Escola que toma partido

Colégio particular carioca, Ceat faz ato contra PEC 55 e apóia ocupações na rede estadual

Por Luciana Conti | ODS 4 • Publicada em 12 de novembro de 2016 - 09:34 • Atualizada em 14 de novembro de 2016 - 01:46

Alunos e professores do Ceat, no meio da praça: aulão para discutir temas como a PEC 55 e a Escola Sem Partido
Alunos e professores do Ceat, no meio da praça: aulão para discutir temas como a PEC 55 e a Escola Sem Partido. Foto de Luciana Conti

A ocupação de colégios estaduais e universidades públicas por estudantes de todo o Brasil em protesto a políticas públicas da área de educação contagia instituições privadas. Na manhã de sexta-feira (11/11), alunos e professores do Ceat (Centro Educacional Anísio Teixeira) desceram as ladeiras de Santa Teresa, bairro da Zona Sul do Rio onde fica a escola, para instalar no Largo do Machado uma enorme sala de aula, em que os temas discutidos foram a PEC 55 (antiga 241), a Medida Provisória 746 sobre a reforma do ensino médio e o Projeto de Lei da Escola Sem Partido. O aulão foi comandado por professores de geografia, filosofia, sociologia, história, literatura, português, química, matemática, capoeira e chamou a atenção de quem passava pela praça. Com a adesão de alguns transeuntes, o ato de adesão ao “Dia Nacional de Mobilização contra a PEC do Fim do Mundo” acabou se transformando em um enorme debate público, como queriam seus organizadores.

A leitura do poema de Castro Alves “O povo ao poder”, em que o poeta imortaliza sua veia libertária ao afirmar que “a praça é do povo/como o céu é do condor”, deu início aos protestos. Logo os adolescentes, alunos do ensino médio, se distribuíram em tarefas de pintar cartazes com palavras de ordem, pendurar a faixa do Grêmio Luiz Travassos, o LUT, e bordar paninhos. Tudo se passava com a supervisão de professores das disciplinas curriculares e das oficinas oferecidas ao ensino médio pelo Ceat, no contraturno escolar.

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Se nos perguntarmos para que serve a escola, podemos dar como resposta a formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Mas isso é muito pouco

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Maria Teresa Galvão, professora de inglês e da oficina de bordado, comandava um pequeno exército de meninas e meninos bordadeiros e ainda angariava a simpatia de quem passava pela rua. “Eu estava vindo do supermercado, quando ouvi e a música e resolvi parar para ver o ato. A professora, então, me convidou para bordar”, contou a vendedora e atriz Larissa Silveira da Mata, que caprichava em um paninho com a inscrição Fora Temer, em fios multicoloridos.

Na oficina de bordado, a mensagem: “Fora Temer”. Foto de Luciana Conti

No megafone, os professores se revezavam para explicar aos alunos e transeuntes os prejuízos que a educação vai sofrer com a aprovação da PEC 55, que propõe o congelamento dos investimentos públicos nos próximos 20 anos, da MP 746 que pretende, em meio a reforma do ensino médio, acabar coma obrigatoriedade das disciplinas de sociologia, filosofia, artes e educação física e do projeto de lei da Escola Sem Partido.

[g1_quote author_name=”Pedro Ribeiro ” author_description=”Aluno do ensino médio” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Eu queria que uma escola como é o Ceat pudesse ser para todos

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“Se nos perguntarmos para que serve a escola, podemos dar como resposta a formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Mas isso é muito pouco”, disse a professora de Filosofia, Flora Mangini, que no contraturno ministra uma oficina de filosofia e cinema, lembrando que a educação deve formar cidadãos críticos e que as matérias consideradas eletivas pela reforma são indispensáveis para essa formação. A reforma do ensino médio foi muito criticada também pela forma como foi apresentada à sociedade, sem prévio debate com os profissionais de educação e os alunos.

Os discursos chamaram a atenção de Jorge Braga, aluno do primeiro ano do ensino médio do Pedro II, unidade Humaitá, que voltava da escola ocupada pelo movimento estudantil. Convidado a falar no megafone, defendeu a ocupação do Pedro II, dizendo que os alunos estão lá para defender a qualidade e o acesso do ensino público. “Essa proposta de escola em tempo integral no ensino médio é inviável com as condições que temos hoje, quando já sofremos com a falta professores. Como ter salas e professores para os três turnos, se todos forem obrigados a estudar o dia todo? E o estudante que precisa trabalhar para complementar a renda da família, como faz? Sai da escola”, perguntou Jorge, sendo muito aplaudido pelos alunos do Ceat.

Antônio Montoro, aluno do segundo ano do ensino médio, contou que o Grêmio LUT está apoiando as ocupações das escolas públicas e que, no semestre passado, os estudantes do Ceat foram a algumas unidades ocupadas, para participar de debates e fazer doações para a manutenção dos movimentos de ocupação. Pedro Ribeiro, aluno do primeiro ano do ensino médio, ressaltou ainda a importância de os jovens resistirem às medidas do governo que estão sendo tomadas sem debate com a sociedade e disse lamentar que, no Brasil, pouca gente tenha acesso à educação de qualidade. “Eu queria que uma escola como é o Ceat pudesse ser para todos”, disse.

A mobilização dos jovens  emocionou Sors Ramos, estudante de Letras, que chorou ao presenciar o ato. Mas nem todos apoiaram as bandeiras dos alunos e professores. O debate esquentou quando o engenheiro civil Rogério Grosman fez um inflamado discurso em defesa da PEC 55 e da reforma do ensino médio e conquistou o apoio de um outro homem que, depois de acusar os professores de estarem fazendo doutrinação ideológica, deixou a roda.

Uma mulher que assistia a tudo quieta, tomou a palavra e reagiu, defendendo o direito a uma educação crítica e à necessidade de o povo estar organizado para resistir a essas medidas do governo. Depois do debate, que angariou mais apoios do que críticas, o grupo saiu em uma pequena passeata pela praça, empunhando cartazes com dizeres, como “Ceat é resistência”.

Luciana Conti

Jornalista há 25 anos, mantém na web o blog Gato de Sofá sobre literatura para crianças e jovens. Apaixonou-se pelo ofício de repórter no dia a dia das redações do Jornal do Brasil e de O Globo, tendo graduado-se em Comunicação Social e em Sociologia e Política, ambas pela PUC-Rio. É também especialista em literatura infantil e juvenil pela UFF e cursa a pós-graduação em Literatura, Artes e Pensamento Contemporâneo da PUC-Rio.

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Um comentário em “Escola que toma partido

  1. Matia Thereza Galvão disse:

    Luciana,

    Só agora vi sua reportagem sobre nosso aulão no Largo do Machado . Obrigada por compartilhar com o público do FB o que fizemos .
    Venha nos conhecer mais de perto . Procure por mim … e vamos bordar .

    Um abraço afetuoso

    Theka … Maria Thereza Galvão

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