LGBT+60: Ângela e Wilmann realizam sonho e se casam após 26 anos juntas

Casal de 69 e 74 anos participou da websérie ‘LGBT+60’, do #Colabora, e do especial ‘Falas de orgulho’, da Rede Globo. Agora, elas protagonizam um conto de fadas moderno

Por Yuri Alves Fernandes | ODS 16 • Publicada em 5 de outubro de 2021 - 19:39 • Atualizada em 27 de outubro de 2021 - 08:30

Ângela e Wilmann se casam em uma celebração religiosa com efeito civil oficiada pelo Reverendo Cristiano Valério, da Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo (Foto: Rayana Azevêdo)

“Estou no meu dia de princesa”. Foi com essas palavras que Wilmann Defacio, 74 anos, definiu o momento pouco antes de se casar oficialmente com Ângela Fontes, de 69. As duas já vivem juntas há 26 anos e o casamento era um sonho antigo. Um conto de fadas que – ainda bem – nada lembra os clássicos que estamos cansados de ouvir ou ler. Mas em comum o final feliz, que no caso das duas idosas encerra apenas um capítulo desta história que seguirá sendo vivida e, certamente, narrada de diferentes formas. 

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O #Colabora esteve na cerimônia para poucas dezenas de convidados em São Paulo, na sexta, dia 1º de outubro – também Dia Mundial do Idoso. Entre os presentes, familiares e amigos, grande parte composta por pessoas LGBT+ com mais de 50 anos e membros da ONG Eternamente Sou – um centro de convivência que luta em prol de um envelhecimento ativo, digno e acolhedor para as minorias LGBT+ na terceira idade.

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Sob a gestão de Rogério Pedro, padrinho ou “mãe das noivas”, como foi apelidado, a organização foi a responsável por realizar o evento na Boate Tunnel, uma das mais tradicionais da capital paulista. Elas, que já estão prestes a tomar a terceira dose da vacina contra a covid-19, se casaram numa celebração religiosa com efeito civil oficiada pelo Reverendo Cristiano Valério, da Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo, que tem o respeito à diversidade como um de seus pilares. 

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É uma vitória muito grande pelo fato de sermos duas mulheres. Já sofremos muito preconceito, mas hoje a gente se sente muito feliz e realizada
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Ângela e Wilmann foram estrelas da segunda temporada da websérie “LGBT+60: corpos que resistem”, publicada no #Colabora (veja mais abaixo) e de autoria de Yuri Fernandes – o mesmo que vos escreve e que se encantou com a história do casal desde o primeiro encontro, em 2019, para a gravação do projeto. Na época, Wilmann intimou a amada: “Está faltando só o casamento”.

O pedido oficial veio em grande estilo e de surpresa: no especial “Falas de orgulho”, exibido pela Rede Globo neste ano no mês do Orgulho LGBT+. Elas ganharam ainda maior repercussão nacional e entraram na contagem regressiva para o dia do sim.

“É uma vitória muito grande pelo fato de sermos duas mulheres. Já sofremos muito preconceito, mas hoje a gente se sente muito feliz e realizada. Esse momento está sendo uma coisa gigantesca na nossa vida”, conta Ângela após já estar devidamente produzida para trocar as alianças. Para ela, outra grande felicidade é servir de inspiração para muitas pessoas LGBT+. O medo da solidão e da própria velhice afeta a comunidade: “Pode-se, sim, viver um grande amor”.

 

As netas Defacio

Quem acompanhou de perto os preparativos desde o início juntamente com as noivas foram Nicole e Tarcila. As duas eram um misto de alegria, nervosismo e emoção nos bastidores. Netas de Wilmann, foram as responsáveis pela entrada com as alianças e se consideram empoderadas com a relação das avós.

Nicole Defacio, de 30 anos, mora com o casal desde os 14, após os pais se mudarem para Minas Gerais. Confessa que no começo tinha ciúmes da avó com Ângela, mas confessa que logo se rendeu. “Me apaixonei perdidamente por ela. A Ângela é um dos seres humanos mais incríveis que já conheci na vida. Se minha avó não se casasse com ela, não ia ser como ninguém, porque eu não ia deixar”, sorri, emocionada.

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Não é todo dia que a gente acompanha o caso de duas idosas se casando. Me incentiva como mulher a ser mais forte. Elas são espelhos para mim

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Já Tarcila Defacio tem a mesma idade que o tempo no qual as agora casadas estão juntas. Uma vida inteira marcada pela presença das duas: “No início, eu via a relação como uma amizade, depois de um tempo soube que elas eram um casal e continuei feliz. É superlegal você chegar na roda de amigos e falar sobre: ‘Eu tenho uma avó LGBT+, casada com outra mulher’. É um ato de muita coragem”.

