ODS 1
Transfobia é crime: deputado vai enfrentar processos criminal e de cassação
Partidos acionam STF e Conselho de Ética após parlamentar vestir peruca e dizer que "mulheres estão perdendo lugar para homens que se sentem mulheres"
Em pleno Dia Internacional da Mulher, o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL/MG) usou a tribuna da Câmara para um discurso impregnado de transfobia e misoginia que vai acarretar processo criminal – no STF, já que ele tem foro privilegiado – e também um processo de cassação na Câmara. O jovem (25 anos) transfóbico chegou a colocar uma peruca. “Hoje, me sinto mulher. Deputada, Nicole. As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres” afirmou.
Nesta quinta (09/04), a bancada do PSOL na Câmara acaba de entrar com uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado bolsonarista. A notícia-crime afirma que Nikolas Ferreira tentou ‘humilhar e constranger toda a população transexual’ e que as declarações do deputado aumentam o risco de violência contra pessoas trans.
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Os parlamentares também afirmam que o discurso é “ofensivo”, “criminoso” e “vulnerabiliza ainda mais as minorias de gênero”. “O discurso foi direcionado a manifestar discriminação e ridicularizar pessoas transexuais e travestis”, diz o documento. “Nenhuma transfobia terá palco. E nenhuma transfobia passará sem respostas políticas e jurídicas à altura. Transfobia é crime. A estratégia dos bolsonaristas e transfóbicos é antiga: usam nossas vidas de escada para se construir”, afirmou a deputada trans Erika Hilton (Psol-SP), que organizou a ação do partido.
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Veja o que já enviamosO deputado também está na mira do Ministério Público Federal. A procuradora da República Luciana Loureiro, responsável pela área dos Direitos Humanos no Distrito Federal já representou à Procuradoria Geral da República pedindo a apuração da responsabilização cível (dano moral coletivo) e/ou criminal do deputado Nikolas Tavares, por prática e/ou incitação à discriminação por motivo de gênero. Ela teve o apoio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que divulgou uma nota pública de repúdio. É repugnante um congressista usar as vestes da imunidade parlamentar para, premeditadamente, cometer crime passível de imputação a qualquer cidadão ou cidadã”, define a nota da PFDC.
A procuradora também acionou a Câmara para que o discurso do deputado Nikolas seja apurado, para averiguar “suposta violação ética”. Luciana Loureiro ressaltou que Nikolas usou o tempo na tribuna para, “a pretexto de discursar sobre o Dia Internacional da Mulher, referir-se de forma desrespeitosa às mulheres em geral e ofensiva às mulheres trans em especial”. A representante do STF lembrou que a transfobia foi equiparada ao crime de racismo e passou a ser tratada como crime hediondo pelo STF em 2019.
Parlamentares também já acionaram o Conselho de Ética da Câmara pedindo a cassação do mandato pelo crime de transfobia. “Estamos falando de um homem que no Dia Internacional das Mulheres tirou nosso tempo de fala para fazer uma fala preconceituosa, criminosa, absurda e nojenta. A transfobia ultrapassa a liberdade de discussão que é garantida pela imunidade parlamentar”, disse a deputada Tabata Amaral, que liderou a representação do PSB ao Conselho.
A deputada trans Duda Salabert (PDT/MG) guiou seu partido na mesma direção. “Meu processo contra Nikolas Ferreira o impediu de andar armado. Meu outro processo criminal contra Nikolas Ferreira pode levá-lo à cadeia por transfobia. Agora entrei com uma representação para que Nikolas Ferreira seja punido por quebra de decorro parlamentar”, escreveu a deputada nas redes sociais. O deputado bolsonarista já responde a uma ação pelo crime de injúria racial após ofender Duda Salabert em 2020, quando ambos eram vereadores em Belo Horizonte. Nikolas deu entrevista a um veículo de comunicação e se referiu a Duda usando repetidamente pronomes masculinos.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criticou nesta quarta-feira a atitude do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). “O Plenário da Câmara dos Deputados não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública por sua atitude no dia de hoje. A todas e todos que se sentiram ofendidas e ofendidos, minha solidariedade”, disse Lira em suas redes sociais.
Em 2019, o STF decidiu enquadrar como crime de racismo (previsto na Lei 7.716/89) toda discriminação ou preconceito (descrito nesta lei) relacionado à orientação sexual (homofobia) ou identidade de gênero (transfobia). O voto vencedor, do então decano da Corte, ministro Celso de Melo, foi taxativo. “O fato irrecusável no tema em exame é um só: os atos de preconceito ou de discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero não podem ser tolerados, ao contrário, devem ser reprimidos e neutralizados, pois se revela essencial que o Brasil dê um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que tem marginalizado grupos minoritários em nosso país, como a comunidade LGBT”, salientou.
Celso de Melo afirmou que a homofobia representa uma forma contemporânea de racismo e avaliou a importância do julgamento no processo de ampliação e de consolidação dos direitos fundamentais das pessoas. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade de direitos”, destacou o relator, ressaltando que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais à dignidade e à humanidade de cada pessoa, “não devendo constituir motivo de discriminação ou abuso”. Segundo o ministro, a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem, em nenhum caso, servir de pretexto aos preconceitos raciais, mesmo porque as diferenças entre os povos do mundo não justificam qualquer classificação hierárquica entre as nações e as pessoas.
PETIÇÃO
Uma petição – que pode ser assinada clicando aqui – foi criada pela ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais (representada por Keila Simpson e Bruna Benevides) e pela GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (representado por Paulo Iotti). As instituições se juntaram para pressionar o Ministro André Mendonça a investigar e responsabilizar o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) pelo discurso transfóbico.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade