água bem cuidada”, explica.
Para Fonseca, o compromisso da preservação começa pelos moradores. “A responsabilidade é nossa como ser humano. Tomamos banho no rio e nos pocinhos, principalmente no verão. Os órgãos vêm para ajudar na coleta, educação ambiental e saneamento básico, mas o compromisso com a preservação é nosso”, convoca. O Horto Natureza varre o estigma social de que a poluição vem da área mais pobre do bairro. “A intenção era sempre acusar a comunidade pela destruição da vegetação e sujeira no rio. Hoje estamos aqui para mostrar que é um rio limpo, com o oxigênio que deixa a Lagoa com a água brilhando”, orgulha-se.
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Veja o que já enviamosA visibilidade por meio das redes sociais permitiu a Fonseca mostrar seu trabalho e também fazer denúncias. “A rede social me fez aparecer. Desde 2001, são 22 anos. Não tínhamos isso. Antigamente, lá embaixo eles acusavam o Rio dos Macacos de poluição e atribuíam à favela”, reclama. Para ele, o trabalho do Horto Natureza no Rio dos Macacos, junto com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e os Guardiões do Rio, está dando resultado. O líder da iniciativa percorre diariamente o curso do rio desde a Floresta da Tijuca, descendo pelas casas da comunidade, passando pelos canais do Jardim Botânico até a Lagoa.
Além de Fonseca, Ricardo Matheus e Alvin Figueiredo são Guardiões do Rio e trabalham no projeto. Diariamente, descem o rio para retirar os resíduos plásticos. Matheus mora no Horto há 65 anos e é testemunha da despoluição. “A gente colabora com educação e com a manutenção. Uma coisa muito importante é que os moradores estão ajudando. Não se vê mais tanto lixo como era antigamente dentro dele”, festeja.
Figueiredo também atesta a boa qualidade da água, devido ao trabalho realizado pelo Horto Natureza e o programa Guardiões do Rio. Para ele, a culpa da poluição ainda não é recai sobre a população mais rica, que mora em volta da Lagoa. “Só falam do saneamento básico por lá, não aqui. Os programas nascem e se interrompem novamente, então a população local realmente sempre fez sua manutenção. Não fosse assim, aqui estaria como outros lugares da cidade. Essa é a água que o Jardim Botânico usa lá nos lagos deles”, revela.
Figueiredo e Matheus estavam desempregados quando Fonseca convidou os dois para o Horto Natureza. “Precisamos sobreviver, então o programa trouxe a parte econômica. Junto a isso, veio a vontade de fazer algo pela comunidade, desconstruindo a imagem de invasora e predadora do meio ambiente. É justamente o contrário, estamos aqui para preservar e defender a vegetação e as águas”, garante.
Idealizado por Dom João VI em 1808, o Jardim Botânico foi construído pelos escravos, ancestrais de grande parte dos moradores do Horto. Em 1830, ainda durante a construção, os primeiros moradores chegaram ali, iniciando uma relação que atravessou várias gerações até hoje. Figueiredo relata que essa preocupação com a natureza sempre existiu nos seus pais e avós, dentro da ideia de preservar o território. Quando criança, estudou na Escola Municipal Julia Kubitschek, voltada para os filhos dos trabalhadores dos órgão ambientais na época. “Antes não tinha escola para os filhos desses trabalhadores. Ou seja, foi o poder público dizendo ‘fiquem e trabalhem aí porque seus filhos vão ter educação’ ”.
Eles pregam que o trabalho realizado no Horto deveria se multiplicar. Além do Horto Natureza cuidar da manutenção e despoluição do Rio dos Macacos, o projeto também realiza atividades com crianças da comunidade estimulando a educação ambiental, além de manter uma horta comunitária. A ideia é trazer pertencimento aos moradores, que plantam as sementes e cuidam das plantas. “O mais importante para mim é o benefício de ver um morador ajudar. Isso já entra na nossa questão de preservação e que merecemos estar aqui. O projeto é a outra cara do Horto. Tem como ficar a comunidade e tem como ficar a natureza”, sustenta Roberto.
Vou usar sua reportagem com meus alunos! Importante ver que cada um pode e deve também fazer a sua parte!