ODS 1
Adolescência: é possível fazer melhor

Série da Netflix acende discussão sobre o desafio de criar filhos na era digital: é fundamental ir além da atenção e da compreensão, percebendo e respeitando a essência de cada criança ou adolescente

Você sente as mais variadas emoções – nenhuma delas confortável — assistindo aos quatro episódios de “Adolescência”, a minissérie mais falada, comentada, resenhada dos últimos tempos: angústia, desconforto, dor, indignação, raiva, medo. E uma pergunta não cala até o final: será que isso poderia acontecer comigo?
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Não há como assegurar, a vida não é feita de garantias, principalmente em se tratando da vida do outro, mas há como reduzir riscos e danos. É importante conseguir ir além da discussão sobre os desafios (imensos) de se criar filhos na era digital, com todos os códigos das redes sociais, para perceber que muitas vezes os pais não estão sendo capazes (não intencional, mas real) de entender o sofrimento e a tormenta que seus filhos adolescentes podem estar passando.
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Veja o que já enviamosA criação dos filhos é a mais grandiosa e fundamental função social dos seres humanos, pois transmite padrões e valores para o futuro. Ter essa compreensão deveria ser suficiente para repensarmos o uso abusivo de celular e a sobrecarga de trabalho dos pais com a consequente falta de tempo com os filhos e para os filhos. Essas duas condições impactam diretamente nos vínculos familiares.
Mas só a compreensão não basta. Os pais estão culpados e exaustos. Sentem-se ainda piores e mais perdidos quando lhes dizem “o que” devem fazer. “Dê limite”, “Não seja permissivo”, “Não seja autoritário”, “Tenha tempo de qualidade com seu filho”, “Demonstre que o ama”, “Converse com ele”. Sim, mas COMO???
Na série, é imensa a comoção quando os pais se conscientizam do quanto é fundamental criar uma ligação profunda e íntima com os filhos. Ligação esta que não está garantida pelo fato de os pais amarem e cuidarem bem dos seus filhos. Amam, sim, mas têm dificuldade, ou até mesmo uma impossibilidade de conversarem sobre certos temas, sentimentos e vulnerabilidades.
Na adolescência, período em que o jovem, por uma questão literalmente de vida ou morte, precisa se sentir querido e aceito pelo grupo, o desafio aumenta. A exclusão pode gerar muita dor e sofrimento. Os pais podem ajudar, sempre, mas precisam antes rever padrões e valores e não elegerem sua própria adolescência como único modelo.
Na verdade, essa estrada até a adolescência começa a ser trilhada na infância. Criar elos mais fortes com os filhos ainda pequenos poderá ser decisivo para enfrentar momentos de maior sofrimento. Com um canal de comunicação estabelecido desde cedo, os filhos terão onde buscar segurança e apoio sempre que for preciso. E aí surge novamente a pergunta: Mas COMO criar essa conexão?
Determinadas formas de interagir com os filhos em diferentes situações e desafios do dia a dia podem ajudar a diminuir desgastes e gerar mais intimidade. Por exemplo, criar rituais de cuidado e conexão com seu filho desde bebê e adaptá-los para cada fase do desenvolvimento, garantindo assim a continuidade dos momentos de prazer, intimidade e conversas até durante a adolescência. Pode ser um ritual do banho com uma música ou aroma, ritual da hora de dormir, com uma história ou uma massagem com óleo. Com os filhos já pré e adolescentes, uma vez vinculados, pode-se manter a tradição da massagem relaxante nos pés e aproveitar esses momentos para demonstrar interesse em saber sobre fatos da vida dele.
Todas as crianças querem passar tempo com seus pais. Escolher um momento de diversão com eles para fazer algo que você, pai ou mãe, adore, será um tempo genuíno de presença e conexão com seu filho. Pode ser preparar uma comida, ler, cantar, tocar, estar na natureza, dançar, escutar música.
Outra prática positiva é valorizar sempre o esforço e não o desempenho, evitando as comparações com irmãos ou outras pessoas. É sempre mais saudável preferir incentivar o filho a partir de estímulos e motivações. Então, por exemplo, se o pequeno ou o adolescente está sempre atrasado, deve ser elogiado quando conseguir se atrasar menos. E optar por verbalizar que o esforço foi percebido ao invés de comparar com alguém que é sempre pontual.
As crianças desde pequenas demonstram interesse por determinadas coisas, perceber e respeitar a essência de cada filho, e incentivá-lo ao invés de querer convencê-lo a só escolher fazer o que os pais gostam e sabem fazer bem, é o mais favorável.
Outra abordagem que a maioria dos pais tende a não fazer é perguntar sobre como pode ajudar seu filho a resolver um problema, uma dificuldade, ao invés de já trazer a sua solução. E é também importante atentar para o fato de ele estar sempre pedindo pra não ir à escola. É um alerta e precisa ser mais bem compreendido.
Uma das queixas mais comum entre os pais de adolescentes é que seus filhos não conversam com eles, por outro lado, os filhos reclamam que os pais só conversam com eles para perguntar e falar de coisas chatas. Contar para eles coisas sobre a infância ou a adolescência dos pais, fatos bons e engraçados e coisas difíceis e que chatearam também, ajuda na aproximação. Filhos adoram saber histórias dos pais quando crianças. À medida que crescem, é recomendável introduzir episódios da pré e da adolescência dos adultos. Saber de fatos e sentimentos da vida dos pais ajuda os filhos a se sentirem mais à vontade para contar sobre eles quando algo lhes acontecer. Há sempre o choque geracional, mas todas as questões emocionais envolvidas na adolescência vão passar pela necessidade de aprovação do grupo e pela autoestima.
É importante a reflexão sobre como as práticas e os estilos educacionais dos pais na criação dos filhos terão influência na dinâmica destes com seus pais quando adolescentes. Mas é sempre preciso levar em conta que não se trata de UMA adolescência, mas DAS adolescências, considerando a subjetividade de cada indivíduo. E, nesse contexto, cada família viverá seus enredos e desafios.
Não são só os adolescentes que carecem de atenção. Os pais também precisam de acolhimento e suporte, seguindo como realistas esperançosos e acreditando que chegará o tempo em que a sociedade se organizará numa parentalidade mais colaborativa e com alternativas respaldadas por lei. Já existem muitas iniciativas assim pelo mundo e algumas experiências brasileiras também vêm sendo bem-sucedidas.
Para terminar, fica a mensagem do personagem Eddie Miller, o pai do adolescente da série: sim, é sempre possível se conhecer mais para fazer melhor.
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Sissel Bethlem Grandi e Zanella Bethlem Grandi
Sissel Bethlem Grandi é psicóloga, e em formação na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Zanella Bethlem Grandi é psicopedagoga especializada em orientação parental. Idealizadora do Programa de Educação Parental para o projeto "Nascer e crescer juntos", selecionado pelo Edital da Fiocruz "Apoio a ações de saúde integral nas favelas". As duas são as criadoras do TIMO plataforma de conteúdo digital sobre parentalidade.