Encontrados corpos de crianças Yanomami sugadas por draga

Lideranças indígenas apontam omissão da Polícia Federal e do Exército no combate ao garimpo ilegal na região

Por Amazônia Real | ODS 15ODS 16 • Publicada em 15 de outubro de 2021 - 16:07 • Atualizada em 20 de outubro de 2021 - 12:23

Dragas de garimpo no Rio Parima, na Terra Ynomami: encontrados os corpos de duas crianças indígenas (Bruno Kelly / Amazônia Real)

(Ana Lucia Montel*) Boa Vista (RR) – No fim da tarde de quinta-feira (14), acabaram-se as últimas esperanças de encontrar com vida as duas crianças Yanomami sugadas e cuspidas para o meio do rio por uma balsa que operava ilegalmente na região do Parima, município de Alto Alegre. O corpo de um menino de 7 anos foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros após dois dias de buscas. Um dia antes, os moradores da comunidade Makuxi Yano já haviam localizado o corpo do outro desaparecido, um menino de 5 anos.

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Não foi um acidente, mas mais um assassinato cometido pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa Yanomami informou à Amazônia Real que não houve operação da Polícia Federal ou do Exército nesta região. “Nós recebemos a informação através das lideranças da comunidade. Nessa região, o garimpo é muito antigo, de muitos anos, e a operação da Polícia Federal e do Exército não foi lá; não fizeram nenhuma fiscalização. Nada, nada”, afirmou.

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Veja o que já enviamos

O uso de draga pelos garimpos é uma ameaça permanente aos povos indígenas. “A situação nessa comunidade é ainda mais complicada porque os garimpeiros usam draga. Lá na comunidade, depois de 300 metros, já é draga, onde o cano puxa o petróleo dentro do rio. A correnteza levou as crianças e elas entraram na mangueira que está puxando o petróleo”, afirmou Dário Kopenawa.

Na quarta-feira (13), a HAY enviou ofício às autoridades comunicando o ocorrido e pedindo, mais uma vez, providências. “Acionamos os órgãos públicos para chamar a atenção das autoridades locais. Pedimos do Ministério Público, Polícia Federal, o próprio governo federal. Não é de hoje que pedimos a retirada do garimpo, a violência, o agravamento do nosso território que está muito ameaçado, por isso enviamos esse ofício às autoridades e pedimos que a Amazônia Real divulgue para chamar atenção da imprensa local e nacional para chamar atenção das autoridades brasileira”, disse Dário.

No final da tarde de quarta-feira (13), mergulhadores do Corpo de Bombeiros se deslocaram até a região em uma aeronave disponibilizada pelo Dsei-Y. “A Corporação de Bombeiros Militar de Roraima preparou uma equipe com quatro mergulhadores, devido à distância e à dificuldade de acesso, o CBMRR ficou aguardando a disponibilização de uma aeronave pela autoridade indígena solicitante, os mergulhadores estão no local realizando as buscas desde as primeiras horas desta quinta-feira, dia 14”, diz a nota do CBMRR enviada à imprensa.

Procurado, o Ministério Público Federal (MPF) de Roraima informou à Amazônia Real que está apurando os acontecimentos para que providências sejam tomadas. Segundo o MPF, estão sendo investigadas “a eventual responsabilidade de invasores da terra indígena e a possível omissão dos órgãos responsáveis pela proteção das comunidades em questão”. O MPF informou ainda que possui ações judiciais em andamento exigindo proteção territorial aos Yanomami e apurações sobre violações de direitos desse povo indígena.

Deputada protesta: ‘garimpo é crime’

A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), em um encontro virtual para debater o marco temporal, citou o caso do assassinato das crianças Yanomami. “Isso não pode acontecer, porque garimpo é crime e, mesmo assim, não há uma resposta à altura por parte do governo brasileiro”, afirmou.

A deputada indígena lamentou a tragédia e definiu a quinta-feira, quando houve a confirmação das duas mortes, como um dia muito pesado e que há uma ação deliberada para aumentar as invasões sobre as terras indígenas. “E ainda há um incentivo muito grande, tanto em defender o marco temporal, mas também como encorajar invasões, porque abre possibilidades de revisões de direitos constitucionais. Então o marco temporal ameaça a vida dos próprios povos indígenas”, acrescentou Joênia Wapichana no encontro promovido pela Ashoka e que contou com a participação da jornalista e co-fundadora da Amazônia Real, Kátia Brasil, e de Ednei Arapiun, líder indígena juvenil na região do Tapajós e coordenador do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifestou sua “profunda dor” pela das duas crianças Yanomami. “Também expressamos nossa indignação diante da permanência e o aumento expressivo do garimpo na Terra Indígena Yanomami, sustentados pela inação do Estado brasileiro, omisso a suas responsabilidades constitucionais e às decisões da Justiça, bem como evidenciada ineficácia das operações pontuais dos últimos anos. É absolutamente imprescindível que o Estado brasileiro cumpra com sua obrigação constitucional de proteção das terras indígenas. Basta de mortes e de violência contra os povos indígenas!”, afirmou em nota.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) enviou uma resposta curta à reportagem dizendo apenas que “por meio da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’Kwana, acompanha o caso junto aos órgãos de saúde e segurança pública competentes e está à disposição para colaborar com o trabalho das autoridades”.

