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Seleção brasileira, um totem nacional enferruja em praça pública

Time mais famoso do futebol mundial sofre dentro e fora do campo nas mãos da incompetente (para ser gentil) CBF

ODS 16 • Publicada em 19 de maio de 2025 - 05:06 • Atualizada em 19 de maio de 2025 - 13:24

São poucos os ícones que mobilizam historicamente a sociedade brasileira. A Amazônia semeia orgulho difuso – ótimo que seja nosso território, mas (quase) ninguém se ocupa da devastação inclemente; o litoral cinematográfico tampouco recebe o cuidado devido; o Carnaval – melhor de todas as caras que temos – oscila entre a euforia sazonal e o racismo. Somente um se mantinha inatingível em prestígio e amor: a seleção brasileira.

Mas acabou.

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O time de futebol mais famoso e importante da Terra padece com prestígio e história se desmanchando em acelerado processo de decomposição. Perde, perde e perde num conjunto de mazelas que, esse sim, só se agrava com o tempo. Patina em longevo jejum de conquistas, por problemas que, na maioria, moram fora dele. De qualquer jeito, não há no futebol mundial, cenário melancólico como o enfrentado pela seleção pentacampeã.

Daqui a menos de um ano, a equipe, agora sob comando de um estrangeiro de prestígio gigante – o italiano Carlo Ancelotti –, chegará à Copa do Mundo igualando o maior jejum de conquistas desde a primeira, em 1958, na Suécia. O último título, 2002, estará 24 anos no passado, mesmo intervalo sofrido entre 1970 e 1994 (aqui, com a fundamental diferença de ter produzido o maravilhoso time de 1982). E tudo indica que vai mais longe: o hexa, se vier, passará à história como a mais improvável das vitórias.

As eliminatórias, historicamente mera formalidade, viraram um suplício. Inchado muito além do razoável, o convescote de seleções terá surreais 48 participantes, o que garante a presença de todo mundo – só assim dá para ficar tranquilo com o quarto lugar da seleção, a dez pontos da líder Argentina. Das 10 participantes da disputa continental, seis irão ao Mundial e a sétima ainda tem chance na repescagem.

Para além de números e tabelas, o futebol jogado é um desalento. E não há exemplo melhor do que a última partida, humilhante goleada de 4 a 1 para a Argentina, causadora da demissão do técnico Dorival Júnior. Há anos, o time não apresenta desempenho digno. Patina em atuações flácidas, eliminando qualquer perspectiva virtuosa. Uma lástima permanente.

E olha que não falta jogador – a começar pelo melhor do mundo de 2024, Vinicius Jr, mas não só ele. Time de melhor futebol na temporada europeia que termina agora, o Barcelona teve, como alicerces, o prodígio espanhol Lamine Yamal e o atacante gaúcho Raphinha. Há, ainda, brasileiros espalhados pelos principais clubes do epicentro desse mundo que é uma bola. Do lado de cá do Atlântico, seis anos clubes nacionais se sucedem na posse da Taça Libertadores, principal competição do continente.

Tal descasamento se explica pela gestão criminosa de algo tão valioso. A CBF é um vexame retumbante. Dos últimos sete presidentes, cinco foram apeados do cargo por crimes diversos. Ricardo Teixeira presidiu a entidade como autocrata, entre 1989 e 2012, era dos dois últimos títulos mundiais e de uma chuva de episódios de corrupção que o levou a ser banido do futebol; seu sucessor, José Maria Marin, acabou preso; depois, Marco Polo del Nero teve o mesmo destino de Teixeira; Rogério Caboclo, mandatário entre 2019 e 2021, caiu por casos de assédio sexual; agora, Ednaldo Rodrigues terminou afastado pela falsificação da assinatura de outro cartola, no processo que tentava desatar a briga pelo comando da entidade.

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Em meio às querelas nos gabinetes, em campo, o racismo segue impune; a arbitragem não se profissionaliza; floresce a gambiarra dos gramados sintéticos, enquanto os naturais não oferecem qualidade para suportar os jogos – isso na terra em que se plantando tudo dá. A violência das torcidas envenena o ambiente futebolístico, sem que os responsáveis por jogos e campeonatos se posicionem de maneira produtiva.

Mas é na seleção que as barbeiragens da CBF gritam. Zilionária, a entidade não consegue gerir um time cheio de prestígio e craques, hoje metido até na polarização política do Brasil. A extrema-direita privatizou a camisa amarela, e a transformou em símbolo do horror para metade da população. O manto canarinho embrulha políticos que clamam por intervenção militar e anistia para criminosos, na maior derrota possível para a democracia.

Houve um tempo no qual o uniforme materializava o milagre de unir extremos quando a bola rolava. Até no arbítrio mais sangrento, da ditadura militar sob o AI-5, o time de Pelé, Gerson, Tostão, Rivellino e Jairzinho, craques tricampeões em 1970, foi capaz de unir presos políticos e carcereiros na torcida. Tal sentimento agregador está exilado no passado, como os pontas dribladores e os meias clássicos.

O suposto uniforme vermelho da seleção: símbolo de um tempo de trapalhadas e derrotas do time futebol mais famoso do planeta bola. Reprodução

A CBF pouco se mexe para driblar o radicalismo que afasta grande parte da torcida e, quando tenta, só marca gol contra. Recentemente, circulou a especulação de que o segundo uniforme do time pentacampeão passaria a ser vermelho, em vez do tradicional azul. O mundo caiu na cabeça da entidade e a Nike, pragmática como convém às corporações, recuou. Ficou o desgaste, mais um.

Em verdade, a CBF acumula evidências de ser incompetente demais, irresponsável demais, criminosa demais para cuidar de algo tão valioso como a seleção brasileira. Com a entidade, é só derrota.

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