ODS 1
Felipe Neto e a saúde mental dos jovens: “Quero estar em cada escola do Brasil”
Influenciador com mais de 90 milhões de seguidores cria instituto para atuar em parceria com ensino público com foco em saúde mental e educação digital
Em um mundo onde o digital se entrelaça com as angústias da juventude, Felipe Neto, 36 anos, emerge não apenas como o criador de conteúdo mais expressivo das redes no Brasil, com 46,9 milhões de inscritos só em seu canal no Youtube e mais de 34,5 milhões de seguidores no Instagram e Twitter. O também empresário e escritor, nascido no Engenho Novo – bairro que sedia o estádio de seu time, o Botafogo – chega em 2025 com trajetória marcada por quase 15 anos de interação com o público, culminando agora na criação do Instituto Felipe Neto
A iniciativa, lançada em outubro, tem como objetivo dar respostas à crescente crise de saúde mental que assola os jovens. “Conquistei muita coisa e hoje sinto que tenho como uma obrigação para a sociedade e para o meu público devolver uma parte disso”, afirma o incluenciador, apontando a motivação que impulsiona este novo capítulo em sua vida. A decisão de focar nos jovens não é arbitrária, mas sim um reflexo da realidade alarmante apresentada pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância): “mais de 1 em cada 7 adolescentes de 10 a 19 anos vive com um distúrbio mental diagnosticado“. O suicídio, uma sombra constante, ceifa a vida de quase 46 mil adolescentes anualmente.
Felipe, com sua própria experiência com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), diz compreender as dores e angústias desse público e quer transformar vivências em ação. “Por sempre ter sido aberto sobre meus próprios problemas de saúde mental, muitas pessoas se sentem seguras de me confidenciar suas maiores dores. Então, decidi agir na origem, dentro das escolas’’, afirma.
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Com este cenário, o Instituto Felipe Neto tem como norte três pilares principais: Vida, Vero e Vamo. O primeiro foca na saúde mental, criando espaços acolhedores nas escolas e oferecendo ferramentas, como o aplicativo Hug para auxiliar no cuidado emocional. O segundo aborda a educação midiática, buscando ensinar os jovens a navegarem de forma segura e crítica no mundo digital, por meio de iniciativas como o curso Fake Dói. Já o pilar Vamo se dedica à filantropia, promovendo ações solidárias em momentos de vulnerabilidade social. Há ainda ações como o Espaço Vida, que fortalece a escola como um ambiente de saúde mental, e o programa Nossas Vozes, que capacita influenciadores para promover a educação midiática em suas comunidades.
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Veja o que já enviamosA visão de Felipe para o futuro é ambiciosa: ele almeja que o instituto seja um catalisador de mudanças, preparando a rede pública de ensino para lidar com as questões de saúde mental dos alunos e integrando a educação midiática no currículo escolar. “O mundo mudou muito rápido, as escolas precisam acompanhar. E estaremos aqui lutando por isso, apoiando, ajudando”, afirma Felipe, assumindo um compromisso de longo prazo com essa causa.
#Colabora – Felipe, o que o motivou a fundar o Instituto Felipe Neto? Você poderia nos contar um pouco sobre a trajetória que o levou da criação de conteúdo para a criação de uma ONG voltada para a saúde mental e educação midiática?
