Pedagogia para corações e mentes

Método educacional, orientado pelo Dalai Lama e com a inclusão de temas como treinamento da atenção e cultivo da compaixão, chega ao Brasil

Por Florência Costa | ODS 4 • Publicada em 15 de outubro de 2019 - 11:30 • Atualizada em 15 de outubro de 2019 - 17:23

Desenhos feitos por educadores no workshop do método “Aprendizagem See”, em São Paulo: foco no cultivo das competências sociais e emocionais (Foto: Florência Costa)
Desenhos feitos por educadores no workshop do método "Aprendizagem See", em São Paulo: foco no cultivo das competências sociais e emocionais (Foto: Florência Costa)
Desenhos feitos por educadores no workshop do método “Aprendizagem See”, em São Paulo: foco no cultivo das competências sociais e emocionais (Foto: Florência Costa)

Um programa inovador que educa corações e mentes, desenvolvido pela Universidade Emory, de Atlanta, no estado da Georgia (EUA), desembarcou no Brasil, após ser implantado em escolas de vários países com resultados positivos. É o “Aprendizagem See”, um currículo criado por especialistas em Psicologia, Educação e Neurociência do Centro de Ciência Contemplativa e Ética Baseada na Compaixão da universidade norte-americana. Esse método foca no cultivo das competências sociais e emocionais.

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A elaboração desse currículo educativo contou com a orientação de Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, líder Budista tibetano que vive no Norte da Índia. Mas o programa independe de o aluno ter religião ou não. O método, que inclui temas como o treinamento da atenção, o cultivo da autocompaixão e da compaixão por outros, tem sido aplicado há dois anos em salas de aula nos EUA, Europa e Índia com alunos de cinco a 18 anos.

[g1_quote author_name=”Brandon Ozawa” author_description=”Coordenador do programa Aprendizagem See na Universidade de Emery” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O currículo incorpora o que há de melhor nos diferentes pensamentos pedagógicos, que incluem aprendizado emocional e social, mindfulness, e paz na educação. Não precisamos usar a religião para chegar a valores humanos básicos, como compaixão, perdão e generosidade

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O currículo baseia-se na constatação de que uma educação completa deve ajudar os alunos a cultivar caráter e discernimento ético, e não meramente habilidades práticas. Brendon Ozawa, diretor do programa na Universidade Emory, explica que ele é adaptável a diversas culturas.

“O currículo incorpora o que há de melhor nos diferentes pensamentos pedagógicos, que incluem aprendizado emocional e social, mindfulness, e paz na educação. Não precisamos usar a religião para chegar a valores humanos básicos, como compaixão, perdão e generosidade”, diz Ozawa, que é formado em Pedagogia, com especialização em emoções na pesquisa de meditação.

“Não se trata apenas de contar às pessoas que é preciso ser bom. Os estudantes investigam e eles mesmos entendem que é mais produtivo ser compassivo”, contou.  Ozawa dirigiu, em São Paulo, um workshop entre os dias 10 e 14 de Agosto, no Colégio Sidharta, no município de Cotia, do qual participaram 80 educadores brasileiros e representantes de ONGs ligadas à educação.

Cerca de 80 professores de todo o país participaram do workshop no Colégio Sidharta, em Cotia (SP): método para ajudar os alunos a cultivar caráter e discernimento ético (Foto Divulgação)
Cerca de 80 professores de todo o país participaram do workshop no Colégio Sidharta, em Cotia (SP): método para ajudar os alunos a cultivar caráter e discernimento ético (Foto Divulgação)

Os educadores brasileiros se mostraram muito interessados em questões mais profundas relacionadas ao programa, como a sua base filosófica, que tem dois pilares: a humanidade e a interdependência. “Todos queremos ser felizes, mas somos interdependentes. Não podemos ter felicidade independentemente dos outros”, explicou Ozawa.

