Gastos militares batem recorde histórico em 2024

Despesas dos países com defesa bélica e com instrumentos de destruição em massa subiram 9,4% em relação a 2023, o maior aumento anual desde o fim da Guerra Fria

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 16 • Publicada em 5 de maio de 2025 - 09:38 • Atualizada em 5 de maio de 2025 - 09:44

Tropas do Exército dos EUA em treinamento na Polônia: gastos militares bateram recorde histórico em 2024 (Foto: Spc. Trevor Wilson / US Army / 27/11/2024)

“Imagine que não há países

Não é difícil imaginar

Nenhum motivo para matar ou morrer

E nenhuma religião também

Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz”

John Lennon

O mundo enfrenta graves desafios sociais, como a pobreza e a fome, além de uma crise climática sem precedentes. A Agenda 2030 da ONU encontra-se estagnada, com retrocessos em diversas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os investimentos em segurança alimentar e transição energética permanecem muito abaixo do necessário – e do que seria plenamente viável.

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Porém, não faltaram recursos para o crescimento das despesas militares globais. Os gastos com defesa bélica e com instrumentos de destruição em massa atingiram US$ 2,7 trilhões em 2024, um aumento de 37% entre 2015 e 2024 e de 9,4% em termos reais em relação a 2023, o maior aumento anual desde o fim da Guerra Fria, conforme dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI).

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Os gastos militares aumentaram em todas as regiões do mundo, com crescimento particularmente rápido na Europa e no Oriente Médio, refletindo tensões geopolíticas intensificadas em todos os continentes. O maior volume de gastos, em 2024, ocorreu nas Américas, com US$ 1,1 trilhão (aumento de 5,8% entre 2023 e 2024), seguido da Europa com US$ 693 bilhões (aumento de 17%), da Ásia e Oceania com US$ 629 bilhões (aumento de 6,3%), do Oriente Médio com US$ 243 bilhões (aumento de 15%) e África com US$ 52,1 bilhões (aumento de 3%).

O gráfico abaixo mostra os 10 países com os maiores orçamentos militares em 2024. Os 10 maiores gastadores do mundo aumentaram seus gastos no último ano e atingiram o total de cerca de US$ 2 trilhões, representando 73% do total dos gastos militares globais. Os Estados Unidos (EUA) – na liderança absoluta dos gastos – aumentaram as despesas bélicas em 5,7% entre 2023 e 2024, atingindo praticamente US$ 1 trilhão, representando 50% das despesas do top10 e 37% do total mundial. A China – ocupando a segunda posição do ranking –  aumentou as despesas em 7% e atingiu um gasto de US$ 314 bilhões, representando 12% das despesas globais.

Despesas globais por região - 1988/2024
Despesas globais por região – 1988/2024

Na ordem decrescente, os outros 8 países com os maiores orçamentos militares são: Rússia com US$ 149 bilhões (5,5% do total); Alemanha com US$ 88,5 bilhões (3,3% do total); Índia com US$ 86,1 bilhões (3,2% do total);  Reino Unido com US$ 81,8 bilhões (3,0% do total); Arábia Saudita com US$ 80,3 bilhões (3% do total); Ucrânia com US$ 64,7 bilhões (2,4% do total); França com US$ 64,7 bilhões (2,4% do total) e Japão com US$ 55,3 bilhões (2% do total).

Os 10 maiores orçamentos militares em 2024
Os 10 maiores orçamentos militares em 2024

O gráfico mais abaixo destaca os países com as maiores despesas militares em 2024, como percentagem do Produto Interno Bruto (PIB). A Ucrânia – que foi invadida militarmente pela Rússia em 2022 – é o país com o maior fardo militar, com despesas da ordem de 34,5% do PIB em 2024. A Ucrânia recebeu pelo menos US$ 60 bilhões em ajuda militar 2024, principalmente do EUA, mas também da Alemanha e outros países europeus. O SIPRI incluiu a ajuda militar na estimativa de gastos do país doador e não do beneficiário, o que significa que esses US$ 60 bilhões não estão incluídos na conta da Ucrânia. Se fossem incluídos, os gastos militares da Ucrânia teriam totalizado US$ 125 bilhões, o que o tornaria o quarto maior orçamento militar do mundo.

O segundo país com maiores despesas militares como percentagem do PIB é Israel com 8,8%. É um número extremamente elevado, especialmente quando comparado à média global, que gira em torno de 2% do PIB para a maioria dos países. O gasto de 8,8% do PIB por Israel é uma expressão direta da Guerra de Gaza e da política de segurança nacional baseada em prontidão constante, na ocupação de territórios e na dissuasão estratégica regional.

Além da Ucrânia e de Israel, os outros países com as maiores despesas militares como percentagem do PIB, em 2024, são: Argélia (8%); Arábia Saudita (7,3%); Rússia (7,1%); Myanmar (6,8%) e Omã (5,6%). Nos EUA, os gastos militares representam 3,4% do PIB e na China representam 1,7% do PIB.

Gastos militares como percentagem do PIB, por países, em 2024
Gastos militares como percentagem do PIB, por países, em 2024

O gasto militar total dos membros da OTAN chegou a US$ 1,5 trilhão, ou 55% dos gastos bélicos globais. Dos 32 membros da OTAN, 18 gastaram pelo menos 2% do PIB com suas forças armadas, de acordo com a metodologia do SIPRI, um aumento em relação aos 11 em 2023 e o maior número desde que se adotou as diretrizes de gastos em 2014.

