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Em meio a tratamento de câncer de mama, sertaneja vence Copa Norte/Nordeste de Hipismo
Edsamia Marques descobriu nódulo em autoexame e, após diagnóstico precoce, seguiu com os treinos mesmo entre as sessões de quimioterapia
Em cima de um pódio, com um troféu na mão e uma medalha no peito, celebrando uma vitória. Certamente, essa não é a imagem que muitos associam à alguém que passa pelo tratamento de um câncer. Quem viveu essa experiência foi a pernambucana Edsamia Regina Marques, 38 anos, que enfrenta a batalha contra um tumor na mama e, ainda assim, sagrou-se campeã da Copa Norte/Nordeste de Hipismo. “Essa vitória no hipismo é a minha vitória contra o câncer”, resume a atleta, entre lágrimas.
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Servidora pública no Porto do Suape, ela começou no hipismo apenas em 2022, após sua irmã ser diagnosticada com um tumor nos ovários – desejava uma atividade para arejar a mente e não deixar que a saga da irmã em busca de cura a fizesse sucumbir. Natural do município de Bodocó, no Sertão de Pernambuco, ela aprendeu a montar ainda criança na cidade natal, mas só virou atleta, com a necessária dedicação, depois do impacto da doença na família. “Eu também passei a realizar o autoexame regularmente”, recorda.
Foi justamente em um autoexame, enquanto tomava banho, em fevereiro deste ano, que Edsamia, descobriu um nódulo na mama direita. Ela pediu a uma colega médica que confirmasse sua impressão. A médica não apenas confirmou o nódulo, como recomendou exames de imagem. “Eu fiquei triste de ver essa doença atormentar a minha família novamente, mas decidi encarar o câncer de frente, me apegando sempre ao lado positivo”, declara Edsamia, diagnosticada com um nódulo cancerígeno. A médica solicitou a realização da mamografia e da biópsia para dar prosseguimento ao tratamento, mas já tinha certeza que se tratava de um caso de câncer de mama. Entre o autoexame e a primeira sessão de quimioterapia, foram apenas dez dias.
Com o diagnóstico, o hipismo e a companhia da doce égua CarLinda se tornaram ainda mais relevantes para Edsamia. “Eu sentia que o hipismo fazia parte do meu tratamento”, conta a atleta. Desde que começara no esporte, ela vinha obtendo ótimos resultados nas competições promovidas pela Federação Equestre de Pernambuco. Após a primeira sessão, uma vez que estava sem sintomas, foi possível manter os treinos no Caxangá Golf Clube normalmente.
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Veja o que já enviamosQuando vieram os efeitos colaterais da quimioterapia, ela começou a observar as suas reações. Na segunda sessão, já era possível saber como o corpo reagia; Edsamia tratou de adequar os treinos aos momentos nos quais sentia que estava com melhores condições físicas. Cada vez que realizava uma nova sessão e sentia que os efeitos colaterais surgiam de forma imediata, evitava os treinos e deixava o corpo se recuperar.
Assim que os efeitos mais severos passavam, retomava os treinos, sempre de acordo com as condições físicas. Assim, ela montou, com o auxílio do treinador André Felipe Ferreira, seu esquema de exercícios: treinava apenas o trote, ou seja, o cavalo percorre a pista trotando devagar, e quando os efeitos colaterais passavam, treinava os saltos, movimentos nos quais o cavalo transpõe obstáculos. “O esporte foi a minha válvula de escape”, avalia Edsamia, casada e mãe de dois filhos. Foram quatro meses de quimioterapia; as doses eram administradas a cada 21 dias. Quando ela conquistou o campeonato, estava a 12 dias da próxima sessão.
A médica mastologista Alessandra Saraiva explica que o tumor de Edsamia é um ductal com menos de dois centímetros, o que na literatura médica é classificado como nível um. É um dos tipos de tumores de mama mais frequentes. Ele fica em meio a forma mais leve e mais grave da doença. Já a médica radiologista Mirela Ávila, responsável pelos exames de imagem da paciente, assegura que o diagnóstico precoce foi decisivo para a forma como ela encarou o tratamento. “Se você descobre o tumor no início, as chances de cura são de 95%. Além disso, o tratamento é menos intensivo, a cirurgia menos invasiva. O impacto do tratamento é menor”, esclarece.
Em maio deste ano, o cabelo de Edsamia já estava ralo, prestes a cair por completo. Mas, se o seu cabelo caía, a autoconfiança seguia galopante. Foi aí que ela decidiu se inscrever na Copa Norte/Nordeste, etapa do Circuito Brasileiro de Hipismo, conhecida como Copa Cidade do Recife. Para sagrar-se campeã, ela precisou ter um desempenho melhor do que os outros 40 participantes. “Cada um se apresenta com oito saltos, tendo que executar tudo dentro do tempo estipulado. No primeiro dia, eu fiquei dois décimos acima do tempo ideal’, informa.
Os dois décimos a menos não abalaram a confiança de Edsamia, que, no segundo dia de provas, entrou na pista com uma disposição especial. “Eu me sentia confiante, pois essa prova representava o meu tratamento. O reconhecimento da pista, [momento em que o atleta e a égua realizam uma caminhada de adaptação] foi o meu diagnóstico. As provas foram os meus exames, consultas e a quimioterapia; e a vitória, no segundo dia de provas, quando executei os oito saltos cravando o tempo, foi a minha cura”, explica, bastante emocionada.
