Ocupação à prova de Enem

Alunos do Pedro II saem do colégio para prestar o exame, mas voltam para continuar o protesto e reclamam da falta de diálogo com o governo

Por Bibiana Maia | ODS 4 • Publicada em 7 de novembro de 2016 - 09:00 • Atualizada em 7 de novembro de 2016 - 20:26

Faixa colorida numa das paredes do Colégio Pedro II: ocupação continua (Foto de Bibiana Maia)
Faixa colorida numa das paredes do Colégio Pedro II: ocupação continua (Foto de Bibiana Maia)

Nara, de 16 anos, estava exausta ao retornar ao Colégio Pedro II, no Humaitá, ontem. Ela deixou a ocupação na escola duas vezes, neste fim de semana, para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no bairro vizinho, Botafogo. “Foi muito cansativo. No final, sentia que estava há três dias ali”, brinca.

O campus ao qual Nara voltou para descansar está ocupado há uma semana, seguindo a onda que começou há cerca de um mês no Paraná. Os números nacionais são incertos. Os paranaenses chegaram a ocupar 850 unidades. Estima-se que, com o avanço para outros estados como Rio, São Paulo e Minas Gerais, o total  de escolas ocupadas tenha passado de mil. Em terras fluminenses, os estudantes tomaram três campi do CPII e quatro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).

A participação no movimento afetou os estudos de Nara. “Eu dei uma diminuída, mas estou contando com os aulões que vamos ter na semana que vem”, conta referindo-se às atividades ministradas por voluntários e pelos próprios alunos.

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Os estudantes protestam contra a PEC 241/55, que estabelece um teto para o aumento dos gastos públicas;  a Medida Provisória que reforma o currículo do ensino médio; e o projeto Escola Sem Partido. Eles também criticam a postura do governo sobre a aplicação do Enem. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) chegou a informar que as provas deixariam de ser aplicadas em 405 escolas e universidades do país, por causa do movimento, e que 271.033 estudantes teriam que adiar o exame para os dias 3 e 4 de dezembro. O órgão, no entanto, admitiu ontem que errou e que tinha incluído na lista escolas onde o Enem acabou sendo realizado.

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Foi só para jogar contra os estudantes mesmo. Várias escolas ocupadas foram usadas nas eleições, porque teve como dialogar

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“Foi uma falta de diálogo muito grande do MEC. Não custava nada tentar chegar a um consenso que ficasse ok para os dois lados”, opina a adolescente. Na avaliação do grupo, essa foi uma tática do governo para diminuir a força do movimento. “É uma galera tão pequena que vai refazer, diante dos milhões que prestaram o exame… Foi só para jogar contra os estudantes mesmo. Várias escolas ocupadas foram usadas nas eleições, porque teve como dialogar”, completa Isaac Galvão, de 18 anos.

Fachada do Pedro II: cerca de 100 estudantes dormem no colégio

Um ano após as primeiras ocupações, que aconteceram em São Paulo, os alunos do Pedro II parecem bem organizados e cientes da melhor forma de gerir o espaço. Eles se dividem em cinco comissões: eventos, comida, limpeza, segurança e infraestrutura, e comunicação, grupo que atende a imprensa, por exemplo. Para entrar, é preciso autorização dos estudantes e ter o nome registrado em um caderno, na entrada. Por todos os lados, se vê alguém com latas de tinta.  “A gente conseguiu melhorar um problema de infiltração na biblioteca e estamos redecorando a escola, pintando as portas, vamos replantar os canteiros. Tentamos deixar a escola mais bonita”, conta Isaac.

Além de lutar por melhores condições da escola, os estudantes reivindicam  boa remuneração para professores e terceirizados, e autonomia pedagógica. Membro da comissão de comunicação, Isaac diz que eles estão conseguindo administrar bem as doações e que, além dos pais, moradores do bairro estão ajudando. São cerca de 200 pessoas circulando por dia na escola, mas apenas metade delas fica para dormir. O único susto foi uma tentativa de invasão no último sábado, por volta das 2h da manhã. “Sete pessoas mascaradas passaram aqui na frente e tentaram pular o portão da frente, depois o da garagem, mas viram que percebemos. Era uma galera jovem. A gente acredita que possa ser gente do desocupa  (movimento de estudantes contrários à ocupação de escolas)”.

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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