A Frente de Proteção Yanomami e Ye´Kwana é uma das entidades das estruturas da Funai que atua junto aos povos indígenas isolados. A Funai, contudo, não informou por que está atuando por essa frente, já que possui uma Coordenação Regional que atua no território Yanomami e não se tratam de povos isolados. O órgão limitou-se a repassar informações gerais sobre sua atuação nas terras indígenas e na TI Yanomami.

“Só a área indígena Yanomami conta atualmente com quatro Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) da Funai: Serra da Estrutura, Walo Pali, Xexena e Ajarani. Todas essas unidades são responsáveis por ações permanentes e contínuas de proteção, fiscalização e vigilância territorial, além de coibição de ilícitos, controle de acesso, acompanhamento de ações de saúde, entre outras atividades”, informou a Funai na nota.

Cobrança por ação mais firme

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, cobrou uma atuação contínua e rígida por parte da Funai. “Só ter postos de fiscalização não resolve. Porque, mesmo assim, os garimpeiros entram e saem quando bem querem. Tem alguma coisa errada nessa fiscalização. Não adianta só fiscalizar. Tem que tomar providências, tirar os garimpeiros, acabar com essa atividade que todos sabem que é ilegal, mas nada tem sido feito”, disse ele.

As crianças têm sido uma das principais vítimas da presença cada vez mais agressiva e violenta de garimpeiros na TI Yanomami. Desde maio, os indígenas relatam que as intimidações e agressões são cada vez mais constantes nas aldeias. No ataque de garimpeiros e de invasores ligados à facção PCC na aldeia Palimiu, ocorrido no dia 10 de maio, duas crianças, assustadas, correram e tentaram se proteger no mato. Elas se perderam e acabaram morrendo afogadas.

Além destas mortes em condições trágicas, os indígenas relataram que, devido à atividade ilegal do garimpo no território, aumentou o número de casos de desnutrição causada pela contaminação dos rios e da principal fonte de alimentação dos indígenas (peixe e carne de caça), e de bebês com má formação.

Garimpo avança na Terra Yanomami

Em setembro, o Fórum de Lideranças da TI Yanomami se reuniu para trazer a voz da floresta, e apresentaram alertas às autoridades. “O aumento da atividade garimpeira ilegal na Terra Indígena Yanomami está se refletindo em mais insegurança, violência, doenças, e morte para os Yanomami e Ye’kwana. As autoridades brasileiras precisam continuar atuando para proteger a Terra-Floresta, e impedir que o garimpo ilegal continue ameaçando nossas vidas’, disse documento elaborado pelas lideranças.

Conforme a HAY, até setembro de 2021, a área de floresta destruída pelo garimpo ilegal na TI Yanomami superou a marca de 3 mil hectares, um aumento de 44% em relação a dezembro de 2020.

Somente na região do Parima, onde está localizada a comunidade de Macuxi Yano e uma das mais afetadas pela atividade ilegal, foi atingido um total de 118,96 hectares de floresta degradada, um aumento de 53% sobre dezembro de 2020. Além das regiões já altamente impactadas, como Waikás, Aracaçá, e Kayanau, o garimpo avança sobre novas regiões, em Xitei e Homoxi, a atividade teve um aumento de 1000% entre dezembro e setembro de 2021.

Por causa do garimpo, crianças estão nascendo com má formação. Algumas mães são obrigadas a enterrar as que não sobrevivem, enquanto outras têm de lidar com a interrupção da gestação. Os filhos sobreviventes correm o risco de sofrer com a desnutrição, ou morrem de doenças como malária, diarreia e pneumonia. A água dos rios está suja de mercúrio, contaminando os peixes e as caças.

Para Dário Kopenawa, o futuro do povo Yanomami está morrendo a cada dia. “Não foram só duas crianças que morreram, foram o futuro do nosso povo, é o nosso futuro que está acabando, estou muito triste, nada é feito, até quando tem morte não é feito nada, não é de hoje que estamos cobrando providências, o governo federal não faz nada, além de destruir a natureza estão matando nosso futuro”, lamentou.

*Ana Lucia Montel é comunicadora popular, estudante de jornalismo e fundadora da Resistir Produções Roraima

** Colaborou Leanderson Leal

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente Amazônia Real é organização sem fins lucrativos, sediada em Manaus, no Amazonas, que tem a missão de fazer jornalismo ético e investigativo, pautada nas questões da Amazônia e de sua população, em especial daquela que tem pouca visibilidade na grande imprensa, e uma linha editorial em defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão e dos direitos humanos.

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