Quando a partida final da Copa do Mundo terminou e a seleção feminina dos Estados Unidos começou a comemorar seu quarto título, a torcida nas arquibancadas – também com muitas mulheres – alternou os gritos de “USA, USA”, com os de “equal pay”: pagamento igual, uma bandeira levantada pela equipe americana, liderada por sua capitã, Megan Rapinoe, que ganhou o prêmio de melhor jogadora do Mundial. “Amei os gritos. Está na hora de passar da conversa para a ação. É isso que as pessoas querem. Devemos dar o que as pessoas querem, sempre”, disse Rapinoe, 34 anos, em entrevista, após a vitória por 2×0 sobre a Holanda, em que ela fez o primeiro gol, de pênalti, seu sexto na competição, e garantiu a bola de ouro de artilheira da Copa do Mundo.
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Veja o que já enviamosEstrela da seleção agora tetracampeã mundial, a atacante vem liderando a campanha pelos pagamentos iguais no futebol – ou soccer, como se diz por lá. Foi uma das idealizadoras do processo que está sendo movido pelas jogadoras da seleção dos Estados Unidos contra a federação norte-americana a quem acusam de discriminação em favor da seleção masculina. No caso da US Soccer, a discriminação é mais do que evidente. A comparação poderia ser apenas esportiva: a seleção feminina ganhou no domingo em Lyon seu quarto título mundial; a seleção masculino nunca chegou sequer a uma semifinal. À noite, os americanos ainda foram derrotados pelos mexicanos na final da Copa Ouro – uma Copa América, das Américas do Norte e Central. Mas é muito mais que esportiva. Nos Estados Unidos, a seleção feminina também rende mais lucro à federação e, mesmo assim, as jogadoras recebem menos. Pelos números da própria US Soccer, de 2016 a 2018, os jogos da seleção feminina renderam US$ 50,8 milhões à federação enquanto as partidas da seleção masculina renderam US$49,9 milhões. Até os jogadores da equipe masculina divulgaram apoio à reivindicação das mulheres.
[g1_quote author_name=”Megan Rapinoe” author_description=”Atacante e capitã da seleção dos EUA” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Entendo que o masculino tem um retorno financeiro muito maior. Mas como você vai diminuir esse abismo com três finais no mesmo dia. É a decisão da Copa do Mundo; cancelem tudo. Não sei como não pensaram nisso
[/g1_quote]Mas Megan Rapinoe aproveitou a visibilidade inédita desta Copa do Mundo na França – recorde de público, recorde de patrocínio, recorde de audiência na TV, recorde de comentários nas redes sociais – para levar a batalha por pagamentos iguais para o nível planetário. Na véspera da final, a capitã americana foi perguntada o que achava do anúncio do presidente da Fifa, Gianni Infantino, de dobrar a premiação para o próximo Mundial feminino – de U$ 30 milhões para R$ 60 milhões. “Certamente ainda não é justo. Deveriam dobrar e dobrar e quadruplicar para a próxima vez. Acho que é isso que quero dizer sobre nos sentirmos respeitadas. Não sei porque existe uma resistência em se investir em mulheres”, afirmou Rapinoe.
Ela estava com a língua particularmente afiada a 24 horas de conquistar o bicampeonato consecutivo e reclamou da Fifa também por permitir três decisões – do Mundial feminino, da Copa América e da Copa Ouro – no mesmo dia. “Entendo que o masculino tem um retorno financeiro muito maior. Mas como você vai diminuir esse abismo com três finais no mesmo dia. É a decisão da Copa do Mundo; cancelem tudo. Não sei como não pensaram nisso”, atacou. E ainda deu uma lambada na escolha do próximo país sede do Mundial masculino onde a premiação anunciada será de US$ 440 milhões. “Fora fazer uma Copa no Catar, com todas as questões…”, resmungou Megan Rapinoe, lésbica e casada com a bicampeã olímpica de basquete Sue Bird.
Depois do jogo, a atacante da seleção americana, já com a bola de ouro e a chuteira de ouro nas mãos, não deu sossego à Fifa, ainda embalada pelos gritos de “equal pay” da torcida. “Todo mundo está nos perguntando: e agora, qual é o próximo passo? Então também pergunto: o que nós vamos fazer sobre isso, Gianni? O que nós vamos fazer sobre isso, Carlos?” Gianni é Infantini, presidente da Fifa; Carlos é Cordeiro, presidente da US Soccer; os dois ouviram os gritos assim como o presidente da França, Emmanuel Macron. “É ótimo que todos tenham ouvido já que um pouco de vergonha pública não faz mal a ninguém”, disparou Megan Rapinoe.
De volta aos Estados Unidos, ela e suas companheiras vão desfilar em carro aberto pelas ruas de Nova York mas já avisou que não vai visitar o presidente – no que, aliás, foi sua primeira polêmica neste Mundial. “I am not going to the fucking White House” (“Não vou à porra da Casa Branca”), disse em bom inglês. Donald Trump rebateu, sempre pelo twitter, dizendo que devia ganhar primeiro – mas, depois, disse que o time estava convidado ganhando ou perdendo. Megan Rapinoe ganhou e não vai mesmo: já chamou Trump de machista, misógino, racista e mesquinho. Desde 2016, não canta mais o hino americano em solidariedade ao jogador de futebol americano Colin Kaepernick que ficava sentado ou se ajoelhava na hora do hino em protesto contra o racismo e brutalidade policial contra os negros. Rapinoe chegou a se ajoelhar também durante um jogo da seleção mas, ameaçada de punição, agora só não canta. “Como uma americana gay, eu sei o que significa olhar para essa bandeira e não vê-la como símbolo de proteção à sua liberdade”, afirmou, durante a polêmica, a atacante, ativista LGBT e também campeã olímpica, em 2012.
Os jogos deste Mundial bateram recorde de audiência no Reino Unido – programa mais visto do ano foi a semifinal entre Inglaterra x Estados Unidos -, na França, na Itália, na Holanda e no próprio EUA. No Brasil, as partidas da seleção foram acompanhadas em bares e restaurantes e, pela primeira vez, foram transmitidas ao vivo pela TV Globo. O número de jornalistas credenciados para a Copa na França – 1,3 mil – dobrou em relação ao Canadá quatro anos atrás. O número de patrocinadores aumentou, o valor do patrocínio também. É nessa tecla que bateu Megan Rapinoe com sua coleção de prêmios. “O futebol feminino provou ano após ano, Copa após Copa, que merece investimento. É um tremendo negócio para se investir e apostar no futuro”, disse a bicampeã mundial. É uma esperança para as brasileiras que viram a maior jogadora da história da modalidade – Marta, seis vezes vencedora do prêmio de melhor do mundo – entrar em campo com uma chuteira com o símbolo da campanha #GoEqual, pela igualdade no esporte, depois de recusar propostas de patrocínio muito inferiores a que já recebera no passado e uma fração ínfima do oferecido às estrelas do futebol masculino.
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