O aumento dos gastos militares dos países da OTAN nos últimos anos pode ser explicado por uma combinação de fatores geopolíticos, estratégicos e econômicos. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, os países da OTAN passaram a ver a segurança coletiva como prioridade urgente. A ameaça concreta de um conflito armado na Europa impulsionou: 1) Reforço do flanco leste da OTAN (Polônia, Estados Bálticos, Romênia, etc.); 2) Ajuda militar massiva à Ucrânia, o que levou os arsenais dos países-membros a serem parcialmente esvaziados e a necessidade de reposição; 3) Percepção de risco russo, pois houve interferência em outros países da imensa fronteira da Rússia.

Os Estados Unidos há anos pressionam os aliados europeus a gastarem mais em defesa. A meta definida na cúpula da OTAN em 2014 foi que cada país-membro deve investir pelo menos 2% do PIB em defesa. A percepção de que a Europa não pode depender apenas dos EUA para sua defesa ganhou força. O conceito de defesa foi ampliado para incluir: a) Guerra cibernética e proteção de infraestrutura crítica; b) Espaço e inteligência artificial como novos domínios estratégicos; c) Investimentos em sistemas antiaéreos e tecnologias modernas, como drones e sistemas de vigilância.

Crises em outras regiões, como Oriente Médio, África e o Ártico, também levaram os países da OTAN a reavaliarem seu papel, com participação em missões da ONU e estabilidade do flanco sul da Europa, especialmente após a guerra na Síria e instabilidade na região do Sahel. O aumento dos gastos militares da OTAN é uma resposta direta ao retorno de uma era de competição entre grandes potências, somada a ameaças híbridas e regionais. Trata-se de um movimento de “rearme estratégico”, mas também de adaptação tecnológica e modernização das forças armadas.

Um fato inquestionável é que todos estes gastos militares ocorrem em detrimento dos investimentos nas áreas sociais e ambientais. Se a paz e a harmonia entre as nações predominasse no mundo, seria possível, por exemplo,  redirecionar os orçamentos militares para a aceleração da transição energética com inclusão social.

Redirecionar parte dos gastos militares para transição energética

Redirecionar parte dos gastos militares para investimentos em transição energética teria impactos profundos em diversas áreas: econômicas, geopolíticas, ambientais e sociais. Abaixo seguem alguns dos principais impactos potenciais.

Aceleração do combate às mudanças climáticas: 1) Recursos significativos poderiam ser usados para expandir energia solar, eólica, hidrogênio verde e armazenamento de energia; 2) Ajudaria a atingir metas do Acordo de Paris e evitar cenários catastróficos de aquecimento global.

Geração de empregos e reindustrialização verde: 1) A transição energética é intensiva em mão de obra, engenheiros, técnicos, construção civil, logística, et; 2) Cada dólar investido em energia renovável gera mais empregos do que o equivalente em defesa.

Segurança energética e redução da dependência de combustíveis fósseis: 1) Diminui a vulnerabilidade a choques nos preços do petróleo e gás (como os causados por guerras ou crises); 2) Torna os países menos dependentes de fornecedores instáveis, como Rússia, Irã ou Venezuela.

Redução de tensões geopolíticas relacionadas à energia: menor dependência de rotas marítimas e oleodutos sensíveis (como o Estreito de Ormuz ou o Mar do Sul da China) pode reduzir conflitos estratégicos.

Benefícios sociais e de segurança humana e alimentar: 1) investimentos em transição energética impactam diretamente a saúde pública, devido à melhora na qualidade do ar e redução de eventos climáticos extremos; 2) contribuem para a segurança alimentar e hídrica, ao estabilizar o clima e reduzir eventos extremos; 3) evitar perdas na produção agrícola, pois climas extremos (secas, inundações, ondas de calor) reduzem safras, uma vez que diversos cultivos são sensíveis a variações de temperatura e precipitação.

Portanto, redirecionar parte dos gastos militares para a transição energética poderia ser profundamente transformador – acelerando a descarbonização e gerando amplos benefícios econômicos e sociais. No entanto, o avanço do isolacionismo, do nacionalismo e da competição geopolítica impõe desafios significativos a essa agenda. A guerra comercial desencadeada pelo tarifaço tresloucado do presidente Donald Trump é outro  fator que tensiona o cenário militar.

Desta forma, fortalecer a governança global exige mais do que diplomacia: requer uma visão compartilhada, legitimidade renovada e a construção de ganhos tangíveis para todos tanto no comércio como na colaboração para o progresso coletivo. A transição energética representa uma das últimas grandes oportunidades de alinhar interesses nacionais, com inclusão social e a defesa do bem comum planetário.

Fortalecer a governança global exige mais do que diplomacia: requer uma visão compartilhada, legitimidade renovada e a geração de benefícios concretos para todos — tanto no comércio quanto na cooperação voltada ao progresso coletivo. A transição energética desponta como uma das últimas grandes oportunidades para alinhar interesses nacionais com inclusão social e a proteção do bem comum planetário.

Referência:

XIAO LIANG et al. TRENDS IN WORLD MILITARY EXPENDITURE, 2024, SPRI, April 2025

https://www.sipri.org/sites/default/files/2025-04/2504_fs_milex_2024.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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