Plataforma mapeia caminhos do comércio ilegal de ouro

Grande área de garimpo na região do rio Uraricoera na Terra Indigena Yanomami ( Foto: Bruno Kelly/Amazôia Real – 30/04/2021)

Instituto Escolhas lança produto digital para mostrar como funciona a extração e venda ilegal do minério e sua ameaça à floresta e aos povos indígenas

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 1 de junho de 2022 - 12:25 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:35

Grande área de garimpo na região do rio Uraricoera na Terra Indigena Yanomami ( Foto: Bruno Kelly/Amazôia Real – 30/04/2021)

Nos últimos dois anos, o Instituto Escolhas vem se debruçando sobre os descaminhos do ouro brasileiro, uma indústria que vive quase sempre à margem da lei. Todos os dados deste trabalho foram reunidos agora numa plataforma para facilitar o mapeamento e a multiplicação das informações sobre o ouro ilegal. ” É uma forma de trazer as pessoas para a discussão e cobrar das autoridades ações concretas para acabar com o ouro ilegal e todos os seus terríveis impactos”, afirma Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, e uma das coordenadoras do trabalho.

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Lançada nesta quarta-feira (01/06), a plataforma ‘O que não lhe contam sobre o ouro’ tem como objetivo reunir “todas as informações necessárias para revelar o lado obscuro da exploração ilegal de ouro no Brasil”, conforme a apresentação da iniciativa online. “A plataforma online é uma ferramenta indispensável para toda a sociedade. Ela traz dados e informações confiáveis sobre o ouro no Brasil, explica quais são os problemas dessa atividade, que têm sido muito severos na Amazônia, e ainda apresenta meios para resolvê-los”, acrescenta Larissa.

A ferramenta traz, por exemplo, um gráfico de fluxos, que permite visualizar as ligações entre o ouro com indícios de ilegalidade e a produção do metal por estado, assim como os fluxos de exportação. A plataforma reforça que o Brasil exportou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade entre 2015 e 2020. O montante – revelado em um estudo recente do Escolhas – é quase a metade de todo o ouro produzido e exportado pelo país. Do volume total de ouro com indícios de ilegalidade, mais da metade veio da Amazônia (54%). Principalmente do Mato Grosso (26%) e do Pará (24%).

O Instituto Escolhas busca explicar ainda, através da plataforma, quem são os principais agentes envolvidos nas cadeias de produção e consumo do metal, os impactos dessas cadeias na vida das populações originárias, a ameaça que o ouro contaminado representa para o mercado internacional e os possíveis caminhos para transformar o cenário e acabar com o ciclo de violência e destruição ambiental. “Hoje, não existe transparência sobre os dados e ainda se fala muito pouco sobre os problemas dessa cadeia produtiva e sobre as soluções para resolvê-los. A plataforma traz tudo isso”, destaca a gerente do Escolhas.

No Brasil, o ouro pode ser extraído por grandes mineradoras ou pelos garimpeiros: a plataforma mostra os caminhos que o ouro percorre até chegar aos consumidores, não apenas aqui como no exterior, reunindo os dados dos estudos feitos pelo instituto. Em 2020, 98 toneladas de ouro exportadas. O ouro brasileiro foi comprado majoritariamente por empresas do Canadá (42%), da Suíça (20%) e do Reino Unido (11%) e representa o principal produto brasileiro no comércio bilateral com esses países – que, portanto, estão com alto risco de exposição à ilegalidade.

No Brasil, os garimpos de ouro estão na Amazônia e esse ouro é obrigatoriamente vendido para as DTVMs. Ao vender o ouro para uma DTVM, os garimpeiros preenchem um formulário com seus dados e declaram o local de extração do metal. Não há checagens, nem documentos de comprovação da origem. A lei, neste caso, reconhece a declaração com base no princípio da boa-fé. “Em pleno século 21, esses formulários são preenchidos em papel. Se o ouro foi extraído ilegalmente, mas declarado como legal no momento da venda, está concluída a lavagem”, aponta o texto da plataforma.

A plataforma também destaca o Projeto de Lei 836/2021, em tramitação no Senado, que traz as bases para o controle do comércio de ouro, com a rastreabilidade do minério, definindo documentações de transporte e origem, notas fiscais eletrônicas e registros digitais. De acordo com o Instituto Escolhas, a adoção obrigatória da rastreabilidade do ouro brasileiro é urgente para conter a ilegalidade.

A iniciativa lembra ainda que a legislação diferencia a mineração industrial das práticas de garimpo. “A verdade é que ambas usam maquinário pesado e estão organizadas de forma industrial. Tal distinção dificulta os controles ambientais e trabalhistas, pois a estratégia do garimpo é se apresentar como uma atividade pequena, executada por indivíduos em busca de sustento. A realidade é bem diferente”, aponta a plataforma.

O produto digital desenvolvido pelo Escolhas também traz informações sobre o avanço da mineração sobre a floresta, frisando que, nos últimos seis anos, o desmatamento causado pela mineração na Amazônia cresceu quase 7 vezes. Em 2015, foram perdidos 18 k㎡ de floresta e, em 2021, a área desmatada chegou a 121 k㎡ e alerta para o projeto enviado ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro em 2020, quer liberar a mineração nas Terras Indígenas sem consultar os povos, como exige a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Todos os cinco estudos já realizados pelo Instituto Escolhas sobre o comércio de ouro e suas ilegalidades e irregularidades estão disponíveis na plataforma que será atualizada com novos dados e evidências nos próximos meses. “O Instituto Escolhas vem se dedicado ao tema da mineração ilegal e temos a intenção de seguir levantando informações sobre o assunto e, mais do que isso, queremos trazer proposições. E não vai demorar. Teremos um novo conteúdo em breve, focado na solução deste problema’, assegura Larissa Rodrigues.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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