‘Voltamos ao nível de investimento de 15 anos atrás. É catastrófico’

Físico Ildeu Castro Moreira é reeleito para a presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em meio a penúria de recursos na área

Por Chico Alves | ODS 4 • Publicada em 7 de julho de 2019 - 09:54 • Atualizada em 29 de setembro de 2022 - 12:18

O físico Ildeu Castro Moreira durante o congresso da SBPC no ano passado: 'Em termos de cortes, é o momento mais difícil para a ciência' (Foto: SBPC?Divulgação)
O físico Ildeu Castro Moreira durante o congresso da SBPC no ano passado: ‘Em termos de cortes, é o momento mais difícil para a ciência’ (Foto: SBPC?Divulgação)

Reeleito para a presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o físico Ildeu de Castro Moreira não terá pela frente uma tarefa simples. Depois do último corte (ou contingenciamento, como o governo gosta de chamar) as universidades, principais responsáveis pela pesquisa científica no país, estão com muitas dificuldades para manter seus laboratórios funcionando. essa recomposição orçamentária é uma das prioridades dessa nova gestão á frente da entidade que completa 71 anos. Para isso, apoia a criação da Frente Parlamentar Mista para a Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, composta por integrantes de todas as legendas. “Em termos de cortes, é o momento mais difícil para a ciência”, avalia o físico, que há 44 anos trabalha na área.

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Mas há outros abacaxis difíceis de descascar. A degradação acelerada do Meio Ambiente, um tema caro para a SBPC, é outro problema difícil de solucionar. Às vésperas do Dia Nacional da Ciência e do Dia Nacional do Pesquisador – comemorados no dia 8 de julho, aniversário da SBPC -, Ildeu também se preocupa com o cerceamento às universidades, que têm sua autonomia ameaçada, e busca encontrar uma fórmula para que as pesquisas científicas possam colaborar mais para tirar o Brasil da crise. Tarefas nada simples, que ele detalha nesta entrevista:

#COLABORA – O sr. já vinha reclamando da falta de recursos para a Ciência e Tecnologia. Em qual situação assume esse novo mandato de presidente da SBPC?

Ildeu de Castro MoreiraA instituição vem desde 2014 criticando esses cortes de investimento na área de Ciência e Tecnologia, que foram se acentuando. Em 2017, a situação  piorou, no ano passado caiu um pouco mais e este ano caiu mais ainda. Então, esse contingenciamento de 42%, que na prática se transforma em corte, levou o investimento em Ciência e Tecnologia para a ordem de R$ 3 bilhões, que é menos de um terço que tínhamos há dez anos. Voltamos ao nível de investimento de 15 anos atrás. Isso é catastrófico. Enquanto isso, vemos que outros países que fazem acordo com a gente, como a Alemanha, França, Estados Unidos, Coréia, Japão , China estão aumentando significativamente os recursos para Ciência e Tecnologia. A Alemanha fez agora um projeto para nos próximos dois anos colocar 180 bilhões de euros, o que vai fazer com que os recursos do país para a área seja quase que dobrado em 10 anos.

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Quais os efeitos mais imediatos dessa penúria?

Ildeu –  Estamos perdendo a drasticamente a oportunidade de usar o parque tecnológico brasileiro, que foi  construído com sacrifício ao longo de décadas com muito esforço de universidades, centros de pesquisa, institutos federais. Está havendo uma deterioração clara dos laboratórios.  Muitos jovens estão indo para o exterior, em geral aqueles que se destacam mais. Portanto, o país investe na capacitação de estudantes durante anos em universidades públicas, pós graduação, bolsas da Capes, CNPQ , etc…  e o pessoal acaba indo para para fora. No lançamento da Frente Parlamentar Mista para a Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação , o ministro Marcos Pontes contou que estava no CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire , maior centro de pesquisa de física da Europa, em Genebra) e se encontrou com brasileiros que estão lá. Um deles estava definitivamente. Esse jovem falou para ele: “aqui eu tenho recursos, tenho laboratório  e lá (no Brasil) não tenho”. 