Felipe Neto – São quase 15 anos criando conteúdo, conversando e levando entretenimento para o meu público. A criação do Instituto Felipe Neto passa muito pelo amadurecimento que tive durante essa trajetória. Conquistei muita coisa e hoje sinto que tenho como uma obrigação para a sociedade e para o meu público devolver uma parte disso. Meu primeiro movimento nesse sentido foi com o Instituto Vero, uma organização fundada há quase cinco anos com o objetivo de criar projetos de educação digital no Brasil, promover o uso consciente da internet e combater a desinformação. Também costumo fazer campanhas de arrecadação de dinheiro para apoiar em grandes tragédias, como foi no Rio Grande do Sul, e para a reconstrução das bibliotecas escolares, quando fizemos a maior doação da história do Catarse. Mas eu sempre quis ter um projeto social próprio, algo que atue em áreas que eu considere urgentes e onde tenha a possibilidade de colaborar para uma transformação. Quando pensei nisso, percebi que precisava atuar na área da saúde mental, justamente por saber que grande parte das mensagens que recebo do público jovem pedindo ajuda é relacionada a problemas como depressão, ideação suicida e automutilação. Por sempre ter sido aberto sobre meus próprios problemas de saúde mental, muitas pessoas se sentem seguras de me confidenciar suas maiores dores. Então, decidi agir na origem, dentro das escolas. Acredito que o Instituto Felipe Neto possa fazer esse papel. Existe uma necessidade urgente de oferecer um suporte adequado. Durante o desenvolvimento do trabalho entendemos que precisaríamos voltar algumas casas, atuar no nascedouro do problema e não no efeito. E assim será feito neste início. E como não poderíamos deixar de lado a educação midiática, o combate à desinformação e essa guerra necessária contra as fake news, decidi trazer o trabalho do Instituto Vero para dentro do Instituto Felipe Neto. Então esse trabalho que é super importante e tem muita relação coma crise da saúde mental segue também como prioridade do nosso trabalho.
#Colabora – O instituto tem como foco principal os jovens. Por que essa escolha? A sua própria experiência com TDAH e as mensagens de seus seguidores tiveram influência nessa decisão?
Felipe Neto – A crise de saúde mental é global e atinge todas as idades, mas entre jovens e adolescentes o cenário é ainda mais preocupante. Em 2021, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) publicou o estudo “A situação mundial da infância 2021”, que alerta para a questão da saúde mental na população jovem mundial, tanto pré quanto durante a pandemia. De acordo com o relatório, mais de 1 em cada 7 adolescentes de 10 a 19 anos vive com um distúrbio mental diagnosticado. O suicídio é uma das principais causas de morte para esse grupo etário: quase 46 mil adolescentes morrem dessa maneira por ano; 22% das(os) adolescentes e jovens brasileiras(os) de 15 a 24 anos disseram se sentir muitas vezes deprimidas(os) ou com pouco interesse em fazer coisas. Esse cenário está refletido nas redes sociais e nas mensagens que recebo. Eu tinha o diagnóstico, mas não sabia o que fazer. Foi quando busquei ajuda de profissionais habilitados, com experiência em projetos sociais e em questões de saúde mental, e decidimos montar o Instituto Felipe Neto com esse campo de atuação.
#Colabora – Parte dos jovens atendidos moram na Rocinha, lugar onde eu nasci e cresci. Porque acredita ser tão importante pessoas que nem sempre tem acesso, serem agora impactadas por uma iniciativa como esta?
Felipe Neto – Quando decidimos o formato do Instituto Felipe Neto e decidimos que o trabalho seria desenvolvido dentro de uma escola pública no município do Rio fomos conversar com o secretário municipal de Educação, o Renan Ferreirinha. Ele foi muito receptivo à proposta, entendeu de cara o nosso objetivo e pediu que a primeira escola a receber nosso trabalho fosse a EM Desembargador Oscar Tenório, na Gávea. Essa escola estava com os piores resultados no IDEB e com um histórico recente de violência entre os alunos. Era necessário uma intervenção e o nosso trabalho se encaixava perfeitamente com o que a gestão precisava. E foi realmente o que aconteceu. Os primeiros números, que vamos divulgar em breve, estão impressionantes. Nosso trabalho, aliado a uma série de intervenções de um novo comando na escola, transformou o cenário. O público dessa escola é basicamente de meninos e meninas das áreas mais pobres da Rocinha. Nosso time foi na comunidade, conheceu de perto a realidade dos alunos, nos aproximamos das famílias. Acreditamos muito nesse trabalho completo: aluno, escola e família. Estive com o Preto Zezé recentemente e ele falava sobre a importância do nosso trabalho para o povo mais pobre, falamos muito sobre a possibilidade de ofertar um trabalho psicológico a quem não tem acesso a esse tipo de tratamento. Estamos dentro da escola dando oportunidade dessas crianças trabalharem com profissionais que, pelo custo, elas não teria acesso. Todo mundo precisa de terapia. No nosso caso é uma terapia coletiva, um tratamento preventivo. Não trabalhamos a patologia. Mas fazemos um incrível trabalho de valorização da vida e das habilidades que cada um tem. Tem funcionado!