A equipe que acompanha os treinos de Edsamia sabia da sua luta pessoal contra o câncer. Por causa disso, todos reconheceram o valor daquela vitória, que transpôs o esporte e enveredou pela vida pessoal. “Foi lindo! Quando eu levantei a mão, assim que a minha vitória foi declarada, todos vieram me abraçar e comemorar juntos essa vitória”, recorda, eufórica.
No final de agosto deste ano, a jovem sertaneja realizou a cirurgia para a retirada do tumor. Trinta dias após a intervenção, ela já estava na pista de treinos do Caxangá Golf Club. Segundo a mastologista Alessandra, ela teve uma resposta boa à quimioterapia, que levou à redução significativa do tumor. “Nós realizamos uma cirurgia conservadora, ou seja, retiramos o tumor e uma margem de segurança [mais um pedaço da mama que não foi atingido pelo nódulo]. Eu acredito que Edisâmia teve esse resultado, porque ela preparou o seu corpo para isso ”, explica.
De acordo com Alessandra Saraiva, encarar o câncer como uma doença que tem cura é a chave para conquistar uma boa resposta ao tratamento. “Eu sempre digo às minhas pacientes que tenham um vida normal. Se você não conseguir fazer algo, tudo bem – mas vida normal, inclusive com a prática de exercícios, pois a obesidade é uma das condições que favorece o surgimento do câncer”, explica.
Faltam acesso à informação e diagnóstico precoce
O tratamento de Edisâmia foi feito em uma rede suplementar de saúde. Segundo a radiologista Mirela, mesmo assim, é necessário esforços da equipe hospitalar para garantir agilidade e integração entre as especialidades envolvidas com o tratamento. Isso faz a diferença para que um esquema importante do tratamento se cumpra: diagnóstico precoce, que leva a segurança do paciente sobre as boas condições de tratamento, o acolhimento da família e dos profissionais, além da integração entre as especialidades médicas. “A gente insiste com o plano para que as autorizações saiam rápido para adiantar as etapas de tratamento”, explica Alessandra. No serviço público, o cumprimento deste esquema ainda é um desafio. Há problemas na fase do diagnóstico precoce e nas demais etapas do tratamento, destaca a médica.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) indicam que o maior número de casos da doença acontecem entre mulheres com idade a partir dos 50 anos; Edsamia, diagnosticada antes dos 40, é uma exceção. Neste caso, ter despertado para a importância da realização do autoexame foi essencial. Para as mulheres acima dos 40 anos, a recomendação é realizar a mamografia anualmente, afirma Mirela Ávila. Ainda assim, é preciso realizar o autoexame. “No intervalo entre uma mamografia e outra, pode surgir um tumor de forma galopante e o autoexame pode ajudar na identificação rápida”, alerta a radiologista.
Mesmo sendo rara ocorrência da doença entre mulheres abaixo dos 30 anos, algumas situações devem acender o alerta para a prevenção. Um deles é se há algum caso de câncer de ovário na família. A médica explica que o “câncer de ovário e o de mama possuem a mesma genética”. Logo, se há um caso de câncer de ovário na família, é bom ficar de olho para as chances de surgir um câncer de mama. Ela lembra que recomendar o autoexame não significa jogar a responsabilidade pelo diagnóstico em cima da mulher, mas estimular o autocuidado para auxiliar no tratamento.
No mundo ideal, o câncer caminha para ser encarado como uma doença semelhante ao diabetes ou a hipertensão, que não tem cura, mas pode ser controlada, permitindo que a pessoa viva com qualidade. Entretanto, no Brasil, muitos passos ainda precisam ser dados para que se chegue a essa realidade, observa a radiologista Mirela. “Há uma falta imensa de acesso à informação adequada e ao serviço de saúde para o diagnóstico”, explica.
Um bom exemplo é que, hoje, no país, a mamografia de rastreamento, exame mais detalhado, que pode identificar o câncer no estágio inicial, só é disponibilizada para mulheres acima dos 50 anos. No entanto, a pesquisa Amazona III constatou que 43% das mulheres que descobrem o tumor tem menos de 50 anos. O levantamento foi realizado pelo Grupo Latino Americano de Oncologia Cooperativa (Lacog) e envolveu 2.950 mulheres de 22 centros de saúde espalhados por nove estados do Brasil. “Por isso, na contramão de outras regiões do mundo, o Brasil segue em curva ascendente de óbitos por câncer de mama. Sem diagnóstico precoce, com falta de informação, exigir que a mulher encare o tratamento bem psicologicamente é impossível. A autoestima dela vai lá para o fim da fila”, frisa Mirela Ávila.
Não há fórmula para se planejar para lidar com um câncer, observa a médica radiologista. “Ninguém pensa que vai se planejar para tratar um câncer. A gente tem que se preparar para viver bem. Isso inclui uma boa alimentação, a prática de exercícios físicos e acompanhamento de saúde de forma regular para evitar as doenças de um modo geral e ter mais qualidade de vida”, afirma.
De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), relativos a 2022, a Região Nordeste é a segunda maior em número de casos de câncer de mama com 15.690 ocorrências. O Sudeste, que lidera o ranking, concentra 30.330 casos. Pernambuco é o terceiro estado do Nordeste em número de casos: 2.880. Em primeiro lugar vem a Bahia, com 4.230 casos, e, em segundo, o Ceará, com 3.080 ocorrência.
Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.