Diário da Covid-19: Se ritmo for mantido, Brasil terá mais mortos do que a China em uma semana

Um homem usando máscara passa por um grafite do artista Marcos Costa, ou Spraycabuloso, na entrada da favela Solar de Unhão, em Salvador. Foto Antonello Veneri/AFP

País supera Canadá, Holanda e Suíça no ranking dos mais atingidos e bate recorde diário de casos e óbitos

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 16 de abril de 2020 - 09:45 • Atualizada em 16 de abril de 2020 - 11:12

Um homem usando máscara passa por um grafite do artista Marcos Costa, ou Spraycabuloso, na entrada da favela Solar de Unhão, em Salvador. Foto Antonello Veneri/AFP

A pandemia avança rapidamente no Brasil. Ontem (15/04), o país bateu o recorde de número diário de casos e mortes pela covid-19. No ranking global, o Brasil ultrapassou, de uma só vez, Canadá, Holanda e Suíça, saltando para o 11o lugar, tanto em número de casos, quanto em número de óbitos. Neste ritmo, dentro de uma semana, o país deve ultrapassar a China em número de mortes pelo novo coronavírus. Hoje, a China, primeiro epicentro do doença, registra 3.342 óbitos.

O panorama nacional

Na tarde do dia 15 de abril, o Ministério da Saúde atualizou o número de casos da covid-19 para 28.320 pessoas infectadas e o número de mortes para 1.736, com taxa de letalidade de 6,1%.

Em apenas 24 horas, foram 3.058 novos casos (12,1% de aumento) e 204 mortes (13,3% de aumento), recorde atingido pelo segundo dia consecutivo. O Brasil superou o número de novos casos da Itália em 15/04. Nota-se que nos fins de semana de 29/03, 05/04 e 12/04 os números de casos e mortes, em geral, caíram e depois subiram no meio da semana. Mas a despeito destas variações ocasionais, o número de casos estava em 5,7 mil em 31 de março e subiu para 28,3 mil em 15 de abril (um aumento de 5 vezes, ou de 11,3% ao dia). O número de mortes que estava em 201 em 31/03, subiu para 1,7 mil em 15/04 (um aumento de 8,6 vezes, ou 15,5% ao dia).

Ainda é cedo para dizer e estudos mais aprofundados são necessários para quantificar os casos subnotificados, mas, no ritmo atual, não é exagero dizer que o Brasil caminha para o segundo lugar no ranking global da pandemia, ficando atrás apenas dos EUA de Donald Trump.

A pandemia pode ter quatro vezes mais casos do que o número oficial

O Centro de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) começou uma pesquisa sobre o nível de imunização da população brasileira ao coronavírus, para identificar de que forma o vírus está se propagando pelo país. A pesquisa tem o apoio do Ministério da Saúde. Os resultados iniciais, para o Rio Grande do Sul, mostam que há quatro vezes mais casos de covid-19 do que o número oficial.

O coronavírus já chegou a mais de 1 mil cidades brasileiras

O primeiro caso de coronavírus no Brasil foi notificado na cidade de São Paulo no dia 25 de fevereiro. Em menos de 2 meses o vírus se espalhou por mais de 1 mil cidades. Em 15 de abril, as duas cidades mais populosas do país, evidentemente, lideravam a lista: São Paulo tinha 25% dos casos e o Rio de Janeiro tinha 10% dos casos. Mas o que impressiona mesmo são cidades da Amazônia com Manaus com 5% dos casos e Macapá (com 0,17% da população brasileira) que registrou 1% dos casos do país.

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Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é aquele de sempre lutar para progredir do ponto de vista econômico, que pensam que o atropelar e o pisar os outros, o dar cotoveladas, e um andar sempre ao encalço do outro são o destino mais desejável da espécie humana

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Guayaquil para o Brasil: “Eu sou você amanhã”

O Equador tem uma população de 17,6 milhões de habitantes, que representa 4,1% da população da América do Sul (de 431 milhões). Mas o Equador, no dia 15/04, possuia 13% dos casos notificados de covid-19 e 14,5% das mortes da pandemia no continente.

A cidade de Guayaquil, que se tornou o epicentro da pandemia do coronavírus no Equador, passa por uma situação dramática, pois o sistema funerário entrou em colapso, tornando-se incapaz de recolher o crescente número de corpos de pessoas que morreram em suas casas durante o toque de recolher. Os relatos e imagens dramáticas de cadáveres em estado de putrefação, dão um toque de “realismo mágico”, que nem a ilimitada imaginação de Gabriel Garcia Márquez seria capaz de descrever. O Brasil que se cuide e não queira repetir Guayaquil!

O panorama global

No dia 15 de abril, a pandemia global ultrapassou a marca história de 2 milhões de casos. O dia terminou com a notificação de 2.082.372 pessoas infectadas e 134.560 mortes. O número de mortes em 24 horas foi recorde absoluto com 7.960 mortes no mundo (com destaque para os recordes dos EUA e da França). A taxa de letalidade ficou em 6,5%.

Olhando a série histórica, o mundo registrou 88,6 mil casos de covid-19 no dia 01 de março de 2020, número que quase dobrou para 169,6 mil casos em 15 de março (foi um aumento médio diário de 4,6% na quinzena). No dia 31 de março já havia 858,4 mil casos, um aumento de 5,1 vezes (ou 10,9% ao dia na segunda quinzena de março), conforme gráfico abaixo.