#Colabora – O aplicativo HUG e o Espaço Vida são dois projetos importantes do Instituto. Poderia explicar melhor como eles funcionam e quais os seus objetivos? Que tipo de suporte eles oferecem aos alunos em relação à saúde mental e educação midiática?
Felipe Neto – Temos três pilares dentro do Instituto Felipe Neto: Vida, Vero e Vamo. Cada um tem a sua importância. O Espaço Vida é um ambiente seguro e acolhedor onde os alunos estão tendo a possibilidade de compartilhar suas preocupações e receber apoio. Junto com a direção da escola fizemos uma grande intervenção física para que o Espaço Vida se transformasse num ambiente lindo, acolhedor, de onde as crianças não querem sair. Dentro do Espaço Vida oferecemos suporte direto aos estudantes, com aconselhamento individual, grupos terapêuticos e atividades voltadas para a promoção da saúde mental. O pilar Vero também funciona dentro do mesmo espaço, oferecendo atividades de educação midiática, relação com a internet e suportando a relação dos alunos com os celulares que também foram fornecidos pelo Instituto. O aplicativo HUG, desenvolvido integralmente pela equipe do Instituto Felipe Neto, foi instalado em cada aparelho e oferece conteúdos educativos, ferramentas de autoavaliação e direcionamento para recursos de apoio. É uma ferramenta acessível no apoio à promoção da saúde mental e educação midiática. O uso ainda é supervisionado e dentro do app HUG os alunos têm acesso a conteúdos sobre Saúde Mental e Educação Midiática, um diário de emoções que é atualizado diariamente, um chat e o botão de acolhimento para momentos mais graves, quando o aluno sinaliza que precisa de uma atenção maior das nossas tutoras.
#Colabora – Com a proibição de celulares em escolas municipais do Rio, como o Instituto pretende abordar a educação midiática de forma prática e relevante para os alunos? Quais as estratégias para engajar os jovens em um ambiente sem o uso direto do celular?
Felipe Neto – Esse é um assunto pelo qual temos muito interesse e sobre o qual temos conversado bastante com o Renan Ferreirinha, primeiro secretário a proibir o celular na rede e relator do projeto na câmara dos deputados que pretende proibir o celular nas escolas em todo o Brasil. Pessoalmente, acho a palavra proibir muito forte em qualquer circunstância. Óbvio que a utilização do celular dentro da sala de aula precisava de regulamentação. Ouvimos relatos de muitos professores sobre o quanto estava inviável eles trabalharem tendo que concorrer com os celulares e seus atrativos. Isso não se discute. Agora o que temos levado para o Renan e quero ampliar essa conversa é sobre a necessidade de ampliar a educação midiática nas escolas públicas. Quando proibimos apenas e não ensinamos, assim que a aula acaba e o aluno volta para casa, ele abre o celular e fica novamente à mercê de todas as violências que as redes podem trazer. É necessário discutir uma forma de ensinarmos na escola sobre essa relação com o celular, seus benefícios e malefícios. Precisamos ensinar sobre fake news, sobre bullying cibernético e sobre tudo o que as redes oferecem. Mas os professores ainda não estão qualificados para isso, muitos não têm relação com as redes e não sabem como usar, muito menos serão capazes de ensinar. Então é preciso um esforço coletivo, à nível federal, para capacitação do corpo docente para a educação midiática. É um lugar que quero muito colaborar, temos conversas abertas com o Ministério da Educação, com o ministro Camilo Santana. É um lugar que quero ajudar com o trabalho do Instituto Felipe Neto.
#Colabora – O programa piloto na Escola Municipal Desembargador Oscar Tenório tem previsão de duração? Quais os critérios que serão utilizados para avaliar a eficácia da metodologia e como se dará a expansão para outras escolas?
Felipe Neto – Não existe uma previsão de duração. Fizemos uma intervenção física na escola, fincamos bandeira, estaremos por lá durante muito tempo. No cenário ideal a equipe do Instituto capacitaria o corpo docente da escola e teria como se deslocar para atuação em outra localidade, mas esse não é um cenário realista para agora. Por enquanto nosso time estará dentro da Oscar Tenório por tempo indeterminado. Estamos medindo nos mínimos detalhes o nosso impacto na escola. Fazemos pesquisas constantes desde o marco zero. Em breve vamos divulgar esses números, mas posso adiantar que são muito positivos.
