Blocos do carnaval de Pernambuco combinam folia e mobilização social

Bloco Nem com uma Flor, no Carnaval de Recife: mensagens e ações contra a violência de gênero (Foto: Andrea Rego / Prefeitura do Recife)

Cerimônia religiosa-cultural Ubuntu e tradicionais Nem com uma Flor e Eu acho é Pouco combatem, respectivamente, intolerância religiosa, violência de gênero e totalitarismo político

Por Adriana Amâncio | ODS 16ODS 5 • Publicada em 15 de fevereiro de 2023 - 08:25 • Atualizada em 24 de fevereiro de 2023 - 09:28

Bloco Nem com uma Flor, no Carnaval de Recife: mensagens e ações contra a violência de gênero (Foto: Andrea Rego / Prefeitura do Recife)

Quando o assunto é impacto social, o frevo, o maracatu e o afoxé, ritmos que imperam no carnaval de Pernambuco, dividem o seu reinado com mensagens e ações sociais. A programação, que tem alegria e mobilização social, é assim: um pé na folia e o outro na impacto social. Há 22 anos, o bloco Nem com uma flor invade as ruas do Recife com uma multidão lilás para dizer não à violência contra a mulher. Fundada em 2001, a agremiação – que tomou emprestado os versos do frevo de Capiba, que diz: ‘sempre ouvir dizer, que em uma mulher, não se bate nem com uma flor” – antecede o carnaval do Recife com muito frevo e prepara os foliões para aproveitarem a festa conscientes de que carnaval bom não tem violência de gênero.

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O bloco Nem com uma Flor volta às ruas do Recife, neste primeiro carnaval após a pandemia da Covid-19, nesta quinta-feira, 16, com concentração na Praça do Arsenal, no Bairro do Recife, às 15h. Ao som de muito frevo, os organizadores prestam informações e divulgam os serviços de atendimento às vítimas de violência. A Secretaria da Mulher do Recife estará com um stand de atendimento, funcionando entre os dias 17 e 21, à noite, ao lado do Paço do Frevo. Nos palcos descentralizados, também serão instalados stands de atendimento às vítimas de violência durante o reinado de Momo.

Afoxé Oxum Panda no primeiro ensaio geral de 2023 do Ubuntu: cerimônia religiosa-cultural, com 26 afoxés, foca no combate à intolerância religiosa e ao racismo (Foto: Tales Pedrosa)
Afoxé Oxum Panda no primeiro ensaio geral de 2023 do Ubuntu: cerimônia religiosa-cultural, com 26 afoxés, foca no combate à intolerância religiosa e ao racismo (Foto: Tales Pedrosa)

Em um misto de festa e religiosidade, o Ubuntu – proteção e paz para o carnaval, um ritual espiritual do Candomblé – purifica as ruas e pede bênçãos aos orixás para a folia do Recife. Ubuntu é uma filosofia africana, que significa eu sou, porque nós somos. Essa mensagem inspira desejos de que o altruísmo e a empatia sejam sentimentos que se sobreponham à violência e à discriminação no carnaval. A programação envolve dois ensaios gerais, encontros que reúnem os 26 afoxés participantes. No domingo de Carnaval, 19 de fevereiro, os afoxés promovem seu segundo (o primeiro foi em 10/02) ensaio geral no Pátio de São Pedro, no bairro de São José.

A programação do Ubuntu inclui ainda a lavagem da Rio Branco, que será realizada também nesta quinta, dia 16 de fevereiro. Ialorixás e babalorixás preparam o Amaci/Omieró, uma mistura de ervas usada na lavagem simbólica ao longo do cortejo pela Avenida Rio Branco até o Marco Zero do Recife. Integrante do Afoxé Oxum Pandá, do terreiro Abassá Bao Oxum, localizado no bairro de Jardim São Paulo, na Zona Oeste do Recife, Jorge Seo destaca que a grande mensagem da cerimônia é o combate ao racismo. “O preconceito contra as religiões de matriz africana está ligado ao racismo, que graças a Deus, no Brasil, é crime. O Candomblé é uma religião brasileira, que tem a matriz na África. Quem nega o Candomblé, está negando a si mesmo. A lavagem [simbólica] é uma prática ancestral que serve para entender o quanto somos diversos. Quem vier para o Ubuntu, vai encontrar muito amor, muito axé, que quer dizer paz”, explica.

Dragão, alegoria histórica do bloco Eu acho é Pouco, nas ruas de Olinda: resistência aos totalitarismos (Foto: Aurélio Velho/Divulgação)

Os ares democráticos que voltaram a pairar no Brasil são o motivo da celebração do bloco olindense Eu acho é Pouco, que volta a animar os foliões no carnaval 2023. Essa, que é uma das agremiações mais tradicionais do carnaval pernambucano, ganhou as ruas pela primeira vez em 1977, pedindo, de forma irreverente, por democracia, em plena ditadura militar. Driblando a repressão, um grupo formado, em grande parte, por arquitetos, engenheiros, advogados e outros profissionais, encontrou na licença poética do carnaval uma maneira de se expressar politicamente, mesmo em meio ao horror da repressão dos anos de chumbo. O bloco é conhecido pelas cores vermelha e amarela, que simbolizam a vibração da folia, mas também as raízes comunistas chinesas, inspiradoras das suas convicções políticas.

A agremiação já está na segunda geração e, hoje, é tocada pelos filhos e netos do grupo fundador. A alegoria, que já se tornou ícone do carnaval pernambucano, é um dragão, que arrasta foliões do mundo inteiro pelas ladeiras de Olinda. Esse dragão foi introduzido à agremiação, em 1986, pelo folião paraibano Breno Matos e caiu no gosto do público. Para este carnaval, o Eu acho é Pouco escolheu o tema “A gente não arreda o pé”, que Segundo a jornalista Luciana Veras, integrante do bloco, tem a ver com a folia e com o momento político atual.

“Essa frase representa a resistência do povo preto, LGBTQIA+, indígena, as mulheres, todos que resistiram aos últimos anos obscuros no Brasil. Mas também representa o nosso compromisso com o carnaval, a gente não larga o carnaval, não arreda o pé do carnaval”, explica. O desfile do bloco Eu acho é Pouco acontece no Sábado de Zé Pereira e na terça-feira de carnaval, dia 21. Aqui tem outras dicas da programação do carnaval de Pernambuco

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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