Foi tensa a noite do último sábado, 22, para os alunos que ocupam a Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado. O prédio histórico, construído por volta de 1870 e que faz parte de um grupo seleto de oito construções no Rio de Janeiro conhecido como “escolas do imperador”, passou a tarde cercado de policiais militares. O temor dos alunos era que o colégio fosse desocupado com a mesma truculência usada pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, que, naquela madrugada, havia lançado mão da força para retirar os estudantes que ocupavam a Secretaria estadual de Educação (Seeduc). A operação da PM não teve autorização judicial e foi duramente criticada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
A suspeita de que a escola poderia ser o próximo alvo se espalhou durante o dia como rastro de pólvora. Pelas redes sociais e grupos de whatsapp a mobilização em defesa dos alunos começou a ser articulada. No fim do dia, um grupo de 200 pessoas foi para a porta da escola a fim de garantir a segurança e a integridade física dos estudantes. Eram artistas, familiares, jovens, moradores das redondezas, pessoas que estavam em outra ocupação, como o Ocupa Minc, e professores. Muitas delas dormiram na porta da escola, ao relento na praça, dispostas a fazerem um cordão humano para proteger os estudantes de uma possível invasão.
[g1_quote author_name=”Gabriel Richard´s” author_description=”líder da ocupação no Amaro Cavalcanti” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Nossa resistência é pacífica. E o que queremos é uma escola pública de qualidade
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Veja o que já enviamosA Amaro Cavalcanti vem sendo protagonista do movimento estudantil secundarista no Rio de Janeiro. Originalmente deflagrada em São Paulo, em novembro passado, a estratégia de ocupação contagiou, em efeito dominó, os estudantes cariocas. A primeira escola do Rio de Janeiro a adotar a tática, no entanto, não foi a escola do Largo do Machado, mas o Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador. Desde que o movimento de ocupação foi deflagrado na cidade, ele atingiu 78 escolas, das quais quatro delas já foram desocupadas. Apenas dois colégios na zona Sul estão ocupados pelos alunos: o Amaro Cavalcanti e o André Maurais, na Gávea. Em São Paulo, o movimento envolveu 200 escolas e os alunos saíram às ruas em protesto contra a reorganização escolar proposta pelo governo do Estado. A mobilização levou à queda do secretário de Educação e obrigou o governador Geraldo Alckmin a suspender seus planos reformistas.
– Nossa resistência é pacífica. E o que queremos é uma escola pública de qualidade – defender Gabriel Richard´s, um dos líderes do movimento de ocupação no Amaro Cavalcanti.
Do conjunto de reivindicações dos alunos, apenas duas delas já foram atendidas: eleições diretas para diretor da escola e o fim do sistema de avaliação bimestral seguida pelo Estado para avaliar a qualidade do ensino, o chamado Saerj e Saerjinho. O fim do currículo mínimo e obras de infraestrutura na escola são demandas ainda pendentes. A ocupação do Amaro Cavalcanti não tem data para terminar e os alunos contam com o apoio dos professores no movimento – aulas coletivas, e extra oficiais, estão sendo dadas na escola, apesar de os professores estarem em greve desde o último dia 21 de março.
A secundarista Gabriela Monteiro se emociona quando fala sobre a ocupação na Amaro Cavalcanti. É a primeira vez na vida que a jovem, de 17 anos e moradora de Del Castilho, está fazendo política. Sim, ocupar escolas também é fazer política. Neófita de assembleias, está aprendendo rápido e já percebeu que, para ser ouvida, precisa falar alta. E, sobretudo, em conjunto. No último sábado, quando ela e seus colegas temiam uma invasão da PM foram para a porta da escola e lançaram mão da ferramenta mais antiga de comunicação: o microfone humano. Deu certo. Foram ouvidos do outro lado da praça e as pessoas que transitavam pelo Largo do Machado foram se aproximando, aos poucos, para entender o que estava acontecendo.
Enquanto denunciavam a possível tentativa, um representante o subsecretário de Educação, Mário Rocha, ligou para a escola. Os alunos não tiveram dúvida. Reproduziam a conversa ao telefone em alto e bom som pelo microfone humano e, em resposta, o interlocutor da Seeduc ouviu que suas palavras não tinham credibilidade. A mesma promessa fora feita aos estudantes que ocupavam a Seeduc e, no entanto, a operação de desocupação foi implacável. A PM acabou se retirando do local após a ligação telefônica.
Gabriela admite que preferia estar em aulas, já que o movimento vai atrasar o ano letivo dos estudantes das escolas públicas. Mas não se importa: “O currículo mínimo é um absurdo. O aluno acaba não aprendendo nada”. No dia em que a ocupação foi aprovada em assembleia, apenas os alunos no turno da noite – estudantes do terceiro ano – foram contrários ao movimento. Os secundaristas que estão ocupando as escolas no Rio são filhos de faxineiras, costureiras, desempregados, funcionários públicos e empregados de estatais. A maioria é morador de favela ou mora em bairros pobres. Sabem que estudar em escolas particulares não cabe no orçamento familiar. Sabem também que algumas das reivindicações depende de verba. O discurso de que o estado está sem dinheiro não é resposta para eles. “Não acreditamos neste blábláblá. A ocupação continua”, conclui Gabriela.
O movimento de ocupação das escolas públicas representa um dos mais importantes e significativos avanços no campo da cidadania e da educação, por se tratar de uma ação organizada por jovens reivindicando que seus direitos seja respeitados na sua integralidade, não apenas como uma formalidade. Exijem que a Educação tenha compromissos com a qualificação de suas vidas e com a realidade em que estarão inseridos. A forma respeitosa com que lidam com as instalações, com os profissionais que atuam na escola e com as autoridades precisa ser reconhecida como um significativo avanço, um amadurecimento impar sobre o papel das escolas, dos gestores, da administração pública e do estado. Considero este movimento digno de medalha de ouro na olimpíada da cidadania e do compromisso com a ética.