Nesta terça-feira (28/10), o governo do Rio de Janeiro mobilizou quase três mil agentes para produzir a operação policial mais letal da trágica e desastrada história do combate ao crime no estado: no fim do dia, a ação havia gerado 64 cadáveres – entre eles, para marcar o tamanho de seu fracasso, quatro policiais. A capital do Rio, palco dos conflitos que começaram em dois complexos de favela da Zona Norte, viveu um dia de tiroteios e pânico: criminosos fecharam vias e o terror tumultuou a rotina da cidade.
Nota conjunta – ‘Segurança Pública não se faz com sangue’ – assinada por quase 30 entidades criticaram a matança. “A perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro, superando seus próprios recordes anteriores registrados no Jacarezinho (2021) e na Vila Cruzeiro (2022)”, afirma o texto.
Principal alvo das críticas, o governador do Rio fez um pronunciamento para exaltar o trabalho da sua polícia e reclamar de falta de apoio federal. “O que o governador Cláudio Castro classificou hoje como a maior operação da história do Rio de Janeiro é, na verdade, uma matança produzida pelo Estado brasileiro”, denunciam as entidades na nota, destacando que a operação “expõe o fracasso e a violência estrutural da política de segurança no estado”.
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Veja o que já enviamosO texto lembra ainda que, ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas do Rio de Janeiro foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte. “Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação. Não há nela elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios. Pelo contrário: essas ações aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal. A morte não pode ser tratada como política pública”, afirma a nota.
No pronunciamento, anunciado como entrevista coletiva mas onde o governador e seus secretários não responderam perguntas, Castro chamou Castro chamou os suspeitos presos de “filhotes da ADPF” – a operação, além de produzir 64 cadáveres, resultou em duas dezenas de baleados (15 policiais), 81 prisões e na apreensão de mais de 90 fuzis. “Durante seu pronunciamento, o governador ainda tentou responsabilizar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 635 — a ADPF das Favelas — e as organizações da sociedade civil que atuaram por sua implementação, pela letalidade da operação. Ao fazer isso, ataca o controle das polícias, papel constitucionalmente atribuído ao Ministério Público, e busca deslegitimar o trabalho das entidades que lutam pelo direito à vida nas favelas”, criticam as entidades.
A nota lembra também que Castro ainda atuou politicamente para esvaziar a ADPF 976 no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de liberar as forças de segurança de obrigações legais como planejamento prévio e preservação de vidas. “O que se testemunha hoje é o colapso de qualquer compromisso com a legalidade e os direitos humanos: o Estado substitui a segurança pública baseada em direitos por ações militares de grande escala. Sob o pretexto da ‘guerra às drogas’, instala-se um estado de insegurança permanente, voltado contra a população negra e pobre das favelas”, conclui a nota assinada por entidades como Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Conectas Direitos Humanos, CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), CEJIL, Instituto Papo Reto, Redes da Maré, ISER, Observatório de Favelas, Instituto Sou da Paz, Rede Justiça Criminal e Casa Fluminense.
MPF e Defensoria cobram explicações
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União encaminharam ainda nesta terça ofício ao governador Cláudio Castro solicitando que “informe detalhadamente de que forma o direito à segurança pública foi promovido” na operação policial que produziu 64 cadáveres, inclusive de quatro policiais.
O órgão do Ministério Público Federal pede que o governador explique as finalidades da operação policial, os custos envolvidos e a comprovação da inexistência de outro meio menos violento e letal de atingir a mesma finalidade. O MPF também quer saber se foram cumpridas as exigências do Supremo Tribunal Federal descritas na “ADPF das Favelas”, que estabeleceu parâmetros para a elaboração do plano de redução da letalidade policial apresentado pelo Estado do Rio de Janeiro à corte. O ofício, endereçado a Cláudio Castro, é assinado pelo procurador Julio José de Araújo Júnior e do defensor público Thales Arcoverde Treiger.
A Defensoria Pública da União (DPU) também manifestou repúdio a mais letal operação policial da história do Rio. Para a DPU, “ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade, ausência de políticas sociais e exclusão institucional”.
