Legalização não eleva consumo de maconha no Colorado

A lei obriga os produtores a indicar na embalagem as informações sobre o teor de THC (tetraidrocanabinol). Foto Wikimedia Commons

Após sete anos, estado americano registra aumento na arrecadação e queda nas prisões, mas número de adolescentes fumantes permanece estável

Por Mônica Medeiros | ODS 3 • Publicada em 4 de julho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 5 de julho de 2019 - 14:13

A lei obriga os produtores a indicar na embalagem as informações sobre o teor de THC (tetraidrocanabinol). Foto Wikimedia Commons
A lei obriga os produtores a indicar na embalagem as informações sobre o teor de THC (tetraidrocanabinol). Foto Wikimedia Commons
A lei obriga os produtores a indicar na embalagem as informações sobre o teor de THC (tetraidrocanabinol). Foto Wikimedia Commons

Quase sete anos depois que os eleitores do estado do Colorado, nos EUA, decidiram legalizar a maconha, nenhum dos argumentos contra a legalização se concretizaram. O Colorado é o primeiro Estado no mundo a legalizar a comercialização da maconha. Receio de que a legalização levaria ao aumento do consumo da maconha por adolescentes, que até os defensores da legalização tinham, não aconteceu. O número de acidentes de trânsito fatais envolvendo uso da maconha não variou; o álcool continua sendo o maior responsável por acidentes fatais no trânsito, causando mais de 90% das mortes. Em 2018, a venda da maconha movimentou mais de US$ 1,5 bilhão e a arrecadação de impostos e taxas foi superior a US$ 220 milhões. Ainda é cedo, no entanto, para avaliar com segurança as consequências para a saúde daqueles que usam a maconha regularmente, especialmente jovens com o cérebro ainda em formação (menos de 21 anos).

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O número de detenções por crimes envolvendo maconha, como posse e venda, segundo o relatório, diminuiu 52% entre 2013 e 2017. O grupo com maior número de detenções são o de jovens entre 18 e 20 anos. O número de indiciamentos também caiu 55%. No entanto, as prisões por produção irregular – sem licença ou desobedecendo os limites – aumentou 51%

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O uso por adolescentes (entre 11 e 18 anos) não variou entre 2013 e 2017 no estado e ficou abaixo da média nacional segundo a pesquisa “Healthy Kids” (Crianças Saudáveis) de 2017. A Secretaria de Saúde do Colorado realiza, a cada dois anos, essa pesquisa sobre a saúde de crianças e adolescentes desde 2005. A pesquisa feita em 2017 entrevistou 55 mil estudantes do ensino médio (entre 12 e 18 anos) e mostrou um aumento, de 28% para 36%, no número de adolescentes que comem produtos com maconha, ao invés de fumar, e uma pequena queda (de 92% para 88%) no número dos que fumam. As hospitalizações por overdose de maconha aumentaram. Apesar de não ser letal, a overdose causa sintomas como pressão alta, vômito e taquicardia, além de ansiedade, pânico e paranoia. A overdose não é comum quando a maconha é fumada, mas acontece quando consumida em comestíveis, especialmente em produtos caseiros, sem controle da quantidade ingerida.

O relatório “Impacto da Legalização da Maconha no Colorado” da Secretaria de Segurança Pública do estado consolidou diversos dados referentes à segurança pública desde a legalização em 2013 até 2017. O uso regular por maiores de 21 anos aumentou em geral de 14% para 16%. De acordo com o relatório, o grupo que mais consume regularmente é o da faixa etária entre 18 e 25 anos. Nesse grupo, 30% dos que usam maconha, fumam ou ingerem em doces e balas várias vezes por semana. O consumo regular decresce progressivamente com a idade. De 26 a 34 anos o percentual é de 26%, 35 a 64 é de 13% e acima de 65 anos cai para 6%.

