ODS 1
Novo ensino médio: bom para quem?
Liberdade de escolha de matérias não tem como dar certo na escola pública
Não importa mais o que aconteça. Sempre haverá, no mínimo, duas versões: a da esquerda e a da direita. Se não há fatos e somente narrativas como defendem muitos filósofos, temos hoje, ao menos, duas verdades contraditórias coexistindo. Para exemplificar isso, tratarei do assunto tão em voga que é a reforma do ensino médio por meio de uma medida provisória instituída pelo Ministério da Educação, que será votada na Câmara e no Senado.
É nítida a necessidade de mudança no ensino médio. Os problemas que enfrentamos são gravíssimos. Vão desde um currículo que é extremamente superficial, onde a maioria do que é ensinado não tem a menor utilidade para a vida prática, até a deficiência na infraestrutura, passando pela falta de professores capacitados. As mudanças que se vislumbram, no entanto, dependem dos interesses de quem as formula. O ponto é se transformações que estão indicadas na medida provisória vão tornar a escola pública melhor ou pior, já que as particulares tendem a sobreviver e a salvar seus alunos pagantes sob condições adversas.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]Podemos esperar que haja um ensino puramente instrumental nas escolas públicas, que irá de encontro ao princípio constitucional da igualdade de condições de acesso e permanência
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Veja o que já enviamosA nossa realidade hoje é que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 60% dos jovens brasileiros terminam esta etapa de escolarização. Os motivos para evasão são vários. Estamos falando de muitos jovens de baixa renda que trocam com frequência os estudos por um trabalho precário ou de meninas que engravidam já na adolescência. Porém, ainda que não sejam essas as razões, grande parte dos jovens afirma que a escola é desinteressante ou irrelevante para a sua vida.
Com essa medida provisória, o currículo foi flexibilizado, como ocorre, vale observar, nos países mais avançados no campo da educação. Ou seja, somente português e matemática serão obrigatórios, as outras disciplinas serão optativas. “Flexibilização” é uma palavra, diria, do bem, pois permite a personalização nessa etapa de escolarização. No entanto, no Brasil, diferentemente de outros países, as escolas não terão obrigatoriedade de oferecer todas as disciplinas. Se uma escola em determinado bairro, por exemplo, achar que não deva oferecer filosofia pela falta de procura, assim poderá fazer. E se o aluno quiser? Poderá procurar outra escola. Sabemos, no entanto, que isso não é tão simples para muitas pessoas.
Precisamos, sem dúvida, enxugar os conteúdos de acordo com os interesses de formação de cada um. Porém, ao ler a medida provisória, podemos entender que poderá haver uma redução no que será ensinado em quantidade e qualidade, já que em várias partes vemos de forma explícita o interesse de atender ao mercado e não ao crescimento intelectual do aluno. Oficialmente, não foi decretado o fim de nenhum conteúdo, de nenhuma disciplina. Porém, o que foi publicado destaca que artes e educação física serão indispensáveis aos ensinos infantil e fundamental, sem mencionar a sua importância no ensino médio. Podemos esperar que haja um ensino puramente instrumental nas escolas públicas, que irá de encontro ao princípio constitucional da igualdade de condições de acesso e permanência e de alcance dos níveis mais elevados de ensino.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]O fato de a medida provisória assumir que a escolha da especialidade que o aluno fará depende do interesse dele nos leva a questionar como se dará isso se os pobres nunca tiveram a mesma liberdade de escolha dos ricos, e que aos primeiros serão oferecidas apenas opções como técnicos. Do ponto de vista prático, a escolha será para quem ele vai servir e não em que quer trabalhar
[/g1_quote]A reforma do ensino médio vem, de fato, sendo debatida há anos por especialistas e técnicos do MEC na Comissão Especial de Educação do Congresso, desde o Governo Dilma. O que muitos não esperavam é que a mudança viesse a galope, em forma de uma medida provisória, num momento em que temos como protagonistas nomes como Mendonça Filho, Maria Helena Guimarães de Castro ou Rossieli Soares da Silva, considerados por muitos como administradores e não educadores em sua essência. O fato de os protagonistas dessa mudança terem dialogado com representantes do Escola sem Partido não ajudou a recebermos essa medida provisória sem desconfiança, já que esse projeto não deveria sequer ter espaço em uma sociedade que zela pela democracia.
A medida provisória aumenta a carga horária de 800 para 1400 horas e promete escola de tempo integral. As escolas integrais exigem muito mais recursos e apoio pedagógico. Precisaremos de professores com jornada completa, com salários e carreira compatíveis, novas metodologias e um novo currículo que integre ciência, tecnologia, cultura e trabalho. Sem que isso seja feito, nossos alunos terão grandes chances de serem submetidos a uma série de conteúdos dispersos.
Por fim, o fato de a medida provisória assumir que a escolha da especialidade que o aluno fará depende do interesse dele nos leva a questionar como se dará isso se os pobres nunca tiveram a mesma liberdade de escolha dos ricos, e que aos primeiros serão oferecidas apenas opções como técnicos. Do ponto de vista prático, a escolha será para quem ele vai servir e não em que ele quer trabalhar.
No mais, uma mudança sempre causa desconforto. Ainda que tenhamos a certeza de que seja para melhor (o que não é o caso), o medo nos ronda em todo o processo. Diante do cenário em que nos encontramos, pleno de notícias que nos mostram que está cada vez mais restrito o número de pessoas nas quais podemos confiar, é normal que uma medida provisória como essa venha acompanhada não somente de resistência, mas de críticas de todas as espécies, inclusive, as que procedem e as que alertam.
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Vencedora do Prêmio Saraiva Literatura, doutora em Filosofia pela Uerj, mestre em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ, graduada em Física pela UFRJ, professora e coordenadora de Física do Cefet/RJ. Autora de nove livros, entre eles: História da Física na Sala de Aula – publicado pela Editora Livraria da Física, 2009 - e Minha Vida é um Blog Aberto – publicado pela Editora Saraiva e vencedor do prêmio Saraiva Literatura na categoria crônicas, 2015.
Maravilha de texto, de reflexão e de educadora!!
Texto fraco e genérico
É muito preocupante. Precisamos urgentemente de uma reforma, uma não, várias reformas. Mas reformas pensadas, estruturadas. Propõem uma reforma desta, que necessitará e muito de recursos (imaginem quantas escolas integrais, quantas deverão ser construídas para comportar tantos alunos que seriam realocados) e ao mesmo tempo querem uma medida que cortem os gastos da educação…. com certeza nada de bom sairá.