O advogado Ari Friedenbach tinha uma relação muito próxima com sua filha, Liana. Ele era alvo de piadas dos amigos porque a adolescente de 16 anos costumava ligar sempre para o pai. Foi a falta de comunicação por mais de 24h que fez Ari ficar preocupado e começar a procurá-la naquele primeiro fim de semana de novembro, 20 anos atrás. Rapidamente, descobriu que Liana tinha ido acampar com o namorado, sem avisar à família,
Menos de 10 dias depois, o advogado recebia, na delegacia de Embu-Guaçu, a notícia de que o corpo de sua filha havia sido encontrado. Por cinco dias, Liana foi torturada e estuprada, até ser assassinada por Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, da mesma idade. Felipe, o namorado de 19 anos, já havia sido executado com um tiro na nuca.
Hoje, com 63 anos, Ari Friedenbach ainda tem a voz embargada ao relembrar o crime bárbaro que vitimou sua filha mais velha – ele também é pai de um rapaz, Ilan, de 32 anos. Após o assassinato de Liana, separou-se da mãe dela, Márcia, que até hoje não fala com a imprensa sobre o crime. O pai de Ari teve câncer “do nada” e faleceu três meses após o assassinato. A avó materna de Liana teve depressão, um AVC, e morreu dois anos depois.
Nos meses seguintes ao duplo homicídio, o advogado chegou a defender a redução da maioridade penal, mas não demorou para se convencer de que isso não seria solução. Chegou a entrar para a política, elegeu-se vereador em São Paulo, não conseguiu um mandato de deputado estadual e acabou desistindo da carreira. Nunca se negou a falar do assassinato da filha e nem mesmo da situação de Champinha.
Ao #Colabora, Ari Friedenbach diz ser contra o aprisionamento irregular do criminoso e afirma que ele foi jogado “numa jaula melhorada”. Acha até que ele cumpre pena maior que os demais. Ao mesmo tempo, teme por sua iminente soltura, com o fechamento da UES. Para o advogado, “certamente ele cometerá outros crimes” – e, por isso, não pode viver em sociedade. E defende mudanças no ECA para casos como o de Champinha.
Casado novamente, ele ainda atua como advogado nas áreas cível, trabalhista e de família. Diz que, às vezes, se sente no lixo, mas mantém esperança de ver as coisas melhorarem.
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Veja o que já enviamos#Colabora: Autoridades de São Paulo como Defensoria Pública e Secretaria Estadual de Saúde estão desenhando um plano para retirar o Roberto da UES. A ideia é colocar ele e outros 4 jovens que estão lá numa unidade de saúde, mas sem escolta policial. O que você sabe sobre o acordo?
Ari Friedenbach: Pelo que eu sei, estão colocando em liberdade as pessoas que estão lá dentro, sem tratamento. E a ideia é dar um outro nome para o Champinha e mandar embora para algum lugar, sumir com ele, não mandar para tratamento. Como não estão tratando lá dentro, não vão tratar aqui fora também. Vão simplesmente se livrar do problema. Manter a Unidade Experimental de Saúde é um custo super elevado. É um lugar melhor do que qualquer presídio, mas a pessoa está sem tratamento decente. Eles fazem de conta que estão tratando, mas é mentira. Só se colocou ele numa jaula melhorada.
Mas acha que ele tem tratamento?
Não. É um caso que provavelmente vai ter reincidência. Ele tem problemas sérios que não foram tratados e não têm como tratar, na minha opinião. Um médico com quem eu conversei disse que é um psicopata, e que precisaria de vigilância permanente. Acredito que ele vai reincidir se colocado em liberdade. Mas não estou torcendo para isso, óbvio.
A Unidade Experimental de Saúde foi criada para não soltarem Champinha?
Criaram essa solução porque não podiam colocá-lo em liberdade. E caiu na questão da Justiça um problema famoso. Então jogaram lá ele e alguns casos semelhantes. Não precisa manter aquela unidade, mas tem que colocar em algum lugar. Não é jogar isso pra sociedade, simplesmente.
Qual seria a melhor solução?
Tem que analisar o caso individualmente. Desinstitucionalizar e fazer o quê? Não pode um juiz dar uma canetada e todo mundo ficar encontrando margem para a discussão. Não quero que volte a acontecer, mas é fundamental mudar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que não prevê o que fazer com um menor de idade quando ele tem um problema grave como a psicopatia. Então fica esse limbo. Se não mudar o ECA. outros casos acontecerão, infelizmente. Não pode acontecer de novo um caso como esse do Champinha e fazer uma acochambração jurídica para fazer de conta que estamos resolvendo o problema.
Ele teve uma pena justa?
Como advogado, falando de forma mais fria, foi uma pena mais dura do que a de todos os maiores de idade envolvidos no crime. São 20 anos preso. Mas não é alguém que pode conviver em sociedade. Ele vai reincidir. Mas também não pode ficar em prisão perpétua.
Dá para saber se a pessoa vai reincidir?
Fui procurar psiquiatras abalizados para falar sobre isso. Não é vingança. Eu falo, numa boa, que ele pode trocar o nome que quiser, para João da Silva, mas o Roberto Aparecido Alves Cardoso vai fazer essa merda de novo. Infelizmente. Ele pode ir pro Amazonas, pode ir pro Acre, ele vai fazer merda.
Reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos resolveria problemas como esse?
Não. A gente acabou de sair de quatro anos de um maluco no poder [Ari refere-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro] e nem ele conseguiu reduzir a maioridade penal. Graças a Deus. Porque não é essa a solução. Mas precisamos debater e buscar caminhos. O primeiro, na minha opinião, é mexer com o ECA. Mas até agora não se andou um milímetro nessa discussão. A gente teve um número escandaloso de feminicídio; a gente está com uma violência latente. É muito louco o que a gente está vivendo. Os jornais lembram o Notícias Populares de antigamente [o NP foi um jornal que circulou em São Paulo entre 1963 e 2001, famoso por manchetes violentas e sensacionalistas].
Na sua opinião, por que o debate sobre a maioridade penal ou mesmo sobre a mudança no ECA não avança?
Porque você tem uma esquerda que tem dificuldade de debater essas questões de punição. O que é uma burrice. E precisa ter colhão para debater a punição de menores que cometem crimes de extrema gravidade. É uma minoria, mas ela precisa ser punida de forma severa.
O senhor foi eleito vereador por São Paulo em 2012. Acreditou que mudaria algo ao entrar na política?
Logo depois que a Liana morreu, comecei a entrar no debate político, e meu pai falou “você vai se decepcionar”. Eu respondi que ia conseguir fazer alguma coisa. Não aconteceu nada. Continuo a fim de tentar, porque quem sabe alguém escuta. Mas, 20 anos depois, eu olho para o lado puto. A única coisa que aconteceu é que a gente andou para trás, principalmente nesses quatro últimos anos. Foi um retrocesso tão grande. Às vezes, me sinto no lixo.