*Claudia Dias
Em meio à pandemia do coronavírus, olhe ao seu redor e reflita: tem alguém cuidando de você? Da casa, da alimentação, dos idosos, das crianças, dos enfermos? Ao redor do mundo, majoritariamente, o papel desse “alguém” é atribuído a uma mulher: dentro ou fora de casa. Um papel que agora – diante da escalada de uma tragédia sanitária e econômica – coloca mães, avós, trabalhadoras informais, enfermeiras e tantas de nós, mulheres, na linha de frente tanto do combate ao vírus quanto dos seus impactos.
Historicamente, a materialização dos cuidados com as tarefas domésticas e com os dependentes vem sendo estrutural, cultural e socialmente atribuída às mulheres. É um “trabalho invisível”, pouco reconhecido ou valorizado. Segundo o relatório “Quem Cuida do Futuro”, publicado pela ActionAid, mulheres e meninas desempenham ¾ do trabalho doméstico e dos cuidados não remunerados no mundo inteiro.
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Veja o que já enviamosUma sobrecarga em relação aos homens que se escancara neste período de isolamento social causado pela pandemia. É bem provável que você já tenha dito ou escutado mulheres dizendo que se sentem ainda mais desafiadas na tentativa de equilibrar “todos os pratos” nesta quarentena. Que estão exaustas. Possivelmente, grande parte dessas mulheres são mães ou a figura central dos cuidados domésticos em suas casas.
Mas os agravados reflexos dessa divisão injusta do trabalho doméstico vão bem além dos físicos e emocionais. Por conta da histórica desigualdade de gênero, as mulheres estão na posição mais baixa da pirâmide econômica: têm rendimentos mais baixos; vínculos empregatícios mais precarizados, inclusive na área de saúde; compõem a maior parcela do mercado informal e correm mais risco de perderem seus empregos na pandemia, principalmente as mulheres negras (CEBRAP, 2020).
Com postos de trabalho extintos, escolas fechadas e serviços públicos paralisados ou voltados ao combate da pandemia, elas ficaram não somente ainda mais sobrecarregadas, mas sem condições de suprir as necessidades de suas famílias. Nesse contexto, as moradoras de favelas, periferias e comunidades pobres, além de indígenas e quilombolas, são as mais vulneráveis.
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São negras, mães, chefes de família que sustentam seus lares sozinhas, a maioria entre os mais de 13 milhões de pessoas no Brasil que sobrevivem abaixo da linha da pobreza. Estão mais expostas tanto ao vírus, quanto à fome e à violência. A pesquisa “Coronavírus – Mães da Favela”, realizada por Data Favela e pelo Instituto Locomotiva, por exemplo, aponta que nove em cada dez mães de 260 favelas do país terão dificuldades para comprar comida após um mês sem renda.
O governo anunciou medidas emergenciais, como o auxílio de renda, para apoiar os mais vulneráveis. No entanto, faz-se necessário ressaltar a importância de um olhar de gênero para a resposta à pandemia. Tanto as emergenciais quanto aquelas de longo prazo. Essa crise e os problemas que ela escancara podem e devem ser um despertar da sociedade para uma revisão de caminhos que vinham sendo tomados e agora se mostram tão frágeis.
Assim, para além do resgate de políticas de geração de emprego e renda, das políticas de promoção da igualdade de gênero e de combate à violência doméstica, é fundamental voltar atenção e investimentos para os serviços públicos com maior potencial de impactar positivamente a vida das mulheres: saúde, educação (acesso a creches para crianças de 0 a 6 anos), acesso à água potável e rede de saneamento básico. Saúde e educação são variáveis fundamentais na superação da pobreza e da desigualdade.
O cuidado com as mulheres tem de ser todos os dias: nas emergências, no curto e no longo prazo. Em momentos de dúvidas e incertezas, o colo de quem cuida é o lugar mais seguro, onde sempre queremos estar. Mas, nesse mundo melhor que tanto desejamos para o pós-pandemia, é preciso cuidar também de quem cuida do futuro, desde já.
*Assessora de Direitos da Mulher da ActionAid