O mês de abril começou com 935,2 mil casos e chegou a 2,1 milhões no dia 15/04, um aumento de 2,2 vezes (ou 6,1% ao dia na primeira quinzena de abril). Portanto, as maiores taxas de crescimento diário ocorreram na segunda quinzena de março. A primeira quinzena de abril tem um ritmo menor de crescimento do surto em relação à quinzena anterior, mas um ritmo superior à primeira quinzena de março. Os dados indicam que o ritmo vai se desacelerar ainda mais na segunda quinzena de abril.  Mesmo assim, o número de casos globais deve ultrapassar a marca de 3 milhões até o final do corrente mês.

O mundo registrou 3 mil casos de covid-19 no dia 01 de março de 2020, número que mais que dobrou para 6,5 mil casos em 15 de março (foi um aumento médio diário de 5,3% na quinzena). No dia 31 de março já havia 42,3 mil casos, um aumento de 6,5 vezes (ou 12,6% ao dia).  O mês de abril começou com 47,2 mil casos e chegou a 134 mil no dia 15/04, um aumento de 2,8 vezes (ou 7,2% ao dia). Portanto, as maiores taxas de crescimento diário do número de mortes também ocorreram na segunda quinzena de março. Assim como nos casos, o número de mortes cresce em ritmo mais lento em relação à quinzena anterior, mas um ritmo superior à primeira quinzena de março. Outra característica é que o ritmo de aumento das mortes ocorre em maior velocidade do que o ritmo de avanço dos casos. Portanto aumenta a taxa de letalidade que era de 3,4% em 01/03, passou para 3,8% em 15/03, para 5% m 01/04 e chegou a 6,5% em 15 de abril.

A pandemia e o pandemônio econômico global

O Fundo Monetário Internacional (FMI), em suas atualizações de janeiro de 2020 indicou um crescimento do PIB mundial de 3,3% em 2020 e de 3,4 em 2021. Mas no relatório de 14 de abril de 2020 – sob o efeito da covid-19 – indicou uma queda de 3% em 2020, mas de forma bastante otimista estima uma retomada de 5,8% em 2021.

Mesmo assim, o fosso entre as duas previsões é gigantesco (e pode ficar muito maior se a pandemia do novo coronavírus se prolongar). O fato é que a perda acumulada para o PIB global entre 2020 e 2021 da crise pandêmica pode ser de cerca de 9 trilhões de dólares, maior do que as economias do Japão e da Alemanha juntas.

A população mundial atinge um número “cabalístico”!

O site Worldometer mostrou, no dia 14/04/2020, que a população mundial de quase 8 bilhões de habitantes, chegou a um número, no mínimo, curioso: 7 bilhões, 777 milhões, 777 mil e 777 pessoas vivendo no Planeta Terra. O número 7.777.777.777 é uma capicua – sequência de algarismos que permanece a mesma se lida na ordem direta ou inversa.

Por que o mundo não escutou John Stuart Mill?

A grande depressão de 2020 vai ficar na história e vai lembrar ao mundo que é inútil manter a crença na possibilidade de crescimento demoeconômico infinito em um Planeta finito. Os economistas clássicos sabiam que a economia e a população não poderiam crescer indefinidamente. Mas, a despeito dos inúmeros alertas da natureza, as atividades humanas cresceram até um ponto que ultrapassaram a capacidade de regeneração do Planeta, conforme mostram os dados da pegada ecológica. Em 2016 (últimos dados da Footprint Network), o mundo já estava utilizando mais de 70% dos recursos compatíveis com a sustentabilidade da Terra.

A economia clássica já reconhecia os limites ao crescimento e dentre os autores clássicos, um economista fundamental foi John Stuart Mill (1806-1873), discípulo de Adam Smith e David Ricardo (1772-1823), que escreveu o livro “Princípios de Economia Política”, em 1848. No capítulo VI, do livro IV, que tem como título: “A condição estacionária”, ele considera que o crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto (PIB) e da população é uma impossibilidade histórica e que o “Estado estacionário” irá predominar, mais cedo ou mais tarde no mundo.

Escrevendo em uma época em que a população mundial era de 1,4 bilhão de habitantes e o PIB global era dezenas de vezes menor do que o atual (1848, p.251), Stuart Mill fez uma pergunta que ainda continua atual: “Para que ponto último está tendendo a sociedade, com seu progresso industrial? Quando o progresso cessar, em que condição podemos esperar que ele deixará a humanidade?

Se o mundo não escutou o alerta de John Stuart Mill, pelo menos vamos lê-lo na quarentena.

Frase do dia 16/04/2020:

Estou propenso a crer que essa condição estacionária seria, no conjunto, uma enorme melhoria da nossa condição atual. Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é aquele de sempre lutar para progredir do ponto de vista econômico, que pensam que o atropelar e o pisar os outros, o dar cotoveladas, e um andar sempre ao encalço do outro (características da vida social de hoje) são o destino mais desejável da espécie humana, quando na realidade não são outra coisa senão os sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso industrial ” (1848, p. 252).

John Stuart Mill (1806-1873)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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3 comentários “Diário da Covid-19: Se ritmo for mantido, Brasil terá mais mortos do que a China em uma semana

  1. ADRIMAURO DA SILVA GEMAQUE disse:

    Boa tarde Prof. José Eustáquio! Esta dedicação feita por você de escrever este Diário da Covid-19 com dando empenho para nos mostrar como está pandemia se alastrou mundo afora avalio como um sacerdócio.
    Evidentemente, que as informações aqui descritas são de fundamental importância para que possamos compreender o cenário mundial.

  2. Tatiana disse:

    Texto extremamente explicativo. Se puderem mandem pro imbecil do Borsalnaro. Mas acredito que mesmo assim vai ficar saindo e fazendo a molevagem de sempre porque ele não presta. Esse novo ministro vai se queimar profissionalmente indo pro cirquinho dele.precisam ver esses números e grsficos pra ver se acordão pro problema.

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