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A ideia é formar novas gerações mais confiantes e emocionalmente mais compassivas. Daí a necessidade de currículos escolares que trabalhem a inteligência emocional, social e ética

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Após mais de 20 anos de diálogo com cientistas e educadores, o Dalai Lama pediu à universidade para criar um programa de ética e valores humanos fundamentado no bom senso, na experiência compartilhada e na comprovação científica, explicou Tsewang Phuntso, diretor da Tibet House Brasil, sediada em São Paulo, e representante do líder budista na América do Sul.

O primeiro teste experimental foi feito com crianças de rua de Dharamsala [cidade no Norte da Índia, onde vive o Dalai Lama], contou Phuntso. “A ideia é formar novas gerações mais confiantes e emocionalmente mais compassivas”, explicou.  As razões para os problemas sociais que afligem as sociedades, como violência e degradação ambiental, estão relacionadas a valores dos seres humanos. “Daí a necessidade de currículos escolares que trabalhem a inteligência emocional, social e ética”, acrescentou Phuntso.

[g1_quote author_name=”Renata Moura” author_description=”Coordenadora pedagógica do Centro Universitário Uniamérica” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Temos 60 adultos no nosso centro e queremos trabalhar esse programa com eles também. É preciso trazer outras memórias, de amor, de afeto, de compaixão. A metodologia é muito rica; não se trata de falar sobre empatia, mas vivenciá-la

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O método já conta com facilitadores em escolas parceiras nas Américas, na Europa, no Sul da Ásia e no Oriente Médio. O primeiro país da América do Sul a entrar no projeto foi o Chile, onde 70 educadores já participaram dos workshops. Em setembro, foi a vez da Colômbia.

Apesar de ser utilizado em escolas desde 2017, foi em abril deste ano que houve o lançamento internacional do programa, em um evento em Nova Délhi, capital da Índia, com a presença de representantes de 37 países e de especialistas como Daniel Goleman, autor do livro “Inteligência Emocional” e do prêmio Nobel da Paz Kailash Satyarthi, que dedica a sua vida à defesa dos direitos das crianças. Cinco mil escolas governamentais da Índia já aplicam o programa.

O tibetano Tsewang Phuntso, e os americanos Brendan Ozawa e e Lindy Settevendemie, da Universidade Emory: método criado sob a orientação do Dalai Lama (Foto: Florência Costa)
O tibetano Tsewang Phuntso, e os americanos Brendan Ozawa e e Lindy Settevendemie, da Universidade Emory: método criado sob a orientação do Dalai Lama (Foto: Florência Costa)

Mário Valle, coordenador do Programa de Desenvolvimento  Educacional do Senac, com 4.500 professores e 60 unidades no estado de São Paulo, disse que vai aplicar a experiência no ensino médio da rede. “Eu gostei muito da metodologia construtivista. A gente não dá aula sobre os temas, mas constrói com os alunos os conceitos a partir da experiência. É um programa de autoconhecimento e compaixão plena. O aluno passa a ter perspectiva de acolhimento do outro como ele é”, afirmou.

Renata Moura, coordenadora pedagógica do Centro Universitário Uniamérica, de São José dos Pinhais (PR), que também participou do workshop, contou que pretende assumir um desafio: aplicar o método com adultos. “Temos 60 adultos no nosso centro e queremos trabalhar esse programa com eles também. É preciso trazer outras memórias, de amor, de afeto, de compaixão. A metodologia é muito rica; não se trata de falar sobre empatia, mas vivenciá-la”, opinou.

Paulo Thiago Santos Gonçalves, professor de História na Unidade de Internação Provisória de São Sebastião, em Brasília, trabalha com meninos entre entre 13 e 18 anos de idade. Ele conta que ao conhecer este programa por uma plataforma online, começou a aplicar o primeiro capítulo, intitulado “Criando bondade e compaixão”. No total, são sete lições. Deu certo.

“Foi fantástico como esse método criou um ambiente de diálogo e segurança. Os alunos reagiram de forma positiva com choro, abraços e muita empatia, em um ambiente masculino que normalmente encara a emoção como fraqueza”, lembrou Gonçalves, que coordena projetos pedagógicos na unidade. “Eu acho muito importante implantar a educação emocional nas escolas brasileiras, é uma necessidade urgente. Espero que esse programa se espalhe pelo país”, disse Gonçalves.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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