Planos de Bolsonaro: rumo ao apagão educacional

Ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro analisa ideias do governo Bolsonaro, que vão de ensino a distância para crianças a banir Paulo Freire

Por Florência Costa | ODS 4 • Publicada em 24 de outubro de 2018 - 08:37 • Atualizada em 23 de novembro de 2018 - 13:19

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Escola sem partido, banir as teorias de Paulo Freire e ensino à distância para crianças: apagão do conhecimento (Foto Tim MacPherson / Cultura Creative)
Escola sem partido, banir as teorias de Paulo Freire e ensino à distância para crianças: apagão do conhecimento (Foto Tim MacPherson / Cultura Creative)

Um apagão de conhecimento ronda o Brasil. Isso não é um problema apenas dos profissionais de educação ou intelectuais. Será um grande abacaxi para os empresários brasileiros descascarem. Se eles já reclamam de falta de mão de obra qualificada, após a implantação do projeto de educação de Jair Bolsonaro será bem pior. Filósofo, cientista político e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro faz uma análise sombria do nosso futuro nessa área, a começar pela promessa do candidato do PSL de “expurgar Paulo Freire” do ensino brasileiro.

Não será a primeira vez que o educador e suas ideias terão sido banidos do país: isso aconteceu em 1964, com o golpe que implantou a ditadura militar no Brasil. Freire (1921-1997) foi obrigado a sair do país. Os militares sabiam – e seus atuais defensores também sabem – que as ideias de um dos mais respeitados pensadores da história da Pedagogia crítica no mundo identificam a alfabetização com um processo de conscientização.

Com o eventual expurgo da metodologia do autor de “Pedagogia do Oprimido”, outro apagão nos afetará: o das liberdades, ressalta o ex-ministro. “Para eles (campanha de Bolsonaro), Paulo Freire simboliza tudo o que se refere a costumes e democratização da sociedade. Isso atemoriza certos meios conservadores talvez até desnecessariamente porque a liberdade não prejudica ninguém. Ao contrário, a liberdade amplia o número de pessoas que podem lutar por sua felicidade”, diagnostica.

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Janine Ribeiro compara esse temor da extrema direita brasileira, que inspira movimentos como o Escola Sem Partido, às mudanças com a ação do Papa Pio IX no século 19 contra a modernidade: “A modernidade para ele era amedrontadora”. Mas depois a Igreja Católica fez as pazes com a modernidade e isso promoveu o seu crescimento moral.

“A Igreja passou a deixar de lado o luxo extremo com que cardeais, bispos e papas se vestiam, foi deixando de lado a preocupação extrema com a liturgia e valorizando cada vez mais a questão ética, da justiça e do respeito ao outro”, lembra o filósofo.  

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As fake news são mentiras. Não precisa dizer em inglês, são mentiras. Então quando uma campanha se escora numa dose muito grande de mentiras, algumas delas escabrosas, é sinal de que não tem nenhuma preocupação ética

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Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Freire é a educação a partir do contexto da vida da pessoa. “Muitas de suas ideias, como essa, são consenso educacional. A educação tem que aproveitar o conhecimento que a pessoa já tem, não pode ser imposta como lavagem cerebral. O que estão propondo é a lavagem cerebral. Trata-se de reprimir a liberdade que foi conquistada a duras penas por muitos grupos da sociedade. É isso que está por trás da questão do Paulo Freire”, constata.

Há uma ausência de preocupação ética da candidatura de Bolsonaro, na opinião de Janine Ribeiro, e o imenso papel das fake news na sua campanha evidencia isso:

“As fake news são mentiras. Não precisa dizer em inglês, são mentiras. Então quando uma campanha se escora numa dose muito grande de mentiras, algumas delas escabrosas, é sinal de que não tem nenhuma preocupação ética”.

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Eu acho que os empresários estão cometendo um tremendo erro. Eles veem no candidato Bolsonaro apenas a pauta que lhes agrada, que é a da privatização. Mas eles não veem a pauta perigosa, que é uma educação ruim, geradora de mão de obra desqualificada.

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O filósofo faz um alerta aos empresários brasileiros ao analisar o programa educacional de Bolsonaro. O país, diz ele, precisa de uma educação que possibilite seus cidadãos refletirem. Essa é a receita para criar mão de obra qualificada e criativa, a mais importante para uma economia emergente como a nossa. O Brasil não deveria continuar criando só mão de obra repetitiva de funções, como vem acontecendo.

“Eu acho que os empresários estão cometendo um tremendo erro. Eles veem no candidato Bolsonaro apenas a pauta que lhes agrada, que é a da privatização. Mas eles não veem a pauta perigosa, que é uma educação ruim, geradora de mão de obra desqualificada.  Se não tivermos mão de obra qualificada como faremos para o Brasil crescer economicamente? Essa é uma das razões pelas quais o Brasil fica atrás dos países desenvolvidos”, alerta.

Os candidatos conservadores, ressalta o ex-ministro,  muitas vezes querem mais ciências e menos humanidades:  “No caso do programa de Bolsonaro, ele quer menos ciência e menos humanidades”. Janine Ribeiro lembra a afirmação de um general da campanha do candidato do PSL sobre a importância de se incluir teorias criacionistas no currículo escolar, lado a lado com teorias científicas.

Outra ideia do candidato que chocou os especialistas foi a de criar a educação fundamental à distância. “O simples fato de essa ideia ter sido cogitada já é muito preocupante porque indica uma falta completa de senso do que é educação”, opina. Tecnicamente, explica ele,  não é possível alfabetizar crianças à distância. Psicologicamente é nessa fase do fundamental (a partir dos 6 anos de idade) que a pessoa mais precisa de uma educação presencial. Para adultos é diferente: eles já têm hábitos de disciplina e atenção:

“As crianças precisam de um adulto controlando. A mãe ou o pai vão ter que parar de trabalhar ou serão obrigados a contratar alguém para cuidar”, raciocina Janine Ribeiro.

Com seu linguajar militarista, Bolsonaro disse que quando entrar no Ministério da Educação, vai usar um “lança-chamas para tirar o Paulo Freire de lá”. Sairemos todos carbonizados.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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