Quanto à expansão, ela é necessária. Criamos o Instituto Felipe Neto nesse modelo exatamente para facilitar a expansão, para que nosso trabalho seja capaz de atender cada vez mais jovens em todo o Brasil. Nesse primeiro momento, nosso time estava testando a metodologia, errando e acertando. Acredito que chegamos em algo realmente transformador e já somos capazes de levar o trabalho do instituto para outras escolas, outros municípios e outros estados do Brasil. Estamos com algumas conversas em andamento, algumas bem adiantadas e essa expansão vai começar já no início do próximo ano.
#Colabora – O instituto pretende atuar em outras áreas além da saúde mental e educação midiática? O pilar “Vamo” sugere ações filantrópicas. Poderia nos detalhar os planos do instituto nesse sentido?
Felipe Neto – Vamos tentar focar em Saúde Mental e Educação Midiática, mudando apenas o formato, nos adaptando às necessidades locais. Tentaremos ser fiéis ao que nos preparamos para transformar. Não faremos nada meia boca, não faremos nada apenas por fazer. Quero intervenções que realmente mudem a realidade das pessoas, que realmente ajudem. Então não pretendemos mudar o nosso foco. O pilar Vâmo está dentro desse planejamento inicial, será o nosso braço de filantropia. Tenho feito esse trabalho de captação de dinheiro para atuação em grandes tragédias. O que vamos fazer no pilar Vâmo é organizar isso, transformar essa filantropia em uma atuação mais organizada e com propósito, pronta para atuar quando o Brasil precisar, seja lá onde for. Nunca queremos uma nova tragédia no país, mas sabemos que ela virá. E quando chegar estaremos prontos para atuar. Mas ela ainda está muito no início.
#Colabora – Como o instituto se financia? Há planos para parcerias com o governo ou outras instituições?
Felipe Neto – Atualmente o financiamento do Instituto Felipe Neto é 100% próprio, com o dinheiro saindo do meu bolso. Criamos um site para receber doações e uma coleção de camisas em que todo o lucro com a venda será destinado para as ações do instituto. Vou seguir financiando o Instituto, os testes de metodologia, as inovações, pagando o time que está envolvido, mas espero contar com parceiros para a ampliação desse atendimento. Sozinho, não vou conseguir levar o trabalho do instituto para todo o Brasil. Para esse movimento mais macro contamos com todo o tipo de ajuda, principalmente nas empresas privadas, através de incentivos fiscais ou dinheiro direto, e fundos internacionais com foco em sustentabilidade e causas sociais. Estamos abertos para essas parcerias. Quantos mais gente se envolver nessa causa, mais rápido a gente cresce e mais rápido atingimos mais jovens.
#Colabora – Qual a sua visão de futuro para o instituto? Onde você espera que o Instituto esteja daqui a 5 ou 10 anos? Quais os seus maiores sonhos para esse projeto?
Felipe Neto – Nosso sonho é fazer parte de um movimento para uma nova geração com menos problemas de saúde mental e com uma relação melhor com as redes sociais. Quero muito fazer parte da mudança desse cenário que hoje ainda é muito preocupante. Minha visão para um futuro próximo é dar escala para a nossa metodologia, é preparar a rede pública de ensino para lidar melhor com as questões relacionada à saúde mental dos alunos. Quero estar em cada escola do Brasil, em cada cantinho, se não com um Espaço Vida, porque isso envolve custos, com uma professora ou uma diretora que passou pela nossa metodologia e hoje aplica as suas próprias soluções. Esse é um tema que está na BNCC. O que nós queremos é ser uma ferramenta de apoio. E na Educação Midiática, eu espero de coração que daqui cinco ou dez anos a gente já tenha conseguido colocar esse tema para dentro das salas de aula. Quem sabe até criado uma nova matéria para a educação básica. O Mundo mudou muito rápido, as escolas precisam acompanhar. E estaremos aqui lutando por isso, apoiando, ajudando.
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Edu Carvalho é jornalista e apresentador, com passagens pela Globo, CNN e Revista Época. Ganhador do Prêmio Vladimir Herzog pelo #Colabora. É colunista no UOL Ecoa e no Maré de Notícias. Morador da Rocinha, cria do mundo