Em 14 meses, o atacante brasileiro Vini Jr., craque do Real Madrid e da seleção, foi alvo de ofensas racistas por nove vezes. Apesar de seus protestos, as ações contra o racismo foram poucas – na maioria dos casos, não houve qualquer punição.Não foram “casos isolados”, como tentam minimizar La Liga, responsável pela gestão do campeonato espanhol, e a maioria dos veículos do país. Vini Jr. já ouviu ofensas em, pelo menos, sete cidades de todas as partes da Espanha. O racismo é estrutural e não é isolado: no caso deste fim de semana, os insultos racistas vieram de parte significativa da torcida do Valencia, cidade no leste da Espanha, perto da fronteira com a França.
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A repercussão do caso deste domingo, 21/05, em Valencia, com manifestações do presidente Lula, em entrevista no Japão, durante a reunião do G7, grupo dos países mais ricos do mundo ocidental, do governo brasileiro e da própria Fifa teve como consequência a prisão, nesta terça (23/05) de envolvidos em dois ataques racistas – um em janeiro, em Madri, e o deste fim de semana. A falta de punições anteriores favorecei a escalada de ofensas com o brasileiro – hoje a estrela mais brilhante da constelação do Real, clube gigante com o maior número de títulos da Espanha e da Liga dos Campeões da Europa – que vem em espiral ascendente após a pandemia.
O presidente de La Liga, Javier Tebas, não perde a oportunidade de criticar Vini Jr, minimizando os ataques racistas. Não houve qualquer punição aos clubes por parte da Liga – nem esportivas (perda de pontos ou de mando de campo) ou administrativas (multas ou interdição de estádios); as investigações em andamento – inclusive as que geraram prisões nesta terça – são consequência de denúncias à polícia e à procuradoria. Não por acaso, Tebas é ligado ao Vox, partido de extrema-direita espanhol. Por toda a Europa, facções organizadas ligadas à extrema-direita são responsáveis por ataques racistas, xenófobos e homofóbicos: há casos na Itália, na Hungria, nos países dos Balcãs.
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Relembramos aqui a goleada de impunidade aplicada pelos racistas em Vini Jr – que, aliás, não foi o único jogador negro a sofrer com o racismo nesta temporada: o zagueiro alemão Rudiger, também do Real, e o atacante Iñak Williams, nascido na Espanha mas filho de ganeses, também foram alvo de ataques.
Racismo 1 x 0 – Palma de Mallorca, nas Ilhas Canárias, março de 2022 – Câmeras de TV flagram torcedores do Mallorca insultando Vini Jr., mandando o craque “jogar bananas” e imitando o som feito pelos macacos. A La Liga, que não fez punições nas esferas administrativa ou esportiva, apresentou denúncia à Procuradoria de Crimes de Ódio da região, mas o caso foi arquivado – foi considerado que as ofensas não podiam ser consideradas crime.
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Veja o que já enviamosRacismo 2 x 0 – Madrid, capital da Espanha, no centro do país, setembro de 2022 – na semana do clássico local, um comentarista sugeriu, após críticas as danças de Vini Jr para comemorar seus gols, ao brasileiro que “pare de fazer macaquices”. No dia do jogo, torcedores do Atletico entoaram cânticos com ofensas racistas contra Vini, nas redondezas do estádio.
Racismo 3 x 0 – Valladolid, noroeste da Espanha, capital da província de Leão e Castela, dezembro de 2022: torcedores do time local, presidido pelo brasileiro Ronaldo Fenômeno, chamaram Vini Jr. de “negro di merda”. Foram identificados 11 responsáveis pelos insultos racistas, que estão sendo processados. O Valladolid cassou seus ingressos para a temporada e anunciou suspensão de um ano para os torcedores.
Racismo 4 x 0 – Madri, janeiro de 2023 – Às vésperas de mais um clássico entre Real e Atlético, torcedores – apontados como integrantes de facção de extrema direita – penduraram um boneco, com a camisa 20 de Vini, enforcado em uma ponte da capital. Nesta terça, após o episódio em Valencia, quatro pessoas foram presas por envolvimento no ato.
Racismo 5 x 0 – Palma de Mallorca novamente, fevereiro de 2023. Os jogadores ouviram um torcedor gritar “Vinicius, macaco. Você é um puto macaco”. O autor foi identificado – pelo menos, um deles – foi identificado: o Mallorca o proibiu de entrar no estádio por três anos e a polícia abriu inquérito após queixa e depoimento do brasileiro.
Racismo 6 x 0 – Pamplona, capital da província de Navarra, norte da Espanha, fevereiro de 2023 – Vini Jr ouviu insultos racistas e de ódio de parte da torcida do Osasuna, clube local. Apesar de a TV ter filmado os responsáveis, os autores não foram identificados na investigação aberta pela procuradoria. Como em todos os outros casos, La Liga não determinou qualquer punição esportiva ou administrativa
Racismo 7 x 0 – Sevilha, capital da Andaluzia, no sul da Espanha, março de 2023 – Torcedores do Real Betis chamaram o atacante do Real Madrid de “mono” (macaco). Foi aberto inquérito e já foram identificados alguns autores.
Racismo 8 x 0 – Barcelona, principal cidade da Catalunha, oeste da Espanha, março de 2023 – No maior clássico do futebol do país, Vini ouviu gritos de “morra” e foi novamente chamado de “macaco” por torcedores. O caso foi denunciado à procuradoria de Barcelona, mas, até agora, não houve identificação dos autores.
Racismo 9 x 0 – Valencia, capital a província do mesmo nome, oeste da Espanha, maio de 2023 – No caso mais recente, neste domingo, 21/05, as ofensas racistas começaram na chegada do ônibus do Real e continuaram durante o jogo, que foi interrompido quando Vini Jr. denunciou um torcedor que imitava um macaco ao xingar o jogador. O Valencia disse que vai identificar e banir os responsáveis. Na terça (23/05), a polícia prendeu três suspeitos das ofensas racistas. La Liga divulgou nota de repúdio, mas, mais uma vez, criticou o brasileiro, que, após a partida, atacara a falta de providências da entidade para coibir e punir o racismo. “Antes de criticar e ofender a liga espanhola, é necessário que você se informe adequadamente. Não se deixe manipular”.
O governo brasileiro pediu formalmente providências à Espanha, à Fifa e à liga espanhola – o presidente Lula, na coletiva de balanço sobre a reunião do G-7 no Japão, protestou contra o racismo e também pediu punições. Na nota oficial, o governo brasileiro “insta as autoridades governamentais e esportivas da Espanha a tomarem as providências necessárias, a fim de punir os perpetradores e evitar a recorrência desses atos. Apela, igualmente, à FIFA e à Liga a aplicar as medidas cabíveis”.
*Reportagem atualizada em 23 de maio para incluir prisão de suspeitos dos ataques racistas a Vini Jr. em Madri e Valencia