Qual a amplitude desse contingenciamento?

Ildeu – Esses cortes significativos do ministério se estendem por outras áreas. A Capes está cortando bolsas, o orçamento está sendo bastante  reduzido, Inmetro, Embrapa, Fiocruz estão pagando preço alto . Nos estados, as fundações de amparo à pesquisa seguem nessa mesma linha. Se o CNPQ está estrangulado, 90% está congelado, as fundações dos estados vão seguindo. Muitas dessas fundações não estão cumprindo aquilo que a Constituição determina para destinação de recursos, como é o caso do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, quase todos os estados, à exceção de São Paulo. Estamos vivendo um momento muito grave.

O senhor testemunhou algum momento mais desfavorável para a ciência nacional?

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O presidente da República dizer que a pesquisa principal é feita nas universidades privadas, isso é obviamente incorreto. É deturpação clara da realidade, já que 90% da pesquisa no Brasil vem de instituições públicas

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Ildeu – Estou trabalhando com ciência há 44. anos. Em termos de cortes, é o momento mais difícil. Mas quando entrei para a faculdade vivíamos uma ditadura, era difícil por outras razões. Teve um período no governo Collor que foi drástico, o primeiro período do governo FHC também foi ruim , melhorou no finalzinho, quando foram criados os fundos setoriais. Do ano 2000 para cá, tivemos um crescimento, até 2013. Aí começou a descer. Agora está lá embaixo, Nós temos que reverter esse quadro. No lançamento da frente parlamentar, estavam deputados e senadores de todos os partidos, inclusive da base do governo. Todos dizendo que essa situação é insustentável.

O que o senhor acha da argumentação principal do governo para os cortes, que é a falta de recursos?

Ildeu – Claro que o Brasil está vivendo uma crise. É evidente que falta recurso. Mas falta recurso para quê? Porque alguns setores, como o Judiciário brasileiro, que proporcionalmente ao PIB é o que tem mais recursos, mais que Alemanha, EUA, que gastam muito mais que Ciência e Tecnologia. Para dar  exemplo de recursos que são usados em determinadas áreas. Isso é dentro da ótica do governo. Se formos ver como é distribuído o recurso do país, vamos ver que a ciência tem 0,24%. Metade de todos os recursos vai para pagamento de dívidas públicas, uma coisa que ninguém controla. Um recurso gigantesco da população brasileira e ninguém sabe direito as razões para isso, como se define os juros, etc… Existe um montão de dinheiro para o qual não se olha. Se olhar, vai-se perceber que há dinheiro que poderia ser melhor utilizado. Tanto tem recursos que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico recolhe tributos de alguns setores econômicos por lei para pesquisa e desenvolvimento. No entanto, esse dinheiro é usado para outras coisas. Isso é ilegal. 

Esse dinheiro é utilizado com qual finalidade?

Ildeu – O Ministério da Economia é que tem que explicar. Fica lá para a questão se superávit primário, para a questão de dívida pública. Mas não é isso que está na legislação, 90% dos recursos desse fundo está hoje contingenciado, digamos assim, está apagado, está cortado do uso. Isso se estende pelos últimos anos. A Finep, que teria um papel central, está completamente manietada, porque não tem recursos. É só olhar com mais cuidado que vai ver que não é uma questão de falta de recursos. O recurso está sendo desviado da finalidade dele. O que é pedalada fiscal, se quiser usar um termo que se usava tempos atrás.  O que estou falando representa R$ 5 bilhões/ano. Tem também um fundo social do pré-sal. Quando foi criado, estava escrito que uma parcela iria para Ciência e Tecnologia, só que não foi regulamentado pelo Congresso até hoje. Por qual motivo? Porque a área econômica do governo não queria. Agora temos dois projetos de lei, um no Senado e outro na Câmara, que foram aprovadas pelas comissões respectivas para dar 25% desses recursos para a ciência. Existem outros fundos que foram criados para essa área cujos recursos não estão sendo usados. 

