Os países da América Latina e Caribe estão na linha de frente da crise climática. Enchentes, secas e tempestades severas são algumas das consequências de uma conta que não pertence à região. É por isso que entidades da sociedade civil latino-americana e caribenha esperam que a COP30 seja um ponto de virada, principalmente, em temas como transição energética e financiamento climático.
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A COP da Amazônia, como ficou conhecida a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém (PA), foi tema de conferência nesta segunda-feira (03/11) com participação de entidades ligadas à pauta climática na América Latina e Caribe.
“A América Latina chega nessa COP30 em um ponto de inflexão. Por um lado, temos governos com narrativas de justiça social, por outro, esta é uma região muito impactada pelas mudanças climáticas e por desigualdades sociais”, lembra Jorge Villarreal Padilla, cientista político e um dos fundadores da Iniciativa Climática de México (ICM).
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Veja o que já enviamosCarola Mejía, coordenadora de justiça climática da Latindadd (Rede Latino-americana por Justiça Econômica e Social), recorda que apenas 17% do financiamento climático é destinado para a América Latina e Caribe. “Não existem estratégias de mensuração ou transparência e os mecanismos de financiamento climático são complexos, cada fundo possui processos diferentes”, acrescenta, sobre a burocracia que dificulta o acesso aos recursos.
As entidades defendem que a Presidência da COP30 trace um roteiro para alcançar os US$1,3 trilhão anuais necessários para que os países em desenvolvimento façam a transição energética. “Belém deve ser um ponto de partida para uma rota global para longe dos combustíveis fósseis, de maneira justa e equitativa”, enfatiza Ana María Mogollón, diretora de diplomacia energética da Transforma, iniciativa que trabalha com ação climática na América Latina.
Precisamos que esses países tenham unidade e coerência entre suas narrativas e ações
Como forma de reforçar suas reivindicações, 82 organizações da sociedade civil climática da América Latina e do Caribe enviaram uma carta à Presidência da COP30. O documento reforça a importância de cumprir integralmente o Acordo de Paris e de uma transição energética baseada na justiça climática e social e no respeito aos direitos humanos e trabalhistas.
As organizações defendem ainda o reconhecimento da intenção da Colômbia em sediar a 1° Conferência Internacional pela Eliminação dos Combustíveis Fósseis, em 2026. A proposta foi apresentada formalmente pelo país durante a última Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nos Estados Unidos.
Transição no Brasil, Chile, Colômbia e México
Ana María Mogollón destaca que os países latino-americanos e caribenhos possuem potencial para aumentar sua matriz energética com fontes alternativas. Porém, para isso, é necessário também combater uma série de desequilíbrios. Estimativas indicam que 17 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe ainda não têm eletricidade em suas casas e outras 75 milhões usam lenha, carvão e outras formas de biomassa para cozinhar.
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Lançada em abril deste ano pela Transforma, a plataforma “A situação energética na América Latina” analisa a transição energética (TE) em quatro países: Brasil, Colômbia, Chile e México. Os dados são compilados em seis categorias: entrada de renováveis; saída de combustíveis fósseis; eficiência energética; eliminação de subsídios para a indústria fóssil; investimento em TE e justiça TE.
O resultado mais promissor foi alcançado pelo Chile, com aumento de 64% de energias renováveis entre 2020 e 2023. Ainda assim, o país ainda possui 65,5% de sua matriz energética dependente de combustíveis fósseis, além de terem sido identificados 104 conflitos socioambientais ligados ao setor, principalmente por falhas no planejamento do uso da terra e pela falta de mecanismos participativos.
Já o México caminhou em uma direção inversa, com queda de 91,8% dos investimentos em energias renováveis, entre 2018 e 2023. O gás natural segue como a principal fonte de energia. Em 2023, o país tinha 89% do fornecimento total de energia vindo de combustíveis fósseis, enquanto as fontes de energia renováveis não hidrelétricas representavam apenas 4%.
A plataforma coloca a Colômbia no meio do caminho para a transição energética justa. Embora o país tenha expandido o uso de renováveis e a eficiência energética, as exportações de petróleo e carvão seguem elevadas. Situação parecida com o Brasil, que possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 85% de energia renovável, mas que segue com a intenção de expandir a exploração de combustíveis fósseis.
Superar desigualdades e contradições
Coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, Cláudio Angelo lembra o otimismo que se seguiu ao anúncio de Belém como sede da COP30. Segundo ele, fatores externos, como a guerra na Ucrânia e a eleição do negacionista Donald Trump nos Estados Unidos, ajudaram a afastar o Brasil da posição de líder climático.
“O Brasil tem duas realidades distintas: reduziu suas emissões e produziu uma queda importante no desmatamento no Cerrado e Amazônia, mas também é o país que licenciou a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e quer ser o 4° maior produtor de petróleo do mundo”, aponta Cláudio Angelo, sobre as contradições do país sede da Conferência do Clima.
Atualmente, Brasil e México são os dois maiores emissores da América Latina e Caribe. Além disso, ambos possuem governantes progressistas que reconhecem as mudanças climáticas – Luiz Inácio Lula da Silva e Claudia Sheinbaum. Para Jorge Villarreal Padilla, da Iniciativa Climática do México, falta alinhar palavras com ações. “Precisamos que esses países tenham unidade e coerência entre suas narrativas e ações, reconhecendo os aportes da sociedade civil”.