Coragem que ela faz questão de levar como inspiração para a própria vida: “Não é todo dia que a gente acompanha o caso de duas idosas se casando. Me incentiva como mulher a ser mais forte. Elas são espelhos para mim”. 

Casamento Angela e Wilmann
Nicole e Tarcila Defacio: netas de Wilmann e porta-alianças do casamento (Foto: Reprodução/Colabora)

O conto 

Enfermeira aposentada, Ângela começou a trabalhar em um hospital de São Paulo onde Willman era auxiliar de enfermagem numa ala pediátrica. Foram três anos se encontrando durante os plantões. “Eu já gostava dela, mas achava que era muito para meu caminhãozinho”, relembra. Apesar da paixão, não foi dessa vez que elas ficariam juntas.

Ângela saiu do emprego e as duas foram se reencontrar quase 10 anos depois, por intermédio de uma amiga. Tomaram uma cerveja – hábito que elas não dispensam até hoje – e depois combinaram um jantar. Não se separam mais. O pedido de namoro foi imediato. Começaram a se relacionar em janeiro e no mesmo mês já estavam morando juntas.

Antes disso, Wilmann chegou a se casar com um homem com quem ficou por 19 anos. Hoje, ela ri: “Era terrível. Era um casamento falido. Não tinha condições”. Já Ângela, dividiu o teto com a primeira esposa por 15 anos. Mas o preconceito por parte da família da ex era grande e as elas enfrentaram vários problemas conjugais.

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Ela é a mulher da minha vida, vou fazê-la muito feliz e quero viver com ela até o último momento

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Ângela e Wilmann demoraram a falar abertamente sobre o relacionamento. Defacio lembra que o pai sempre foi esperto. “E esse seu caso íntimo?”, ele perguntava. A mãe também não encontrou resistência ao ter conhecimento da relação. Já para a família de Ângela, ela morava com uma amiga. Sem muitos questionamentos.

Mas depois de 8 anos com a companheira, ela ouviu da irmã: ‘Quero te dizer que eu gosto de você como você é”. Mas, ainda assim, Ângela confessou que sentiu vergonha de se abrir. As duas só saíram do armário definitivamente há 10 anos quando participaram do “SuperPop”, da RedeTV. Tornaram-se assunto na cidade e receberam, enfim, o carinho dos familiares. “Parece que tiraram uma tonelada de cima de mim. Vivi mais feliz, mais em paz comigo mesma”, comemora Ângela. 

O recanto 

É na pequena Luiziânia, cidade a 515 km da capital do estado de São Paulo e com pouco mais de cinco mil habitantes, que Ângela e Willman vivem. Quem chega na casa da família já se depara com a placa com os dizeres Recanto das Minas. Espaço que se destaca pela calmaria e pelo enorme quintal.

Católicas, vão sempre à missa juntas. Wilmann é apaixonada por jogos de carta, principalmente buraco. Ângela, prefere dominó. Na prateleira de casa, várias medalhas conquistadas nos Jogos Regionais dos Idosos, ou simplesmente Jori. Viajar também é uma paixão em comum e os álbuns de fotos são provas disso. 

Para a mais velha, o segredo da longevidade da relação está na calma e no respeito. Ângela acrescenta que é sobre amar demais. “Eu não consigo ficar sem ela. Cinco dias para mim é uma tortura”, entrega. Romântica, ela sempre enche a casa de flores em datas especiais. Flores e romantismo que, aliás, acompanharam o casal durante um ensaio pré-casamento pelas ruas de São Paulo (veja ao final).

E como toda grande história de amor termina com uma linda declaração, aqui nesta reportagem também não poderia ser diferente. “Ela é a mulher da minha vida, vou fazê-la muito feliz e quero viver com ela até o último momento”, diz Wilmann. “Você vai me fazer chorar, né? Vamos lá: eu a amo da mesma forma que 26 anos atrás. Daqui pra frente tudo vai continuar igual, mas agora com o nosso sonho realizado”, conta Ângela. 

E se em 2019 ainda faltava o casamento, a espirituosa Wilmann agora cobra outro evento: “Faltou só despedida de solteiro”. A lua de mel, pelo menos, elas garantem que vão programar para as próximas semanas. 

Continua.

Yuri Alves Fernandes

Jornalista e roteirista do #Colabora especializado em pautas sobre Diversidade. Autor da série “LGBT+60: Corpos que Resistem”, vencedora do Prêmio Longevidade Bradesco e do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade LGBT+. Fez parte da equipe ganhadora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com a série “Sem direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”. É coordenador de jornalismo do Canal Reload e diretor do podcast "DáUmReload", da Amazon Music. Já passou pelas redações do EGO, Bom Dia Brasil e do Fantástico. Por meio da comunicação humanizada, busca ecoar vozes de minorias sociais, sobretudo, da comunidade LGBT+.

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