Outra argumentação para os cortes é que há projetos supérfluos, que desperdiçam dinheiro público.

Ildeu – Claro que tem. Uma máquina pública espalhada pelo Brasil inteiro… A máquina pública, os próprios tribunais, tem recursos públicos que são mal utilizados, usados de maneira incorreta ou que não atende  objetivo principal. A universidade também tem esses problemas. No mundo inteiro. Não só no Brasil. Nos Estados Unidos e na Alemanha, houve uma renovação nas universidades porque acharam que tinha que ser mais eficiente, ter uma repercussão maior social, no setor  empresarial, ou na inovação tecnológica. A generalidade da crítica é o problema. Parece que as universidades não estão funcionando bem. Uma das coisas que no Brasil funciona melhor na área do setor público são as universidades públicas, a pós-graduação. É claro que tem falhas. Corrija-se. O problema é jogar a criança com a água do banho fora. São usados nessa críticas argumento completamente incorretos. O presidente da República dizer que a pesquisa principal é feita nas universidades privadas, isso é obviamente incorreto. É deturpação clara da realidade, já que 90% da pesquisa no Brasil vem de instituições públicas. Grande parte das pesquisas que são feitas em universidades privadas, como as PUCs,que são as melhores, vêm recursos da Finep, CNPQ e Capes. 

Ildeu de Castro Moreira, recém reeleito presidente da SBPC: ‘Essa é uma campanha nossa: recompor o orçamento do ano que vem. Este ano está perdido.’ (Foto: SBPC: Divulgação)

E como reverter essa falta de recursos?

Ildeu – Estamos travando uma briga insana junto ao Congresso , um poder importante  que decide orçamento. O Congresso tem que mostrar mais autonomia do que vinha mostrando em anos anteriores. Quando vem a Lei Orçamentária,  só se faz correções pequenas, mas não se olha aquilo com o poder de mudar de forma significativa. Um exemplo: o Trump enviou uma proposta de orçamento para  o congresso americano reduzindo bastante o dinheiro para Ciência e Tecnologia. Houve movimentação de democratas e republicanos que mudaram o orçamento. Não só não diminuíram como aumentaram em US$ 20 bilhões o roçamento para ciência. O Congresso tem a prerrogativa. Essa é uma campanha nossa: recompor o orçamento do ano que vem. Este ano está perdido.  O CNPQ tem R$ 300 milhões a menos e, se esse recurso não for recomposto, não haverá recursos para pagar as bolsas até o fim do ano o que seria dramático. 

Quais outras prioridades desse novo período à frente da SBPC?

Ildeu – Temos  a questão das mudanças climáticas, a questão do desmatamento da Amazônia. A SBPC sempre foi atuante na área do meio ambiente e estamos vivendo momentos muito difíceis, de cerceamento inclusive de conselhos.  O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) tinha uma composição muito grande, certamente poderia ser reduzida, só que nessa redução tiraram toda a parte de ciência: não tem mais SBPC, Agencia Nacional de Águas, ICMBIo e o próprio Ministério de Ciência e Tecnologia foi excluído do órgão máximo para a discussão de políticas  públicas nessa área. Discordamos. E tem a área da educação, esse cerceamento às universidades. E temos uma questão de fundo que é permanente, que é como a ciência pode ajudar na recuperação econômica do país. Temos gap grande entre a ciência produzida e a inovação. Tanto que a nossa indústria está lá embaixo, está piorando e não temos política pública adequada para fazer renovação desse parque industrial brasileiro para colocar os cientistas  mais presentes nesse processo. Falta um projeto mobilizador para fazermos a inversão que outros países fizeram. É só comparar com China e com Coreia, que nas décadas de 70, 80 tinham o mesmo PIB do Brasil ou menor. Hoje, a China disputa com os Estados Unidos. É só olhar nesses anos o que eles fizeram e o que nós não fizemos.

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51/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil

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Chico Alves

Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.

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