ODS 1
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Veja o que já enviamosO corre por saúde, medalha e banana
Viagem à confraria das corridas de rua que não para de crescer, na moda virtuosa da atividade física
O sol mal chegou, produzindo a majestosa luz enviesada, assinatura das franjas do dia. O tempo parece passar com mais vagar, imune aos picos de estresse e às jornadas de impiedosa correria da vida real. Para completar, é domingo, dia nobre para reunir a confraria que não se conhece, mas se olha com cumplicidade, firme na energia e no pacto esportivo cevado a muita endorfina: a corrida de rua.
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Há, claro, um dress code, para usar a nomenclatura em português: camisetas, shorts e calças naqueles tecidos que prometem tourear o suor sob parâmetros científicos (afinal, mentiras sinceras sempre interessam); e tênis coloridos, tecnológicos, adquiridos a valores obscenos e prestações a perder de vista. Bonés, fones de ouvido, viseiras e óculos de sol são opcionais – e frequentes.

Os mais cascudos ostentam relógios com GPS e aplicativos da atividade no celular. Estudam as próprias marcas, numa busca permanente por diminuí-las. Analisam a pisada, a adaptação aos variados climas e pisos, e não negligenciam a musculação, suporte essencial para proteger articulações. Vai muito além de sair por aí.
Ainda tem pace e core, passada e cadência, BPM e RP, trilha e maratona (ou meia), tiros e regenerativos, cadência e sprint, lombar e cervical, e muito mais no idioma da multidão que aperta o passo em orlas, ciclovias, estradas, colinas, florestas. Uma turma em viés de alta: pesquisa de 2024, encomendada pela marca de material esportivo Olympikus, estimou em 13 milhões a multidão de corredores no Brasil – semelhante à população da Região Metropolitana do Rio, a segunda maior do país.
A olho nu, parece que quase todo mundo está na terra carioca, legítima herdeira, por motivos de sol e orla, da Califórnia, berço do esporte, lá nos antediluvianos anos 1970. De manhã cedo e no fim da tarde, os melhores espaços ficam lotados de praticantes – multidão que aumenta exponencialmente nos fins de semana e feriados. A aldeia dos suados sonha com ritmo cada vez mais rápido, para, no começo, perder barriga, ganhar fôlego e, claro, pagar parte da eterna dívida da atividade física; logo, surge o interesse por marcas, distâncias, percursos, cenários. Caminho sem volta.
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Veja o que já enviamosO capítulo seguinte apresenta as corridas pagas, aquelas em que os atletas se reúnem, no fim de semana, para, ao fim do percurso, ganharem uma medalha e uma banana. Tem o ano todo, em pleno calorão de janeiro, sob chuva fina no inverno, em vários lugares da cidade – no Aterro, entre os prédios históricos do Centro, na Quinta da Boa Vista, no Campo dos Afonsos, no Parque Madureira, e até à noite, para o pessoal que não acorda cedo.
E aqui estamos nós, falando ao vivo, no começo da manhã ensolarada e amena do outono carioca, no Parque Olímpico – equipamento urbano criminosamente sub-utilizado – para a Corrida do Time Brasil, realizada pelo Comitê Olímpico do Brasil. Evento de luxo, com a presença de vários atletas incríveis, medalhistas por vários esportes. Giovane e Emanuel (ouro no vôlei, respectivamente em Barcelona/1992 e em Atenas/2004), Jade Barbosa (bronze na ginástica em Paris/2024), Maureen Maggi (ouro no salto em distância em Pequim/2008), Bruno Fratus (bronze na natação em Tóquio/2020) e Leandro Guilheiro (bronze no judô em Atenas/2004 e Pequim/2008) foram alguns que suaram a camisa com os mortais.
O acima assinado estava lá, cada vez mais integrado à confraria. À razão de dois ou três treinos semanais, completou sua 11ª prova, o que lhe confere direito a interagir com os novatos num certo tom de “bem-vindos”, “aproveitem”, “precisando de dicas, podem perguntar” etc. Sem abuso nem marra, que não combinam com a galera.

(Em verdade, essa coluna é quase para justificar a publicação da linda foto do parceiro Diego Mendes, feita quase ao fim dos 5 km.)
A travessia gloriosa da linha de chegada se deu exatos 34min10seg depois da saída e do percurso entre as arenas do gigantesco equipamento olímpico (com direito a passar por dentro de uma delas) e pelas bordas que margeiam a majestosa – e criminosamente poluída – Lagoa de Jacarepaguá. O pace cravou 6min50seg, um pouquinho acima da média dos treinos. Não se pode querer tudo.
De qualquer jeito, medalha no peito, kit de alimentação na mão – dessa vez, com maçã, no lugar da tradicional banana –, e, luxo dos patrocinadores, oferta de cerveja zero como bônus. Mas a receita do sucesso tem outros ingredientes: dopamina, endorfina, serotonina e adrenalina, neurotransmissores que liberados na atividade física que materializam a alegria de estar ali e querer voltar sempre.
E está chegando o clímax do calendário: a Maratona do Rio, evento disputado igual a lugar na Sapucaí. O furdunço começa dia 19, com os 5km, e termina domingo, nos célebres 42,195km da prova nobre, criada a partir da lenda do soldado Fidípides, na Grécia antiga. O percurso carioca é um encanto: largada na Marina da Glória, primeiro retorno no Boulevard Olímpico, depois até o fim do Leblon, de onde os atletas voltam para a chegada no mesmo ponto da partida. Vai encarar?
Tudo muito bom, tudo muito bem. Só não precisa dos animadores, que se esgoelam hiperativos ao microfone para, na teoria, incentivar os atletas antes das provas. Queridos, a madrugada de domingo nem acabou direito e está todo mundo pronto para correr. Os necessitados de motivação não estão ouvindo – ficaram na cama. Sosseguem: aqui só tem animado.
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