Sharenting: como a exposição digital pelos pais afeta a segurança e saúde de crianças

Pesquisa mostra riscos do compartilhamento excessivo de imagens e informações de crianças na internet. Prática pode estimular o cyberbullying e redes de pedofilia

Por Micael Olegário | ODS 16 • Publicada em 11 de abril de 2025 - 09:50 • Atualizada em 11 de abril de 2025 - 12:46

Pesquisa aponta problemas como cyberbullyng e o risco de imagens alimentarem redes de pedofilia (Foto: Canva/Ilustrativa)

O perfil do Instagram de Maria Alice e Maria Flor, filhas da influenciadora Virginia Serrão Costa e do cantor Zé Felipe, acumula cerca de 7 milhões de seguidores e mais de 200 publicações. A maioria são imagens do cotidiano das crianças e o mesmo acontece em diversos outros perfis, principalmente de filhos de celebridades e também no TikTok. Mas até que ponto a exposição constante de crianças – conhecida como sharenting – pode afetar a segurança, a identidade e a saúde mental de menores de idade?

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Pesquisa publicada nesta sexta-feira (11/04) na Revista Bioética aponta os riscos do compartilhamento de imagens e informações sobre crianças em redes digitais por pais e parentes. O termo em inglês surge da combinação entre a expressão share (compartilhar) e o sufixo nting de parenting (parentalidade, na tradução para o português).

Diferentemente do passado, quando familiares acompanhavam a exposição das fotografias de crianças, com o surgimento das redes sociais na internet, fotos são expostas não apenas a pessoas restritas, mas a um público geral, e perpetuamente, levando à dataficação infantil

Trecho da Pesquisa: Sharenting e bioética: desafios para a privacidade e segurança infantil

Entre os principais pontos abordados no estudo, estão a possibilidade das informações compartilhadas serem utilizadas para fraudes e roubos, além de alimentar redes de pedofilia. Outras questões levantadas na pesquisa abordam os impactos psicológicos e sociais do desrespeito da privacidade de crianças, o que pode implicar em problemas de identidade e gerar cyberbullying.

A prática do sharenting pode expor toda a rotina de uma criança ou adolescente na internet, fazendo com que criminosos consigam identificar a rotina da família e da própria criança”, alerta Lucas Garcia, um dos autores do estudo e professor do Programa de Pós-Graduação e Promoção da Saúde da Universidade Cesumar (UniCesumar), de Maringá (PR).

O compartilhamento de informações pelos pais não configura um crime, porque os direitos de imagem dos menores ficam a cargo dos seus responsáveis legais. De acordo com Lucas, não se trata de penalizar ou judicializar, mas de alertar e educar as famílias para lidar com o tema, principalmente para os casos em que essa prática torna-se cotidiana e excessiva, o chamado oversharenting.

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“Essa exposição nas mídias e redes sociais pode levar a riscos ao desenvolvimento da identidade da criança, levantando questões relacionadas a consentimento informado, privacidade, segurança, proteção e a própria relação com os pais”, aponta um dos trechos do estudo. Também assinam a pesquisa Sophia Ivantes Rodrigues, graduanda de psicologia e responsável pela sua concepção, e Leonardo Pestillo de Oliveira, professor da UniCesumar.

Exposição que vira monetização

Na última linha da chamada biografia do perfil das irmãs Maria Alice e Maria Flor, aparece a frase “Nossos produtos Maria’s baby”, com uma seta para o link abaixo. Na tentativa feita nesta semana pela reportagem do #Colabora para acessar o endereço disponibilizado no perfil das crianças, o redirecionamento levou a um site de apostas on-line.

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O exemplo pode indicar a ação de criminosos e também revela outro aspecto da presença de crianças no universo digital: a comercialização da infância. Frequentemente, pais têm utilizado o sucesso dos filhos nas redes para produção de verdadeiras campanhas publicitárias e parcerias com marcas.

“Diferentemente do passado, quando familiares acompanhavam a exposição das fotografias de crianças, com o surgimento das redes sociais na internet, fotos são expostas não apenas a pessoas restritas, mas a um público geral, e perpetuamente, levando à dataficação infantil”, indica a pesquisa feita na UniCesumar.

No final do ano passado, o Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal (MPT/DF) chegou a abrir uma investigação para analisar o fenômeno dos influencers mirins. O caso está sendo investigado como possível estelionato, uma vez que a imagem das crianças é explorada para fins comerciais e econômicos.

Dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil, mostram que 93% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet no país, o que representa aproximadamente 25 milhões de crianças e adolescentes. Exemplos citados em apuração da Repórter Brasil mostram como muitos conteúdos de publicidade infantil que aparecem em feeds ferem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Foto colorida de criança sentada com um celular na mão. Na imagem, aparece apenas metade do corpo da criança e suas mãos tocando a tela do celular
Publicidade infantil e fenômeno dos influencers mirins também levantam preocupações (Foto: Canva)

Como a pesquisa foi feita?

O estudo da UniCesumar sobre sharenting foi realizado através do método conhecido como revisão integrativa de literatura, ou seja, a busca sistematizada de trabalhos que abordaram o tema anteriormente. Ao todo, foram analisados 73 estudos entre 2016 e 2023, em três diferentes línguas: inglês, espanhol e português.

Lucas conta que a ideia para a pesquisa surgiu de debates entre estudantes de cursos de psicologia e de comunicação. “E também do fenômeno das influenciadoras, que são mães e têm os perfis dos seus filhos, até fetos de crianças que estão ainda em processo de gestação, sobretudo no TikTok”, descreve o professor.

A pergunta que guiou a investigação foi “quais são as implicações bioéticas do sharenting na privacidade, segurança e desenvolvimento da identidade das crianças?”. A discussão considerou a divisão em quatro temáticas: 1) privacidade e segurança digital; 2) implicações psicológicas e culturais; 3) dinâmica social e familiar; e 4) resposta societal e legal. 

Um dos principais dados encontrados foi de um levantamento feito pela empresa AVG Technologies, apontando que 81% das crianças com menos de 2 anos de idade de países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha, já estão no ambiente virtual e possuem “pegadas digitais”.

Educação para os pais

Lucas aponta que existem alguns cuidados essenciais que devem ser observados pelos pais, como não permitir a identificação da escola e da rotina da criança e família. Para o professor, as orientações sobre isso devem começar desde o primeiro contato com pediatras e equipes multidisciplinares durante a gestação.

O estudo também levanta a hipótese sobre o crescimento do sharenting como uma forma de pais se conectar com familiares, o que não elimina o risco dessa prática, mas chama atenção para a responsabilidade da sociedade e das plataformas sociais. 

“Os pais devem estar conscientes dos riscos associados ao sharenting e ser incentivados a adotar práticas mais responsáveis. É fundamental que haja um maior envolvimento e cooperação entre pais, educadores, legisladores e profissionais de tecnologia, para desenvolver estratégias eficazes que minimizem riscos sem comprometer os benefícios das interações sociais on-line”, afirma outro trecho da pesquisa.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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