Assim como acontece com as bebidas alcoólicas, o uso da maconha só é legal para maiores de 21 anos. Foto Wikimedia Commons

O número de detenções por crimes envolvendo maconha, como posse e venda, segundo o relatório, diminuiu 52% entre 2013 e 2017. O grupo com maior número de detenções são o de jovens entre 18 e 20 anos. O número de indiciamentos também caiu 55%. No entanto, as prisões por produção irregular – sem licença ou desobedecendo os limites – aumentou 51%. Além do controle da quantidade por produtor, a produção para venda tem que seguir parâmetros de pureza e qualidade, assim como prover na embalagem do produto informação sobre o teor de THC (tetraidrocanabinol) – a substância que é psicoativa. Assim, a produção e venda de maconha “caseira” é crime. Os indiciamentos por crime organizado – conspiração para produzir e vender sem licença – triplicou depois da legalização (de 31 para 119). Como a maconha é ilegal nos EUA, cultivar ou consumir em terras federais no Colorado dá prisão e os casos são punidos com os rigores das leis federais.

A lei que regulamentou a legalização – venda, porte e uso – seguiu as regras para o uso de álcool. Assim como acontece com as bebidas alcoólicas, o uso da maconha só é legal para maiores de 21 anos. Vender ou fornecer maconha a menores de 21 anos é crime. A comercialização só pode ser feita nos dispensários licenciados e fiscalizados pelo Estado, que são obrigados a manter um sistema para impedir que menores de 21 possam comprar maconha por descuido ou acidentalmente. Os dispensários não podem ter vitrines. Normalmente, eles têm um vestíbulo, separado do lugar onde ficam os produtos por uma porta de segurança. Ao entrar, o comprador precisa mostrar carteira de identidade, que é escaneada, provando que tem mais de 21 anos. A entrada só é permitida quando um vendedor estiver disponível para atender o cliente. O vendedor pede novamente a identidade e mais uma vez confere o documento, antes de assistir o cliente.  Escolhidos os produtos, o comprador vai ao caixa pagar e receber a mercadoria e mais uma vez tem que mostrar a identidade, que é escaneada novamente. Todo cuidado é pouco e redundância no controle da venda é a forma de garantir que não haverá “jeitinho” que permitirá a venda a menores.

Como no caso do álcool, é proibido usar maconha em locais públicos; fora de casa, o uso só é permitido em “bares” específicos para a venda e consumo da maconha. Esses estabelecimentos seguem as mesmas regras rígidas dos dispensários. A lei permite que consumidores cultivem sua própria erva. Maiores de 21 anos podem ter até seis plantas – mas só três podem estar maduras – em locais que não permitam o acesso por outras pessoas. Há também limite na quantidade que usuários podem possuir ou portar. O máximo são 28 gramas. O número de plantas é controlado, a publicidade restrita e sair do estado com maconha é proibido.

Desde 1917 a maconha era ilegal no estado. Em 2000, uma emenda constitucional passou a permitir o uso da maconha com fins medicinais. O usuário tinha que ser diagnosticado como portador de uma das doenças para as quais a maconha oferece alívio dos sintomas, entre elas câncer, HIV/SIDA, glaucoma, esclerose múltipla e convulsão. Para cultivar 6 plantas e portar 56 gramas de maconha o paciente tinha que ter receita médica. A regulamentação da comercialização levou dez anos quando surgiram os primeiros dispensários de maconha para uso médico.

A primeira tentativa de legalizar a maconha para uso geral aconteceu em 2006, mas os eleitores rejeitaram a ideia. Em 2012, os defensores da legalização conseguiram que a proposta voltasse à votação e dessa vez passou com 55% dos votos. Na regulamentação, legisladores destinaram parte da receita gerada com as licenças, taxas e impostos para campanhas contra uso da maconha por menores de idade e programas educativos nas escolas.

Mônica Medeiros

Mônica é carioca mas expatriada nos EUA, onde fez mestrado em Jornalismo e foi professora de teoria da comunicação. Cobriu política, cidade e meio ambiente para O Globo e Veja. É jornalista freelance com interesse especial por cidadania, feminismo, meio ambiente, e apaixonada pela ideia de lixo zero. É também tradutora e voluntária de Tradutores sem Fronteira.

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