ODS 1
Festa tradicional para Kamukuwaká
Dança, canto e comida marcaram a inauguração da réplica em 3D. Em meio as comemorações, caciques do povo Wauja e de outras etnias do Xingu falaram das mazelas que se abatem sobre o território
A aldeia Ulupuwene dormiu e amanheceu em festa na última quinta-feira, 3 de outubro. A data marcava o fim de uma saga que começou em setembro de 2018. Seis anos depois da gruta de Kamukuwaká ser destruída por vândalos, o local sagrado dos Wauja renascia na forma de uma réplica em 3D. Para os Wauja, Kamukuwaká continua vivíssimo, apesar da tentativa de aniquilar com o guerreiro e líder desse povo.
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Foi um dia de celebração, ancorada nas lições de ancestralidade desse povo, com muita dança e canto, mas com puxões de orelha, aqui e acolá, e reivindicações. Caciques citaram o avanço do desmatamento sobre a terra indígena, os impactos das mudanças climáticas no território e a falta de compromisso dos governos em proteger patrimônios.
A parteira, raízeira, rezadora e contadora de história Pere Yalaki Waurá tinha seis anos quando o Território Indígena do Xingu foi demarcado. Aos 67 anos, ela foi peça-chave no processo de validação das gravuras reproduzidas na réplica em 3D. Sua história de vida perpassa toda a trajetória da reserva: desde o contato dos indígenas, entre eles os seus pais, com os irmãos Villas-Boas, ao massacre do sarampo sobre os Wauja nos anos 1950.
“Ela fala da tristeza dela por conta da depredação e desmatamento demais, mas, por outro lado, ela está feliz com a vinda da réplica do Kamukuwaká”, traduziu seu filho, Tukupe Waurá, sobre o comentário da mãe acerca da inauguração da réplica na comunidade. Ao afirmar que Kamukuwaká é um “personagem pilar central de todos os acontecimentos da linha do tempo dos conhecimentos do Wauja”, Pere disse que espera que a réplica ajude na “educação e na subsistência física e cultural” do seu povo.
Para o cacique da aldeia Topepeweke, Akari Waurá, a inauguração da réplica foi uma espécie de homenagem a seu pai — o patriarca da família faleceu quando ele tinha 14 anos. “O desejo dele era trazer a gruta sagrada para dentro da comunidade”, lembra, comentando que, apesar da caverna estar fora do sítio arqueológico localizado na vizinhança da aldeia Ulupuwene, ela vai ser fundamental para o resgate do patrimônio cultural brasileiro: “Vamos fazer festa aqui, tocar flauta, ensinar as crianças, a mulherada vai dançar”.
Danças tradicionais
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Veja o que já enviamosA dança do Lambari (Kagapa, como eles chamam em Aruak), por exemplo, foi uma das cerimônias que os indígenas fizeram horas antes da inauguração da réplica. Todos os rituais foram realizados no centro da aldeia, como é de costume no Xingu. No meio da roda, uma dupla de cantores: o principal fica de pé cantando e tocando o chocalho, enquanto outro fica sentado acompanhando o ritmo com um tambor. Os dançarinos acompanham as batidas do chocalho e do tambor.
A oralidade é o único meio de transmissão dos conhecimentos das danças e cantos. No intervalo dos rituais, é a hora do descanso, quando aproveitam para beber e comer — no dia da inauguração, a fruta servida foi a melancia. Todos almoçaram juntos e o menu foi o prato tradicional dos Wauja: peixe assado com beiju, preparado pelas mulheres a partir da mandioca brava, ou selvagem, como chamam, cultivada pelos homens. Não é só a refeição que é servida coletivamente — todos se arrumam juntos para a festa.
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A festa contou a presença de lideranças de outros povos do Xingu. Managu Ikpeng, por exemplo, aproveitou a cerimônia para pedir socorro em alto e bom som: “O desmatamento está crescendo e sem território não temos educação, saúde, paz”. Ele se referia ao fato de que os territórios indígenas sempre foram uma espécie de barreira para os incêndios, dado que são áreas preservadas — a realidade começa a mudar, já que o desmatamento vem se aproximando cada vez mais da reserva. “Os rios estão secando e com o clima mudando, o período das chuvas está chegando mais tarde”.
O cacique do povo Trumai, por sua vez, aproveitou, já que estava na presença do novo superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Mato Grosso, Fernando Medeiros, para dizer que seu povo conta com a ajuda do órgão: “A gruta de Kamukuwaká foi tombada, mas continua sendo destruída”.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.