Bacurau, o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, lançado nos cinemas brasileiros no dia 29 de agosto, explora a resistência e a luta pela sobrevivência de uma comunidade fictícia no sertão de Pernambuco. Para tanto, um elemento muito peculiar participa da narrativa: o Museu Histórico de Bacurau (MHB). Longe disso ser obra do acaso, o Museu é um dos principais cenários da produção – e reflete a própria realidade brasileira.
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Veja o que já enviamosMuseus podem ser entendidos de diferentes formas. A mais comum é bem representada pelo MHB: uma instituição permanente, materializada em um prédio onde podem ser encontrados vários objetos – alguns expostos e outros guardados. Esses artigos, ao serem transferidos para o museu, deixam de ser utilizados para os fins aos quais foram criados e passam a ter função de documentar e testemunhar a realidade de origem.
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Além de colocar Bacurau no mapa, o MHB integra seus moradores ao território e ao tempo, com documentos e informações que são únicos e intransferíveis, produzidos ao longo de gerações para continuarem sendo preservados para as próximas. Nesse sentido, o Museu Histórico de Bacurau dá os primeiros sinais de que funciona ali como instrumento de resistência
[/g1_quote]No caso do MHB, fotografias, jornais, armas de diversos tamanhos e tipos, além de outros utensílios retirados do cotidiano da população local foram selecionados para representar a realidade de Bacurau e seus moradores. É como se ele fosse a carteira de identidade daquele povo, um espaço legítimo e autorizado para Bacurau falar de si para o resto do mundo. Não em vão, na presença de estrangeiros (brasileiros ou não) os nativos perguntavam “vieram visitar/conhecer o museu?”.
Por outro lado, museus são historicamente espaços culturais e científicos privilegiados e, por isso, a existência do MHB tornaria o “esquecido” território de Bacurau em um ponto de interesse aos olhos externos. Assim, ao mesmo tempo, tal recepção por parte dos moradores demonstra uma espécie de atribuição de responsabilidade ao MHB de colocar Bacurau no mapa, como se fosse a única ou mais óbvia possibilidade: se não é pelo museu, é pelo quê, então?
Mas o MHB não funciona a semelhança de uma certidão de nascimento, que se encerra na institucionalização, despreocupando-se com características da personalidade e da história daquilo que precisa certificar a existência. A constituição desse espaço depende diretamente da vontade e da interpretação que a população local faz de si mesma, exaltando memórias, saberes, crenças e líderes, entre outras coisas estabelecidas num determinado espaço e por meio de objetos específicos. Ou seja, além de colocar Bacurau no mapa, o MHB integra seus moradores ao território e ao tempo, com documentos e informações que são únicos e intransferíveis, produzidos ao longo de gerações para continuarem sendo preservados para as próximas.
Nesse sentido, o MHB dá os primeiros sinais de que funciona ali como instrumento de resistência. No longa, são retratadas diversas forças externas que tentam incessantemente apagar Bacurau, biológica e culturalmente: abandono político, ausência de atendimento das necessidades básicas do cidadão, desvalorização da vida e banalização da morte, entre outros. Em oposição, o museu atesta a existência daquele povo singular como parte da sociedade e do mundo, a despeito da História oficial que insiste em esquecê-lo. Além disso, ele enfrenta as forças do tempo, já que nada é para sempre e o museu insiste em lutar contra a morte dos objetos e das narrativas locais associadas a eles.
O caráter de resistência, porém, fica ainda mais evidente quando o MHB passa a ser o cenário determinante da vitória de Bacurau sobre os estrangeiros. Historicamente, os museus são também espaços de conflitos e disputas pelo poder da narrativa. Nesse sentido, Mário Chagas, museólogo e poeta, reconhece, parafraseando Mário de Andrade: “há uma gota de sangue em cada museu”. E é justamente no MHB onde se desenrola uma das cenas mais marcantes e sangrentas da revanche do povo de Bacurau. É no MHB que os moradores de Bacurau, quando atacados, vão buscar seus objetos de luta e devolver a eles as funções primárias para as quais foram criados: fazer guerra. Ao final do conflito, seria inimaginável qualquer outra orientação que não fosse aquela dada pela responsável do MHB de lavar o chão, mas deixar intocadas as marcas de sangue nas paredes.
No mundo dos museus, a resistência pode representar uma categoria específica, onde são enquadrados o Museu das Remoções (RJ), o Museu da Maré (RJ) e o Museu da Abolição (PE). Mas resistir está na essência dos milhares de museus distribuídos pelo território brasileiro. Por um lado, muitos deles compartilham da mesma realidade socioeconômica e política de Bacurau. Por outro, são palcos de uma luta constante contra uma retórica conservadora que conseguiu silenciar minorias durante séculos e censurar exposições até os últimos anos. Isso sem falar do número incalculável de instituições que persistem apesar da falta de verba e apoio do poder público, como o Museu Nacional da UFRJ, que vive apesar do incêndio em setembro de 2018 e dos cortes realizados no primeiro semestre de 2019 pelo governo federal.
Agora, é importante refletir sobre nós: como estamos usando esses espaços de resistência? Como preservamos nossas referências culturais nos museus e como recorremos a elas para resistir? Que gotas de sangue estamos deixando para o futuro?
Como pode dizer que Isa é museóloga?
A mesma pergunta que fiz ao ler o texto que, imprescindível afirmar, o quanto é excelente! A relação entre Bacurau e o Museu Histórico é fundamental no filme. Parabéns, Josiane!
Mas, Karlla, em lugar nenhum está escrito que Isa é museóloga. No artigo, ela é descrita como “responsável pelo museu”. Quem é museóloga é a autora do texto Josiane Kunzler e não a personagem Isa do filme Bacurau.
A autora do texto é bióloga, pós graduada em Museologia, para ser Museóloga ela deve fazer bacharelado em.