Enquanto a medicina paliativa não ocupa as unidades de saúde para cuidar dignamente de quem está morrendo, pacientes seguem intubados em UTIs. Muitos acreditam nas curas divinas que ironicamente só poderiam ocorrer ligadas aos aparelhos tecnológicos humanos. Uma fala comum que surge nesses momentos é que “Deus deu a inteligência para o homem…”, mas a pesquisadora Luciana Dadalto contesta: “Não me parece razoável que eu faça um excesso para esperar um milagre acontecer”.
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Se buscamos a maior autoridade da Igreja Católica, o Papa, encontramos uma orientação máxima aos fiéis contra a distanásia. E, com base na tese de doutorado da advogada criminalista Flávia Siqueira, sobre os limites da atuação médica, qualquer tipo de interferência não permitida no corpo de alguém configuraria lesão corporal.
“O médico depende sempre do consentimento real ou presumido para poder realizar a intervenção”, lembra Flávia. Mas trata-se de um trabalhador posto em um pedestal, percebe Flávia, e, dessa maneira, “caberia somente a ele decidir sobre o corpo, o futuro e a vida das pessoas, já que é o dono do conhecimento”.
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Veja o que já enviamosA indicação médica, entretanto, nem sempre é tão clara, pontua Flávia. A opinião técnica sobre um caso específico é relevante para o esclarecimento que o médico deve oferecer ao paciente. “Tenho o direito de decidir sobre meu corpo, não o Estado, o médico ou a sociedade”, propõe a criminalista no estudo “Uma proposta de superação do modelo paternalista no tratamento dogmático das intervenções médicas”.
Distanásia: não há ações judiciais no Brasil
Nem Flávia Siqueira nem Luciana Dadalto conhecem qualquer processo judicial no Brasil por praticar distanásia ou intervenções invasivas e inúteis no paciente. Mas descumprimentos de testamentos vitais por parte de médicos e hospitais já chegaram ao conhecimento de Luciana e, em breve, podem aparecer no Judiciário. A adoção desses documentos de diretivas antecipadas de vontade aumentou em 1.000%, conforme a advogada especialista no tema.
No exterior, existem diversas ações e condenações por excessos terapêuticos. “No Brasil não têm ainda, porque a gente não entende que isso é errado, o certo é fazer de tudo para evitar que o sujeito morra”, aponta Luciana. Pelo contrário, muitas famílias buscam a Justiça para manter a pessoa no hospital.
Seja para evitar distanásia ou garantir assistência de saúde correta, falta no Brasil uma lei que defina quais são os direitos do paciente e o dever do profissional de saúde, como existe em muitos países. O projeto de lei 5.559, de 2016, em tramitação no Congresso Nacional, traz observações em relação ao valor do paciente. Está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara desde 2018, e se for aprovado melhorará bastante a situação atual. “Esse é um movimento mundial. Mas ainda estamos longe de consagrar um respeito ao paciente”, constata Flávia.
A mudança pode vir também pela educação, mas precisa ser desde a fase escolar, não apenas na universidade de medicina, onde hoje mal se discute o morrer. “Na América Latina, só 6% das faculdades têm disciplina de cuidados paliativos, é muito pouco, estamos engatinhando, mas começando a melhorar”, pondera a especialista Sarah Ananda Gomes com otimismo.
Perto do Natal de 2020, Téo, de 6 anos, neto mais velho de Oldimeia e Luiz Carlos Costa (um paciente com ELA, que não aceitou prorrogar artificialmente a vida), mandou uma carta para o vovô “Lizcarlos” dentro de um balão jogado ao céu. Fez uns desenhos e escreveu umas frases soltas, entre elas: “Quando puder responda” e “Viva bem”.